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O que a menina de onze anos e a Klara Castanho têm em comum, além da dor.
No último mês de junho, as redes sociais ficaram bastante agitadas devido a dois casos de violência contra mulheres. No primeiro deles, uma menina de apenas onze anos, vítima de estupro, foi, inicialmente, impedida de realizar um aborto legal. A mãe da menina procurou o Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, em Santa Catarina, para a realização do procedimento, mas foi exigido que elas procurassem a Justiça para garantir esse direito, já que a menina estava na 22ª semana de gestação e, segundo as normas do hospital, o aborto só poderia ser realizado até a 20ª semana.
O caso ganhou repercussão quando o portal The Intercept vazou trechos de uma audiência, na qual a juíza Joana Ribeiro Zimmer supostamente induziu a criança a manter a gestação pelo menos por mais algumas semanas, para que um parto prematuro pudesse ser realizado. Depois de muita polêmica e reviravoltas, a menina passou pelo procedimento abortivo no dia 22 de junho.
Na internet, as opiniões ficaram divididas: de um lado, aqueles que apoiavam a realização do procedimento, por defenderem o direito da vítima; do outro, pessoas argumentando que o aborto, àquela altura do campeonato, poderia ser considerado um homicídio e que o melhor seria acatar a sugestão da juíza e procurar a adoção do bebê.
A vítima do segundo caso de violência contra a mulher foi a atriz Klara Castanho, de 21 anos, que engravidou devido a um estupro sofrido e descobriu a gravidez pouco tempo antes de o bebê nascer. Além da violência física, Klara também relatou que se sentiu violentada pelo médico que a obrigou a ouvir o coração da criança e disse que ela seria obrigada a amá-la.
Para piorar a situação, a privacidade da atriz também foi violada e seu caso ganhou repercussão por meio da irresponsabilidade de um “jornalista”, que publicou um post dizendo que Klara havia dado à luz uma criança. Mesmo com o post apagado a pedido da atriz, as pessoas, inclusive outros famosos, começaram a fazer especulações e comentários ofensivos, como a apresentadora Antônia Fontenelle, que acusou Klara até de cometer “abandono de incapaz”. Após a história vir à tona, a atriz decidiu se manifestar, por meio de uma carta aberta em seu Instagram. Ela relatou ter sido vítima de um estupro, contou que foi um choque descobrir a gravidez e que optou, com todo o amparo da Justiça, por realizar uma entrega voluntária para a adoção.
“Eu não tinha (e não tenho) condições emocionais de dar para essa criança o amor, o cuidado e tudo o que ela merece ter (…). Era demais para processar, para aceitar e tomei a atitude que eu considero mais digna e humana (…). Entregar uma criança em adoção não é um crime, é um ato supremo de cuidado (…).”
Apesar disso, a internet ficou novamente dividida entre aqueles que têm prestado carinho e solidariedade a Klara e aqueles que continuam a julgá-la injustamente – e, digo, até mesmo criminalmente.
Embora as circunstâncias das duas vítimas sejam muito diferentes, existe mais em comum do que o tipo de violência sofrida. Além do abuso sexual, ambas também foram traumatizadas pelo abuso moral e emocional que sofreram. Nos casos da menina de onze anos, em Santa Catarina, e da atriz Klara Castanho, que vidas importam? As das gestantes ou as dos bebês que geravam? Bom, a resposta parece óbvia: todas elas! Porém, infelizmente, as resoluções não são tão simples assim.
A “opinião” pública se mostrou, mais uma vez, em contrassenso (para dizer o mínimo), insensível e hipócrita. Se uma menina violentada exerce o seu direito de pôr fim à gravidez, é linchada como assassina; se uma mulher violentada decide seguir com a gestação e exerce o seu direito de entregar o filho para a adoção, é cancelada como irresponsável.
Veja bem: aqui, não estou falando sobre o que deveria ter sido feito em cada caso, tampouco julgando uma das vítimas como melhor do que a outra. Longe disso! Embora eu, pessoalmente, por diversas razões que fogem do escopo deste artigo, seja contrária ao aborto, ressalto que a decisão de cada uma das vítimas foi tomada dentro da Lei, e que elas exerceram seus direitos. Minha crítica, ao contrário, é justamente às pessoas que se dizem contra o aborto em qualquer circunstância, mas não se engajam para promover a adoção, que seria a alternativa mais viável.
Os números simplesmente não batem. Em 2021, foram realizados 2.042 abortos legais no Brasil; no mesmo ano, apenas 1.517 adoções legais foram efetivadas em todo o país. Se não existisse o aborto, para onde iriam essas 2.042 crianças mortas no ano passado? Mais assustador ainda: nos primeiros cinco meses de 2022, 7.447 denúncias de estupro foram feitas por meio do Disque 100. É compreensível ser contra o aborto, mas é hipócrita fazer isso sem se engajar na luta em prol da adoção e, especialmente, contra a violência para com as mulheres. Da mesma forma, é desumano ir para as redes sociais linchar alguém que já passou por tanto sofrimento – isso, sim, deveria ser criminalizado.