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Uma vez que você adentre este território, considero de bom tom sinalizar: isto aqui é um convite, e daqueles que têm destinatário e endereço. Convoco apenas os que têm costume pela deriva e residem longe de toda polidez disfarçada. Aos que não declinaram, ainda reforço, essa é uma história sozinha no banco da praça que, dedilhando suas mágoas, não faz um lamento pelas cicatrizes deixadas pelo seu mais recente término, mas celebra a expectativa de ser tirada para dançar outra vez. E esta é a dança da qual encarrego o leitor: entrever entre as reticências da revitalização da Avenida Castelo Branco. 

Esse tal de repaginar os 6,5 km de extensão da avenida se apresenta – sob os holofotes que servem ao propósito dessa reurbanização – como Agrovia Castelo Branco, nome devidamente apropriado. A combinação, além de manter a homenagem à figura sombria do período ditatorial brasileiro, também recai sobre a contraditória máxima do “Agro é pop”. O projeto prevê uma série de atrativas inovações e premia o setor de destaque na composição da economia goiana, o agronegócio. 

Fato é que a revitalização aí está e não adentraremos no emaranhado econômico que esta implica. O que acontece é que para levar adiante o sonho em torno do maior polo de comércio agropecuário do país é preciso “substituir” as árvores que outrora nos acompanhavam nesse trajeto. É do encerramento da extensa temporada desse primeiro elenco arbóreo que me refiro. Das diversas espécies que ali entrelaçavam suas copas há décadas e delineavam o reflexo de suas frondes no chão, surgirá uma monotemática fileira amarela: para cada árvore que abandona esse palco, entrarão 10 ipês suplentes para substituí-la. 

Veja bem a que ponto improvável a lógica cinzenta que orienta esse mundo nos levou. Olhar para as ingênuas mudas plantadas, as quais resultaram dessa troca descabida, com melancolia, com saudade e quiçá com indignação. Questiono apenas aos servos fiéis às suas memórias arbóreas, apreciadores desde as sombras generosas das mangueiras aos preciosos tapetes dourados concedidos pelas Sibipirunas da Castelo Branco, que desatino é esse de colocar em disputa elas, que protagonizam nossas lembranças longínquas, com a anualmente ansiada florada dos ipês? 

Saem 39, trinta e nove histórias, plantadas por nós e já não muito silenciosas em sua existência conosco, que há muito deixou de ser pacífica. Entram 390, trezentos e noventa multiplicado por milhares de pontinhos amarelos prontos para calar a mesmice da avenida em setembro. Plantados por eles, milimetricamente com 14 metros de distância de um a outro, enfim, individuados e imperiosamente, tal qual sua beleza, carentes de pessoalidade. É um sair de cena sem pompa nenhuma, áspero e astuto, digno daquelas mudanças que ninguém lembra quando se instalaram.

Das “doentes e frágeis” que foram já substituídas – e quem sabe dirão inclusive geniosas, para acusá-las das raízes atrevidas rompendo o marmóreo asfalto – restam de pé algumas. A depender de quando você tenha aceitado este convite, ainda há tempo para despedidas, últimos olhares e quem sabe uma palavrinha. É preciso advertir essa gente sem amizade, sem afeto por nada, que nosso punho ainda causa, que onde tem ou estiveram nossas mãos, tem nosso abraço. Que a memória tem cheiro, gosto, textura e também enche os olhos de água quando é sobre elas, essa existência majestosa que guarda e amacia o intervalo entre nós e o céu. 

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