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Breve história
Ligado diretamente com a crise do liberalismo, o nazifascismo surge como uma resposta à esse problema e principalmente contra o triunfo e existência da Revolução Soviética, ainda no final da Primeira Guerra Mundia (1GM). Como uma das principais expressões do fascismo europeu, o nazismo surgiu na Alemanha, no início da década de 1920. Sua principal liderança foi Adolf Hitler, ex-cabo do exército alemão na 1GM. De acordo com o Historiador e cientista político Paulo Fagundes Vizentini, no seu livro Neonazismo, Negacionismo e Extremismo Político, o regime retomava tradições conservadoras que vinham desde a queda do Absolutismo, se opondo à noção de progresso, crescimento industrial, razão e à noção iluminista.
O neonazismo, por sua vez, resgata os ideais nazistas e procura trazê-los para a atualidade. Esses ideais estão fundamentados no nacionalismo, racismo, homofobia, xenofobia e antissemitismo. As células formadas por essa ideologia promovem a exaltação de Adolf Hitler e de diversos símbolos do nazismo, utilizando-os, como diz Adriana Abreu Magalhães Dias, antropóloga, Mestre e Doutora em Antropologia Social, para balizar um discurso de ódio com fins políticos de hegemonia.
A pesquisadora, que dedicou pelo menos vinte anos da sua vida ao tema, afirma na sua dissertação de mestrado Os anacronautas do teutonismo virtual: Uma etnografia do neonazismo na Internet, que o ideal neonazista está intrinsecamente ligado com o revisionismo:
Em minha opinião, é esta associação que detêm o racismo em sua radicalidade máxima: a associada ao que Michael Foucault denominou de “racismo de Estado”, ou seja, a uma forma extremada de pensar raça: ela deve determinar uma decisão política de reunir e proteger sua “raça”, e manter distante, inclusive por meios de exterminação, se necessário, os “inimigos desta raça”.
Atualmente, o crescente número de células que tentam perpetuar esse ideal criminoso tem crescido exponencialmente. No Brasil, de acordo com dados da CNN Brasil, em 2021 houve o crescimento em 900% de denúncias relacionadas ao nazismo.
O LabNotícias procurou saber quais são os principais pontos que estão em debate acerca do assunto, com um enfoque maior no Brasil: qual meio esses extremistas estão utilizando para se organizarem e como se dá a aplicação de leis sobre esse ideal supremacista.
Meio digital: culpado?
Para entender sobre a ascensão do neonazismo, precisa-se saber primeiro por qual canal esse crescimento está acontecendo. Apesar do meio digital ser um amplificador da disseminação desse movimento criminoso, não existe uma relação direta entre as duas ocorrências, e sim entre identidade e meio digital. É o que afirma Luíz Signates, Doutor em Comunicação na linha Mídia e Cidadania. Para ele, as afirmações, criações e transformações identidárias passam pela internet e assim, também, podem dar margem para criminosos se aproveitarem das disponibilidades para alcançar seus objetivos.
Muito se falava sobre as expectativas entre a ampliação das relações proporcionadas pela internet e a condição democrática. Para o especialista, tudo não passou de ilusão, ou até mesmo exagero:
Descobrimos que a internet pode, sim, constituir-se num ambiente altamente democrático, se o regime político for regido por regras democráticas, mas, num regime totalitário, a internet pode ser um instrumento de opressão inaudito, na medida em que permite que as relações interpessoais possam ser severamente vigiadas e os movimentos de resistência reprimidos antes que se organizem minimamente. Em síntese, a virtualização da vida não a torna mais ou menos ética. A ética e a civilização continuam a exigir luta e trabalho para sua construção.
Atualmente, se vive uma experiência do avanço da extrema-direita internacionalmente. A globalização e a organização de grupos nazifascistas nas redes sociais facilitou com que os simpatizantes se encontrassem. Luiz conta que a regulamentação da internet pode ser uma importante aliada na luta contra o ideal criminoso, mas que outras medidas precisam ser levadas a rigor:
Considero fundamental que existam ações preventivas, de natureza comunicacional, pelo forte uso das instituições de poder simbólico (mídias, escolas, igrejas e movimentos sociais, além de outras com menor impacto), para a promoção da educação política orientada à cidadania, ao combate à discriminação e ao preconceito e ao fortalecimento de uma cultura da paz.
Internet: terra sem dono
Um argumento erroneamente utilizado, se não desonesto e consequentemente conivente, para se defender a apologia à esse crime, é a liberdade de expressão. Acontece que a liberdade de expressão é totalmente divergente a esse assunto, como explica a Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás, Edwiges Conceição Carvalho Corrêa:
Argumentar com a liberdade de expressão é uma forma de tentar justificar a prática que possuem de defesa de uma ideologia racista, excludente, que prega o supremacismo, entretanto, pela experiência da história da humanidade, esse tipo de pensamento e de política, são criminosos porque não admite o diferente, ao contrário, a ideia é eliminar politicamente e fisicamente.
Em uníssono, quase todos os especialistas e pesquisadores citados nessa reportagem defendem a regulamentação da internet como um importante caminho a ser seguido. Buscando a tentativa de parar essa máquina extremista e desumana nas redes sociais, a responsabilização daqueles que facilitam o convite de pessoas para essas células nazistas, por meio de algoritmos é necessária. Mas para além disso, é necessário ações preventivas, como comenta Luiz, também especialista em políticas públicas:
É preciso compreender que a criminalização do neonazismo e dos demais extremismos de direita não é suficiente para extingui-los, da mesma forma que os medicamentos não bastam para conter epidemias: é preciso vacinar toda a população contra essas ameaças, desenvolvendo uma cultura política forte na qual esses pensamentos e os comportamentos
decorrentes se tornem inaceitáveis.
Brasil e o flerte com o nazismo
A impressão que se tem com o “Brasil receptivo com estrangeiros” não encontra algum concreto que a consolide. A história violenta e constantemente silenciada por muitos, não permite o país mentir: o Brasil foi o país com mais adeptos ao Partido Nazista fora da Alemanha, berço do regime totalitário, entre 1928 e 1938: foram pelo menos 2.900 integrantes.
No contexto histórico da época, assim como a maior parte do mundo, o Brasil não ficou imune aos reflexos que emanaram da Segunda Guerra Mundial (2GM). No período histórico correspondente ao Estado Novo, o estadista Getúlio Vargas instituiu a “Campanha de Nacionalização”. É o que ressalta Edwiges:
O Brasil não ficou imune [aos reflexos da 2GM] e Vargas era simpático ao nazismo. Pretendia construir um país patriota que valorizasse a cultura brasileira, fez reforma no ensino, as aulas só poderiam ser em português, não podia ter professores/as estrangeiros, a não que fosse nacionalizados/as, havia disciplinas obrigatórias, como “educação moral e cívica” e “educação física”, sendo ambas ministradas por militares.
Nos dias atuais, no que tange à especificidade sobre o ideal nazista, se tem a Lei Nº 7.716/1989, que define os crimes resultantes de raça ou de cor, constando a tipificação do crime relativo a prática nazista. Porém, a antropóloga Adriana Dias, em estudos de 2019, contabilizou 334 células em atividade no país.
A historiadora e advogada Edwiges Conceição, comenta sobre a insuficiência legal no que diz respeito à aplicação dessa lei:
O problema não é só a insuficiência legal, que é uma lei importante, porém, as políticas de aplicação da legislação tem sido falhas, isso tem criado dificuldades de combate a esse tipo de crime no Brasil.
Para Luiz, nem mesmo o trâmite do projeto de lei no Congresso Nacional, PL 175/22, seria competente para a efetividade à legislação já existente:
O problema do Brasil é de execução da legislação existente e, como afirmei antes, de construção de uma cultura política que torne explícita e insofismável a gravidade desses crimes e a ameaça dessa ideologia. Como o Brasil jamais sofreu um incidente da proporção do holocausto nazista, a preocupação aqui tem pouca força – que levou, recentemente, inclusive, a que o youtuber Monark defendesse levianamente num podcast na internet a legalização de um partido nazista no país. Apesar da forte reação que, inclusive, o excluiu desse programa, não houve a criminalização exemplar, em todas as suas consequências, de sua atitude, até porque, à época, estávamos sob o mandato de Bolsonaro, cujo prestígio junto a essas células não é segredo para quem quer que estude ou acompanhe o assunto.