Por que filmes ruins ganham tantos prêmios? E não estamos falando só de Emília Perez 

Premiações estado-unidenses e europeias premiam filmes que refletem a sua cultura - e eles parecem concordar com os estereótipos racistas de Emília Perez.
fev 18, 2025 , ,
Tempo de leitura: 3 min

Cada premiação da temporada parece ser um degrau até o Oscar: o topo, o altar, o prêmio que representa excelência no cinema. Neste ano, paira no ar um clima de excitação que está sendo progressivamente assombrado pelo medo da derrota sempre que se ouve “Emília Perez” em uma categoria em que Ainda Estou Aqui também está concorrendo.  

No Globo de Ouro, a infelicidade da derrota de Ainda Estou Aqui em Melhor Filme de Língua Não Inglesa foi interrompida pela euforia de ver Fernanda Torres sendo a primeira atriz brasileira a levar o prêmio de Melhor Atriz. Mas a dose não se repetiu no Critics’ Choice Awards, e nem no BAFTA, premiações que o longa de todas as nacionalidades, menos mexicano, ganhou em Melhor Filme Estrangeiro.  

O problema não parece ser tanto o embate direto entre um filme brasileiro e seu principal oponente. O cerne da questão é que entre uma obra que retrata um dos períodos mais traumáticos de um país, tendo sua relevância confirmada por uma tentativa de golpe militar e assassinato do então presidente em plenas eleições de 2022, e uma “obra” caricata, que toca na maior ferida dos mexicanos sem o cuidado da apuração e respeito por sua cultura, a segunda está ganhando.  

As recentes polêmicas envolvendo Karla Sofía Gascón, protagonista de Emília Perez que sofreu a exposição de tweets antigos sendo especialmente xenofóbica, dão a sensação de que o primeiro filme estrangeiro a ser indicado a 13 categorias no Oscar sairá de mãos vazias. Mas, se Karla não fosse tão xenofóbica quanto o seu filme, ele provavelmente ganharia muitas das categorias. O que nos faz questionar o porquê de filmes ruins ganharem tantos prêmios.  

Dos muitos aspectos que fazem um filme ruim, o que grita em Emília Perez é a transgressão da realidade e a estereotipação do mexicano e da pessoa trans. Irônico a primeira mulher trans a ser indicada na categoria de Melhor Atriz do Oscar pertencer a um filme que associa a transição de gênero a uma visão psicopatológica, e é baseado em uma premissa de exotização etnográfica, segundo pontuou o filósofo espanhol Paul Preciado, um homem trans, em seu artigo para o El País.   

Mas não é possível esquecer que não estamos falando de premiações latinas, e a fala de Jacques Audiard, diretor francês de Emília Perez, afirmando não precisar estudar mais sobre a cultura mexicana – porque já sabia o suficiente – reflete a opinião de muitos europeus e estado-unidenses, que parecem saber de tudo e concordar que o espanhol é a língua dos países pobres.  

Também é costume das premiações estado-unidenses e europeias reforçar os seus feitos e, como disse Fernanda Torres em entrevista para o Jimmy Kimmel, os EUA sabem como vender sua cultura.  

Com esse cenário, seria um tanto quanto contraditório premiar um filme que escancara as feridas dos filhos da Guerra Civil: as ditaduras na América do Sul. E sim, é também por isso que tantas obras que retratam a Segunda Guerra Mundial ganham destaque nas temporadas de premiação.  

Situações muito semelhantes a essas se repetem. Spike Lee perdeu duas vezes para filmes que mostravam que brancos racistas também poderiam ser legais, por exemplo. O Oscar, e outras grandes premiações, continuarão vendendo sua cultura – mesmo que esta seja a xenofobia.  

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