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Minha bisavó não nasceu em Goiás. Veio com a família de Araxá. Se estabeleceram na antiga Villa Boa de Goyaz. Meu bisavô também não era goiano. Tinha apenas nove anos quando saiu de Macambira, interior do Sergipe, e atravessou um sertão de Deus, cheio de vales de terra seca e lágrimas.
Meu avô nasceu em Bom Jesus da Lapa, Bahia. Viajou quilômetros vestindo faixas e andrajos no colo de Dona Maria, sua mãe, que não era virgem e tampouco ele era algum messias. Na travessia trocaram o burro pela carroceria de um caminhão que recrutava trabalhadores para as fazendas de Goiás.
Seu Nercino deixou o Ceará com a primeira esposa, Dona Fátima, e os oito filhos. A mulher morreu, como ele mesmo dizia, de repente. De repente, já não era mais gente desse mundo. Casou com dona Jacinta, que também não era daqui. Essa apareceu pelos lados de cá jurada de morte. Fugiu do marido e vive hoje as dores de seus oitenta e poucos anos. Dos seus, que viviam no Sul, perdeu o rumo e o endereço.
Já o Seu Raimundo fez caminho inverso. Partiu na calada da noite. Goiano do pé rachado que mascava fumo. Onde foi parar? Ninguém sabe! Justino também se foi, largou batina e tudo por causa de uma mulher casada. Dizia que não via futuro por aqui. Bobagem! Foi embora com medo de vingança. Quem partiu casto como chegou foi o holandês. Cornélio. Padre de estirpe, coisa mais rara do mundo. Chegou moço, evangelizou e foi-se velho. Queria ver as tulipas florescerem uma última vez.
Quando nascemos, adentramos em um mundo em movimento. Vidas novas dão seus primeiros passos na construção de suas histórias, enquanto as vidas velhas tratam de escrever o último parágrafo. E não há pausas: são entradas e saídas em narrativas entrecruzadas que às vezes entramos no começo, outras no meio e muitas já no fim. Estamos sempre em caminhada, saindo ou voltando de lugares. E embora tracemos caminhos diferentes, o destino final é sempre o mesmo. Ele vai em direção à nossa última diáspora, a qual todos percorreremos um dia: a morte.
[…] Diásporas (RODRIGUES, 2022) […]
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