O Circo Eleitoral: A Fantasia acaba depois das Eleições

A cada ciclo eleitoral, a cidade se transforma como num grande espetáculo itinerante. Esse fenômeno, repetido a cada quatro anos, expõe a forma como governantes tratam a gestão pública: um show temporário para eleitores, e não um compromisso contínuo.
fev 18, 2025
Tempo de leitura: 5 min

É como um circo chegando à cidade, trazendo cores vibrantes, promessas de diversão e espetáculos grandiosos. A política em época eleitoral transforma o cenário urbano de maneira espetacular, e também, passageira. Ruas esburacadas são asfaltadas às pressas, hospitais recebem reformas emergenciais, e projetos que estavam engavetados de repente se tornam prioridade. Mas, assim como o circo desmonta sua lona e segue viagem, essa atenção toda também desaparece logo que as urnas são fechadas.

Em eleições municipais, o cenário é ainda mais evidente, basta dar uma volta pela cidade para ver a quantidade de máquinas trabalhando e obras finalmente saindo do papel. Recapear o asfalto ainda é o ato preferido do chefe do executivo que tenta a reeleição. Os políticos começam com seus discursos inflamados, prometendo mudanças, enquanto escondem o fato de que poderiam ter feito tudo isso antes. 

Na disputa pela prefeitura da Capital Goiânia, em 2024, o então prefeito Rogério Cruz, embora com mínimas chances de ser reeleito, fez questão de intensificar a entrega de obras e projetos nos meses que antecederam as eleições, como se estivesse preparando o grande número final de uma turnê que poderia ou não continuar. 

Entre os destaques, tivemos a tão esperada entrega do BRT, uma promessa antiga que, convenientemente, ganhou forma justamente a pouco antes da eleição. Além disso, o projeto de “cidade inteligente” finalmente saiu do papel, junto com a recuperação de vias que, até então, pareciam condenadas ao esquecimento.

Outro fator que levanta preocupação em períodos eleitorais, é o aumento nos gastos públicos. No vale-tudo pela reeleição, ou para favorecer seus aliados políticos, gestores aumentam as despesas nas áreas mais visíveis ao eleitorado, como a infraestrutura e programas sociais. Embora a legislação brasileira estabeleça restrições específicas, práticas oportunistas persistem. 

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) proíbe, nos últimos 180 dias de mandato, a realização de despesas que não possam ser quitadas dentro do mesmo exercício financeiro, evitando que gestores deixem dívidas para seus sucessores. Além disso, a Lei nº 9.504/1997, conhecida como Lei das Eleições, veda a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública em ano eleitoral, salvo em casos de calamidade pública, estado de emergência ou programas sociais autorizados em lei e já em execução no exercício anterior.

Mas, o mais importante disso tudo, é que as obras por todos os cantos possam aparecer. A prioridade é para o que gera impacto aos olhos da platéia, ou melhor, dos eleitores. Obras feitas em esgoto são pouco vistas, e por este motivo, os investimentos em infraestruturas essenciais, como as redes de saneamento básico, recebem baixa atenção e recursos.

Dados recentes demonstram essa disparidade nos investimentos. Em 2023, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) destinou cerca de R$ 1,6 bilhão para ações de segurança hídrica, incluindo grandes obras de infraestrutura hídrica e sistemas de abastecimento de água. Enquanto o valor aprovado, pelo Congresso Nacional, para o financiamento das campanhas municipais de 2024 foi de R$ 4,96 bilhões.

É válido pensar, ainda, que o problema não está apenas nos políticos que fazem esse espetáculo, mas também em nós, que aplaudimos mesmo cientes de já termos visto esse roteiro antes. Se políticos continuam a maquiar cidades apenas em ano de eleição, investir em obras de fachada e ampliar gastos públicos de forma oportunista, é porque esse truque ainda funciona.

O voto não costuma acompanhar a memória, que geralmente é curta, tornando fácil o encantamento com os asfaltos recém-pintados e as pracinhas revitalizadas, sem se perguntar por que esses investimentos só acontecem em tempos de eleição. Para sair do papel de expectador, o eleitor tem a obrigação de ser mais crítico, de acompanhar a gestão pública constantemente e não apenas no período eleitoral.

A cada quatro anos, esse novo ritmo começa a ser imprimido. E quando um novo circo chega à cidade, é hora do próximo espetáculo ser ainda melhor. Os prefeitos recém-empossados, começam ansiosos para deixar sua marca, promovendo um festival de inaugurações. O grande destaque são as obras novas, afinal, nenhum artista quer dividir os holofotes, e o jogo político não lida bem com a ideia de continuidade: é preciso protagonismo. Essa lógica se encaixa muito bem na velha política do “Pão e Circo”, onde o que importa não é a construção de um futuro sólido, mas sim a manutenção do espetáculo para entreter a plateia. 

O grande questionamento é o que fica depois que o circo vai embora. Logo depois do show, a realidade costuma se impor: trânsito caótico, obras paradas e promessas evaporadas. É trágico ver que o maior período de atenção da cidade é quando os votos estão prestes a serem contados. Chegou o momento dos tapetes vermelhos das inaugurações se desfazerem, junto às promessas, e o público, mais uma vez, é deixado com a dura realidade do abandono. 

Mas é só aguardar mais quatro anos, e o circo eleitoral é montado novamente, com seus malabares de verba pública e palhaçadas que, infelizmente, já não têm mais graça. O show pode até continuar, mas não precisamos mais comprar ingresso para assistir.

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