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GUINEWER INAE BUENO DE QUEIROZ

Quando era criança era engraçado chamar qualquer um que fosse um pouco diferente de “doente”, “sequelado” ou alguma variante que desse a insinuar que a pessoa tinha algum problema mental. Não só isso: era central que usassem um transtorno real como termo pejorativo, falavam que você era “bipolar” se expressasse emoções demais ou tinha “TOC” se era um pouco organizado demais. E não era só algo entre as crianças e adolescentes, os adultos faziam muito isso também e a ideia de ter uma doença mental ficou para sempre gravada na minha e na cabeça de muitos como algo ruim.

Minha mãe costumava zombar de mim e da minha avó por termos certas idiossincrasias que para ela não faziam sentido. Coisas bobas, sem sentido, eram motivo para piadas. Nada muito maldoso, mas o bastante para que no momento em que eu descobri que um dos problemas que eu poderia ter era TOC, meu primeiro instinto foi pensar: “Eu não quero ter TOC, eu só quero ser normal”. Levou pouco tempo para perceber que isso era uma coisa errada de se dizer, mas é como muitas pessoas dizem: a primeira coisa que vem à sua mente é como você foi condicionado a pensar, e o que vem depois é o seu próprio julgamento. 

O “querer ser normal”, vindo de uma pessoa como eu, que já sabe que tem vários problemas, é parte de uma bagagem muito antiga. Hoje as coisas estão mudando um pouco na sociedade, a conscientização sobre a saúde mental se tornou algo vastamente disseminado. E chega até a ser engraçado, ver certas pessoas que um dia zombavam tão veementemente de qualquer um que saísse um pouco da linha do que é “ser normal”, atualmente advogando pela saúde mental dos outros. Mas a mudança é boa, é essencial, só não está acontecendo rápido o suficiente. 

Vá no Twitter, no Facebook ou no Reddit: duvido que em poucos minutos de pesquisa não seja capaz de encontrar pelo menos um uso das palavras “autista” e “retardado” como termos pejorativos ou indicativos de “doença”. E se isso não te deixa nem um pouco revoltado, digo isso da forma mais gentil possível: talvez tenha algo errado com você. Autismo não é doença, primeiro porque não é algo que precise ser curado, e segundo, porque é um transtorno que abrange diversas pessoas de formas diferentes em um enorme espectro de possibilidades.

 A patologia popular de distúrbios e transtornos completamente inofensivos e normais na raça humana como um todo é parte de um processo discriminatório horrendo. Tão horrendo que marca as pessoas o bastante para desincentivar a procura de ajuda para problemas reais que possam ter. Ninguém quer procurar tratamento mental, porque ninguém quer ser visto como doente. Talvez seja aí que precisamos começar a mudar, logo no conceito mais intrínseco da palavra doença.

Essa palavra, que significa dor e padecimento, traz um estigma tão forte que parece suja só de ser dita, como se pudesse infectar apenas com o som. Não há uma pessoa no mundo que queira ficar doente, mas quando fica, não é culpa dela, não é algo de se envergonhar. Muitos pensam como um sinal de fraqueza, falha ou impureza da própria pessoa. Nós celebramos todos aqueles que lutam contra o câncer, os consideramos guerreiros e lhes damos apoio, então porque seria diferente com outras enfermidades?

Com doenças mentais, que deixam as pessoas em uma situação tão vulnerável e demandam um esforço hercúleo para superar, o tratamento dado aos enfermos é de puro desdém na maioria das vezes. Algumas, como o Transtorno Obsessivo Compulsivo, o famoso TOC, são doenças crônicas que não têm cura definitiva e os remédios apenas aliviam os sintomas. Quem sofre mais é aquele que é infligido por ela. E há quem ouse dizer que os doentes mentais são pessoas perigosas.

Os filmes e as séries não cansam de representar surtos psicóticos, casos de esquizofrenia e distúrbios dissociativos de identidade como características de assassinos sem remorso. Não é à toa que o termo psicótico se tornou tão comum para falar de pessoas cruéis e com intenções assassinas. Mas, no final das contas, essas são as pessoas que mais são abusadas, mortas e abandonadas sem remorso e de forma cruel. A falta de empatia pela dor do outro, quando não é uma dor física ou visível, é algo praticamente exclusivo daqueles considerados pela sociedade como “normais”. 

No fim, quem é realmente normal? O preconceito é tanto que as pessoas ignoram sintomas, ignoram a si mesmas, colocam a máscara da normalidade e nunca procuram por ajuda. Pois não há necessidade de ajuda na visão delas, dito por experiência própria. E isso é o que gera uma sociedade cada vez mais doente, que se devora de dentro para fora sempre atacando os mais fracos, os periféricos, os mais distantes do que é ser comum e saudável. 

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