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MARIANA DA COSTA REZENDE
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Rayane Novais é uma jornalista de trajetória admirável, marcada por desafios, superações e uma imensa dedicação ao ofício. Esposa e mãe, ela se destaca pela sua experiência tanto em produção quanto em reportagem e apresentação jornalística. Atualmente, integra a equipe da Rádio Bandeirantes, onde desempenha um papel fundamental na produção e apresentação de programas jornalísticos de destaque. Sua carreira também inclui passagens significativas pela TV Record, TV Band e pela assessoria de imprensa da Prefeitura de Aparecida de Goiânia. Além de sua experiência prática, Rayane é autora de um documentário sobre violência doméstica e tem sua dedicação reconhecida com prêmios, como o 2º lugar na categoria Jornalismo Universitário do Sebrae Goiás.

Imagem fornecida pela entrevistada.

Em sua entrevista, Rayane compartilha com a gente sua visão sobre o jornalismo atual, os desafios enfrentados como mulher na profissão, e a importância da ética e da empatia na cobertura jornalística. Em um cenário em constante transformação, ela nos guia por sua experiência e por sua convicção de que, apesar das dificuldades, o jornalismo segue sendo uma ferramenta poderosa para a mudança e para a verdade.

Mariana Rezende: Em que momento da sua vida você descobriu que queria ser jornalista? Teve algum acontecimento ou influência específica que despertou esse interesse?

Rayane Novais: Bom, Mariana, vamos lá. Eu não tive nenhuma influência, porque dentro do meu ciclo social, dos meus amigos, minha família, ninguém é jornalista.

Inclusive, eu sou a primeira pessoa do lado da minha mãe a concluir uma formação a nível superior, porque todas as pessoas da minha família, com quem eu convivo diariamente, são pessoas que se tiverem o ensino médio, conseguiram já depois de adultos, por meio do EJA, entendeu? Então eu não tive nenhuma influência nesse sentido.

Só que o jornalismo, desde pequenininha, desde criança, sempre foi uma profissão que me fez brilhar os olhos. Só que o curioso é que eu sempre quis ser repórter de televisão, mas eu vim ter acesso a conteúdo televisivo com 19 anos, depois que eu casei. Porque eu nasci em um lar evangélico e a televisão é proibida pela disciplina da minha igreja.

Só que é muito interessante, chega a ser irônico, porque mesmo sem ter esse acesso, eu sabia que era isso que eu queria. Era a profissão que eu queria exercer, era a profissão que eu queria atuar. Só que naquela época, eu não sabia que o jornalismo oferecia tantas outras oportunidades, além de um repórter de televisão. De fato, atualmente eu estou trabalhando na rádio. Então, eu não tinha essa visão. Eu queria ser repórter de TV.

Até hoje eu ainda quero, mas já abriu meu coração para outras oportunidades. Então, foi assim que começou a minha paixão pelo jornalismo desde criança, só que eu só consegui encarar e ir para faculdade depois que eu casei, que eu conquistei a minha independência, porque enquanto eu vivi dentro da casa dos meus pais, eu enfrentei dois problemas.

Primeiro, a situação financeira, eu não tinha condições de pagar um curso superior e segundo por todas essas questões que eu te expliquei. A questão da igreja, né, uma afronta, ser evangélica, ser jornalista, trabalhar na televisão, essas coisas. Então, eu só fui em busca desse sonho, digamos assim, depois que eu me tornei dona do meu próprio nariz. E aí foi onde eu decidi enfrentar todas essas questões e ir atrás de uma profissão que realmente me fizesse feliz.

Mariana Rezende: Você acredita que o jornalismo está em crise ou em transformação? E como os profissionais da área podem se adaptar a essas mudanças?

Rayane Novais: Eu não acredito que o jornalismo esteja em crise. Eu não concordo, embora eu já ouvi e ouço isso de muitos colegas da área, mas eu não concordo com essa afirmação. Eu acredito que nós estamos vivendo um período de transformação constante, diária, sabe? Principalmente com a presença marcante da inteligência artificial, né?

Inteligência artificial, a presença constante das redes sociais, então o modo das pessoas consumirem informação diante de todo esse contexto mudou, muda todos os dias, e nós, profissionais da área, precisamos nos adaptar. Aí, como podemos nos adaptar a essas mudanças?

Entendendo que a essência do jornalismo, essa não muda, que é apurar os fatos, comunicar com clareza, ir atrás das fontes oficiais, entender o que realmente está acontecendo, isso continua sendo necessário e nunca vai mudar, entendeu?

Então, a inteligência artificial, a rede social, a tecnologia, eu acredito que ela vem como uma aliada, e a forma de nós nos adaptarmos a isso é entender como essa tecnologia funciona, de que forma ela pode agregar ao nosso trabalho e nos adaptar a isso. Porque a ferramenta humana, que é a nossa checagem, a nossa sensibilidade, o nosso compromisso com o fato e com as informações, isso não muda e vai ser necessário enquanto houver comunicação.

Então o profissional precisa estar disposto a se atualizar, entender as novas linguagens, mas sem abrir mão da credibilidade, da ética e do interesse em checar a veracidade das informações.

Mariana Rezende: Qual foi a cobertura mais marcante da sua carreira e por quê?

Rayane Novais: Vamos lá, Mariana, como eu vou te explicar isso? Cobrir tragédia nunca é fácil, sempre deixa marcas de uma forma ou de outra, sabe? Mas as matérias que envolvem violência doméstica e feminicídio me abalam profundamente. É um tema que me atravessa, que me tira o chão. Inclusive, foi o foco do meu TCC. Eu fiz o meu TCC com o título Violência Doméstica: Calada Não Vence, Morre.

Fiz um documentário que, inclusive, está postado no YouTube, e o link está na bio do meu Instagram, caso você tenha interesse e curiosidade de assistir. Então, assim, eu nunca consigo engolir o fato de que, além da dor, as mulheres ainda são tão expostas, julgadas e, muitas vezes, culpadas, sabe?

Elas são culpadas por serem mortas, são culpadas por serem agredidas, são culpadas por não aceitarem permanecer em um relacionamento que maltrata, humilha e agride. Então, esse tipo de cobertura sempre me tira o chão, porque eu não consigo engolir essas questões. Mas, respondendo à sua pergunta, uma cobertura que me marcou muito, muito mesmo, foi o caso do menino Salomão, em Nerópolis.

Eu não sei se você lembra, é um caso recente, mas foi uma cobertura que me marcou muito, muito mesmo. Por quê, Raiane? Porque essa tragédia aconteceu em um momento em que eu estava extremamente sobrecarregada. Muito sobrecarregada. Para você ter noção, eu estava trabalhando em três empregos: estava na TV Record, estava na Rádio Bandeirantes e também como supervisora da equipe de limpeza do Exército.

Então eram três empregos, mais a minha casa, mais o meu filho, mais o do meu marido. E, paralelamente a isso, eu sou filha, sou irmã. Eu estava em um momento muito sobrecarregado e, como mãe de um menino de 8 anos, aquele caso me abalou demais. Me fez repensar até que ponto essa correria toda vale a pena.

Porque, naquele caso, o que eu percebi durante todo o período em que trabalhei na cobertura foi que se tratava de uma dor dupla. Duas mães tiveram suas vidas marcadas para sempre: uma que precisava deixar o filho para trabalhar, e a outra que cuidava do filho de alguém para conseguir levar alimento para casa.

Então são duas mulheres, duas histórias reais e muito dolorosas que acabaram sendo massacradas pela tragédia, pelo julgamento alheio. Foi uma cobertura muito difícil, que me tirou o chão e me fez refletir como mulher, como jornalista e também como mãe.

Mariana Rezende: Como é lidar com a pressão de cobrir fatos em tempo real, especialmente quando envolvem tragédias ou situações delicadas?

Rayane Novaes: Minha amiga, é desafiador, porque você precisa encontrar um equilíbrio entre a agilidade da notícia e o cuidado com o outro. Porque todo fato que você vai cobrir, né, toda tragédia que você vai cobrir, envolve pessoas.

A gente não pode esquecer que ali tem um ser humano. Então, exige empatia, discernimento, muito cuidado. Às vezes, a gente precisa ter um pouco de receio com a nossa pressa, para respeitar o tempo e o sofrimento das pessoas.

Por exemplo, você está ali querendo fazer o seu trabalho, cobrir o fato, falar com uma família que, muitas vezes — muitas vezes não, na maioria dos casos — acabou de enterrar um filho, um marido, uma mãe. Então, a pessoa está ali sofrendo a dor do luto, às vezes está no cemitério, e você, como jornalista, está ligando, fazendo uma apuração, pedindo uma entrevista, entendeu?

Então é muito complicado e muito desafiador encontrar um equilíbrio entre a agilidade da notícia e a cobrança que você está recebendo do veículo em que trabalha, da chefia, que quer manter a qualidade da audiência, que quer dar o furo de reportagem o tempo todo, e, do outro lado, uma família enlutada, que não está tendo tempo de respirar, nem de viver o luto, porque a imprensa está em cima o tempo todo.

É muito difícil encontrar esse equilíbrio. Na minha opinião, enquanto trabalhei como produtora do Balanço Geral, que é o telejornal de maior duração e audiência da TV Record, esse foi o desafio que eu enfrentei — que sempre me colocava, digamos assim, entre a cruz e a espada.

É muito desafiador encontrar esse equilíbrio entre a agilidade que você precisa ter para noticiar o fato e o cuidado com o outro.

Mariana Rezende: Na sua experiência, qual é a importância da ética no jornalismo e como ela impacta o trabalho diário?

Rayane Novaes: Eu acho que a resposta até é uma continuação da número 4, porque a ética é o que sustenta o jornalismo. No momento em que você precisa encontrar esse equilíbrio entre a cobrança que você tem do seu chefe, do veículo em que trabalha, e o cuidado que você precisa ter em lembrar que, do outro lado, você está lidando com um ser humano, é a ética que te permite encontrar esse equilíbrio, entendeu?

Então, a ética é o que sustenta, é o guia que você vai ter na hora de tomar uma decisão, na hora em que tiver uma dúvida sobre publicar ou não. É o que faz você ter uma apuração mais cuidadosa, principalmente nesse mundo em que vivemos hoje, cheio de desinformação.

Ser ético, muitas vezes, nos coloca em situações desafiadoras, entendeu? Ser ético não é fácil, trabalhar de forma ética não é fácil, mas é o que sustenta a nossa profissão. Principalmente nesses momentos de tensão, de coberturas de fatos marcantes, a ética é o que nos guia e é o que nos sustenta.

Mariana Rezende: Quais são os principais critérios que você considera na hora de apurar uma informação?

Rayane Novaes: Eu sou muito criteriosa com a checagem da notícia. Então, é muito importante você sempre ter as suas fontes, fazer a sua checagem, a sua apuração. Isso é o que te diferencia de muitos profissionais no mercado, entendeu? Eu detesto a ideia de ser pautada por outros veículos, por outros jornais.

Não é porque o Mais Goiás postou, a TV Anhanguera noticiou, ou a CBN falou, que você vai lá e faz também. Não que eu esteja desacreditando do trabalho dos colegas, não é isso, mas é sobre a importância de você ter a sua própria informação, de levantar a sua apuração, entendeu? Então, eu sou muito criteriosa com isso. Se é um assunto que todo mundo está dando, vamos fazer a nossa checagem.

Vamos verificar se realmente é isso, se realmente está acontecendo isso. Confio muito nas fontes oficiais. Sempre que se trata de informações de peso, a gente coloca na boca da fonte, mas é fundamental ouvir todos os lados.

Se há outras pessoas envolvidas, você precisa ouvir essas pessoas também, porque esse é o jornalismo sério, o jornalismo que a gente precisa fazer — embora, às vezes, a gente esbarre em algumas questões editoriais, cobranças da chefia. Mas a gente não pode esquecer que isso é um dos pilares da nossa profissão. Então, é preciso questionar, ir atrás, e, se for preciso, voltar atrás.

É melhor demorar um pouquinho mais e entregar algo certo, uma informação correta, do que ser o primeiro a noticiar uma mentira, uma inverdade, e ainda colocar em xeque a reputação de alguém.

Mariana Rezende: Quais são os desafios e resistências enfrentados por uma mulher ao construir sua voz e credibilidade no meio jornalístico ainda majoritariamente marcado por padrões masculinos?

Rayane Novaes: Eu acredito que isso ainda é muito evidente em algumas editorias, principalmente política e esporte, que são editorias historicamente dominadas por homens, né? Então, nesses espaços, nós enfrentamos muita resistência, somos questionadas e precisamos, o tempo todo, reafirmar que estamos ali porque somos competentes, porque temos capacidade.

Mas, de forma geral, assim, como um todo, eu vejo um cenário bem diferente no jornalismo, sabe?

Eu percebo uma presença feminina muito forte e até mesmo crescente, tanto nas redações quanto nas reportagens de rua e até nos cargos de liderança. Eu, por exemplo, em todos os locais em que já trabalhei como jornalista, sempre fui liderada por mulheres.

Então, embora esses desafios ainda existam em algumas áreas específicas, em algumas editorias específicas, eu acredito que, a cada dia, estamos ocupando mais espaço.

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