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A falta de incentivo da população goiana para frequentar o teatro é uma das principais dificuldades tanto para o ator como para a produção teatral de Goiás. Sobre isso, o Lab Notícias conversou com Luzia Mello e Almir de Amorim, ambos atores, diretores, dramaturgos e produtores da cena cultural de Goiânia e do Brasil – além de professores na escola A Casa do Teatro.
Lab Notícias (LN): Como começou sua carreira no teatro?
Luzia Mello: Nasci na cidade de Caçu, no interior do sudoeste goiano, e meu primeiro contato com o teatro foi através do circo e das radionovelas. A partir disso, eu comecei a escrever minhas próprias peças de teatro, encenar com meus primos e irmãos, e convidar a vizinhança para assistir. Na adolescência, quando chegava o circo, eu já me enturmava, fazia amizade com o pessoal e logo estava inserida nos espetáculos deles. Comecei a fazer teatro assim, e é minha maior paixão.
Almir de Amorim: Começou em parte na escola mas, principalmente, através de um Curso por Correspondência via Correios pago, o que equivaleria hoje ao EAD, mais ou menos.
LN: Como você acredita que é a relação da população goiana com o teatro? Por quê?
Luzia Mello: É muito difícil. Nós nos apresentamos e quem assiste geralmente são os familiares e amigos que vão nos prestigiar, além de ser um público muito pequeno. Eu vejo, em apresentações nos grandes teatros daqui, espetáculos de atores famosos cujo público não vê o espetáculo feito pelos goianos – que, modéstia à parte, muitas vezes é bem melhor que os de nível nacional. No entanto, infelizmente não temos esse prestígio da população goiana.
Além disso, aquela pessoa que vê o meu espetáculo, como é meu amigo, provavelmente não vai assistir o espetáculo de outros amigos meus. Às vezes, eu fico com um certo desânimo porque o que eu gostaria é que todos assistissem todos os espetáculos, pois os atores e as produções goianas fazem espetáculos belíssimos, dignos de qualquer festival ou de qualquer teatro do país, mas infelizmente nós não temos essa camada da plateia goiana assistindo nossos espetáculos a não ser nossos amigos e parentes.
Almir de Amorim: Carece muito de uma cultura específica, porque a população não tem políticas públicas culturais. Existe uma indução ao consumo de certos “produtos artísticos”.
LN: Para você, qual a principal diferença entre o público de outras cidades/estados e o público goiano?
Luzia Mello: O que eu ouvi em conversas com amigos de outros Estados é que também acontece a mesma coisa que aqui: as pessoas prestigiam apenas os famosos, principalmente os globais. Além disso, eu já participei de festivais a nível nacional e, em festivais assim, geralmente quem assiste são pessoas já ligadas ao teatro. Eu até falo: será que eu preciso fazer uma cena de novela na televisão pra ser prestigiada pelo grande público? Fica uma certa frustração, porque o que eu gosto mesmo é de teatro e cinema, e batalho por isso, nunca batalhei pra ir pra televisão. Porém, às vezes eu sinto que se eu fizesse uma cena de novela, eu teria um público maior para me prestigiar.
Almir de Amorim: Acho que a diferença está, pelo menos em parte, na tradição praticada e mantida de geração para geração. A exemplo disso, temos o teatro infantil, tanto na formação de atores desde criança, como incentivos de novos públicos.
LN: Você acredita que a falta de incentivo à cultura por parte do governo está ligada a isso? Como?
Luzia Mello: Nos governos anteriores, nós tivemos muito apoio através das Leis de Incentivo, da Lei Goyazes, do fundo de arte e cultura. Então, mudou-se para o nosso atual governo, que foi, inclusive, reeleito nas últimas eleições, e a demanda dele não é cultura. Às vezes é feita alguma coisa, mas nós não sentimos um grande empenho. Agora, estamos passando por um momento de retomada e, através de alguns projetos, nós escrevemos e temos cachês, ainda que pequenos. Contudo, o que nós queríamos é que tivéssemos uma plateia e que fosse possível sobreviver de teatro por meio das bilheterias mas, infelizmente, não é isso que ocorre.
O que está acontecendo na gestão do prefeito Rogério Cruz e do secretário Zander é liberar a pauta do teatro Goiânia Ouro. Assim, nós não pagamos a pauta, mas, em consequência disso, também não podemos cobrar bilheteria. Tem ainda o Centro Cultural da UFG que é um teatro super bacana e também libera a pauta, mas nós não podemos cobrar ingresso. Isso complica as coisas porque a produção de um teatro não é só pagar o espaço onde se apresenta. Nós temos despesa com cenários, técnicos, trilha sonora, iluminação, figurinos, e, muitas das vezes, nós não temos de onde tirar dinheiro pra pagar essas coisas, pagar os cachês dos atores, dos diretores, dramaturgos, o que acaba inviabilizando nossa produção. Quer dizer: vamos viver de que? É muito complicada a nossa situação.
Almir de Amorim: A falta de incentivo por parte do governo, ou a tímida participação no desenvolvimento cultural dessa área, tem grande responsabilidade sobre isso. Um dos argumentos principais é que o incentivo não deve vir só na forma financeira. É preciso que a educação e a conscientização da importância da arte e da cultura seja uma constância para todas as pessoas, das mais variadas idades e origens.
LN: Como isso te afetou, atuando nessa área?
Luzia Mello: Nossa paixão pelo teatro é tão grande que nós tentamos sobreviver dessa arte sem nenhum amparo, sem plateia, com pouco apoio por parte do governo, e é uma dificuldade tremenda, mas a gente vai sobrevivendo. Afinal, é isso que nós amamos fazer, e nós precisamos ser felizes, e ser feliz é viver fazendo o que a gente ama. Então, é complicado? É, mas a gente vai sobrevivendo.
Almir de Amorim: [Me afetou] de todas as formas. Desde a valorização do trabalho do artista como merecedor de remuneração, até aquilo que diferencia um artista culturalmente formado de uma imagem fabricada para consumismo. Essa dificuldade geral me fez, junto com a necessidade de manutenção, improvisar-me como educador artístico.
LN: O que você acredita que poderia ser feito para aumentar o público do teatro em Goiás?
Luzia Mello: Hoje nós temos as redes sociais que nos ajudam muito na divulgação. No entanto, eu acredito que se a TV aberta nos desse espaço para divulgar nossos espetáculos através de chamadas ou entrevistas, nós teríamos chance de ter um público bem maior. Infelizmente, a TV aberta dá mais espaço para os atores de nível nacional, que já são famosos através das novelas.
Almir de Amorim: [O que poderia ser feito é] o verdadeiro incentivo cultural ao teatro, por todas as pessoas, como acontece em outras atividades no meio social. Nossa sociedade deve atenção mais que especial a essa arte milenar, ciência humana de peculiar definição. Isso é o mínimo a ser feito para o desenvolvimento e manutenção de público de teatro. A afluência é sempre crescente.
LN: Gostaria de dizer mais alguma coisa, algo que não foi perguntado ou acrescentar à alguma resposta?
Luzia Mello: Isso é mais um relato. Na minha adolescência, quando eu realmente disse pra família que eu queria ser atriz, eu tive uma barreira muito grande e nunca tive apoio. Agora, prestes a completar 64 anos, eu digo: não foi fácil, mas hoje eu tenho uma escola, a Casa do Teatro, e é gratificante ver os pais levando seus filhos pra fazer aula de teatro, incentivando, assistindo, aplaudindo, vibrando. Isso pra mim é como ganhar o Oscar, eu fico muito feliz pela profissão que tenho. Eu vejo que está valendo a pena toda a minha luta.
Almir de Amorim: Quero dizer que atitudes como a sua de colocar em pauta essa discussão já concorre para a consciência da vividez de uma arte mais que milenar mantenedora do artista nas suas diversas funções. Divertir saudavelmente é mais que preciso. A arte não tem preço.
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