Clara Alves, autora do best-seller Conectadas, destaca impacto das redes socias no mercado literário nacional

A escritora de romances com protagonismo LGBTQIAPN+ comenta sobre a valorização do catálogo editorial brasileiro e como estes números se refletem nos eventos deste último ano
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Ana Júlia Cruz Costa

Clara Alves é uma escritora carioca de 29 anos que ganhou espaço no mercado de livros nacionais durante a pandemia de COVID-19, com seu livro juvenil “Conectadas”. Neste primeiro lançamento por uma editora tradicional – a Seguinte -, Clara conta a história de Ayla e Raíssa, duas meninas que se conhecem pelo universo dos jogos e acabam se apaixonando.

Nesta entrevista ao Lab Notícias, Clara Alves conta que está escrevendo um novo livro e fala sobre como é ter chegado ao lugar que sempre sonhou desde criança: ser escritora. Em meio ao crescimento exponencial dos perfis online voltados ao mundo da Literatura; à participação em eventos com grandes públicos e à venda de obras nacionais superando números obtidos com livros internacionais, Clara Alves discorre como é fazer parte de um mercado antes tão subestimado e, para além disso, a autora nacional reflete a respeito da responsabilidade social que puxa para si ao escrever histórias marcadas pela diversidade.

Eu escrevo para jovens, porque eu quero que cada vez mais as gerações futuras tenham a possibilidade de se enxergar nessas histórias e, assim, amenizar traumas e dúvidas como os que eu tive.


LN: Hoje, você além de escrever também trabalha como editora e revisora de textos, mas como foi seu primeiro contato com esse mundo? Desde criança tinha o hábito de ler e escrever ou isso surgiu mais tardiamente?

Clara Alves: Eu sempre gostei muito de literatura, sempre fez parte da minha vida e a minha mãe me incentivava muito. Então, antes mesmo de eu aprender a ler, eu já tinha esse amor pelos livros. Eu tinha oito anos quando eu comecei a escrever a minha primeira história e eu não parei mais, continuei escrevendo.

Quando eu era criança, eu ainda estava muito no físico, mas já adolescente eu comecei a usar muito a internet, o computador e fui descobrindo os sites de fanfic. Na época, existia o Orkut e muitas pessoas postavam histórias por lá também. Quando eu descobri isso, resolvi escrever um romance e postar. Até então, eu fazia histórias mais simples, tinha tentado escrever um romance, mas eu não conseguia terminar. Nesse momento em que eu encontrei esse mundo online, com leitores acompanhando o que as pessoas postavam, eu fiquei maravilhada. Foi a primeira vez que eu tive contato com o que é ser escritor: escrever e ter leitores além da minha mãe e dos meus amigos. Foi por aí o meu começo.

LN: Foi esse seu contato com a possibilidade de escrever online que te fez realmente criar coragem para começar a publicar o que você escrevia. Isso também influenciou na escolha do seu curso? Como você encarou sua graduação em Jornalismo?

Clara Alves: Influenciou sim. Eu passei algum tempo um pouco em dúvida do que eu ia seguir como profissão, pensei em várias coisas diferentes, eu me interessava por muitos assuntos. Mas, desde pequena eu sempre quis ser escritora, sempre foi o meu sonho, meu plano de futuro. Como não tinha faculdade de ser escritor, acabei ficando entre os dois cursos que tinham mais a ver com a escrita: Letras e Jornalismo. Eu nunca me imaginei trabalhando como professora, então eu logo descartei essa opção e acabei seguindo com o Jornalismo. Eu não trabalhei tanto na área, então não me considero jornalista, mas o curso me abriu muitas oportunidades dentro do mercado literário.

Eu comecei a trabalhar no mercado editorial como estagiária de imprensa na Editora Record. Lá dentro, eu comecei a conhecer como funcionava todo o mercado editorial, todo o processo por trás do livro. Foi mais ou menos o momento em que eu realmente resolvi me especializar como escritora, a investir na minha carreira e a correr atrás de uma agência literária. Nesse período, também me tornei assistente editorial dentro da Editora Record, onde trabalhei por dois anos, o que também me deu uma bagagem como escritora muito grande. No entanto, em 2020, justamente no ano da pandemia, eu saí da editora porque eu queria me dedicar mais aos livros. Eu levei a minha vida de escritora muito em paralelo com a minha profissão, até o momento em que eu senti que poderia me sustentar como freelancer e como escritora.

LN: Podemos dizer que essa sua experiência na parte mais editorial te ajudou a entender o processo de publicação dos seus livros? E, para além disso, que te ajudou a compreender e a assimilar o sucesso que foi o seu primeiro livro publicado por uma editora tradicional, visto que Conectadas se tornou um best-seller nacional?

Clara Alves: Quando eu entrei na Record, eu tinha pouquíssimo conhecimento de como funcionava o mercado. Até então eu só tinha mandado meus textos para as editoras e nunca tinha recebido resposta e, por isso, eu segui muito tempo como independente, era a única opção que eu via como escritora. Depois de entrar no mercado e começar a ver como funcionava, principalmente a Galera Record, que era a editora que mais tinha a ver com o público-alvo dos meus livros, eu percebi que havia poucos nacionais, mas todos os nacionais que chegaram até lá, foram por meio de de agências literárias.

Na época, eu conheci a Increasy, que é a minha agência hoje, e comecei a acompanhar, a ver como funcionava. Dessa forma, passei a entender que é mais fácil chegar às editoras por intermédio de algum profissional que pudesse trabalhar no seu texto e ter contato mais próximo com as editoras. Eu também comecei a entender outras partes do processo de edição de livro, de mudanças no mercado, a compreender também sobre o número de vendas e, assim, o que esperar do desempenho das vendas dos meus livros.

Apesar disso, quando eu assinei com a Seguinte, eu estava dentro da Editora Record e, claro, como escritora eu tive algumas expectativas que somente depois percebi como inviáveis. Um exemplo disso é a divulgação de livros pela editora, que ocorre principalmente no período de pós-lançamento e, se você quiser que seu livro tenha uma vida útil maior, é preciso continuar divulgando por conta própria. Então, algumas coisas eu só aprendi quando me tornei escritora mesmo, outras como o número de exemplares vendidos, já eram do meu conhecimento. Inclusive, eu sempre comento que quando Conectadas bateu 10.000 exemplares vendidos, depois 100.000, eu fiquei muito surpresa, porque a noção que eu tinha de “sucesso” era a de que esses números vinham de obras estrangeiras. Isso foi muito doido, eu nunca imaginei.

LN: Você comentou que o mercado nacional não recebia tanto destaque até um determinado momento. Nos últimos dois anos, é notável um crescimento exponencial de perfis em redes sociais, como o TikTok e o Instagram, que são voltados para a Literatura. Você acredita que essas redes sociais exercem uma influência no consumo de livros hoje em dia? E de que forma isso impacta na sua escrita e no contato com o público também?

Clara Alves: Com certeza, eu cresci como escritora nas redes sociais. Mesmo que o mercado independente nacional tenha ganhado vapor com a internet, o mercado editorial se abriu muito lentamente para isso. Acho que a escrita independente ajudou muito, mas, com certeza, o TikTok e o Twitter também tiveram esse papel muito importante, principalmente no início da pandemia. O TikTok visivelmente deu um alcance gigante para a nossa literatura. Acredito que mais do que levar os livros para as pessoas, ele [TikTok] fez com que pessoas que não tinham hábito de leitura, quisessem ler mais.

Acho que o isolamento social também ajudou muito, as pessoas tinham mais tempo livre, tudo isso colaborou muito para que o consumo de livros aumentasse. Eu senti isso muito no aumento de venda de Conectadas. Se de 2019 até 2020, eu tinha 2.000 cópias vendidas, de repente, vi esse número aumentar: de 2.000 fomos para 100.000. Foi um momento muito doido e eu sinto isso não só com o meu, claro. Livros como o do Pedro Rhuas, da Elayne Baeta, eles fizeram com que as editoras percebessem que existia um público muito grande e que estava aberto para esse tipo de literatura. Isso é muito curioso, porque quando nós recebemos essa escrita nacional com mais força dentro das editoras, a maioria é uma literatura jovem e com diversidade, com representatividade.

LN: E como foi ter contato com seu público depois desse período de aumento de leitores? O que você sentiu ao participar de eventos como a Bienal do Livro da Bahia, que bateu recorde de público este ano?

Clara Alves: Para mim o mais surpreendente foi porque eu tive dois anos de Conectadas sem evento nenhum. Então, fui de uma Bienal [a Bienal do Rio de 2019], que eu estava lá todos os dias tentando vender meu livro para, de repente, eu não poder estar nas bienais, andando no meio dos fãs, encontrando no corredor, porque era muita gente. Foi um pouco assustador para mim, um pouco triste também, porque eu gosto muito desse contato. Na Bienal de São Paulo, chegou um momento em que a minha assistente falou para mim ” Clara, não dá, se não você vai tumultar a Bienal.” Eu fiquei sem palavras. Foi algo tão rápido para mim que eu não tive tempo de assimilar isso.

E agora aconteceram esses eventos mais recentes também, em que eu pude sair do eixo Rio-São Paulo. Então, eu fui para Recife em setembro, fui para Salvador agora e foram dois eventos muito incríveis e muito grandes. A Bienal de Salvador, principalmente, eu não tenho nem como explicar o que aconteceu, porque foi muito surpreendente para mim e eu fiquei muito feliz, óbvio. Fico muito honrada de saber que meu livro está chegando para tantas pessoas e que eles estão num patamar que eu mesma, dentro do mercado, nunca esperei que eles fossem alcançar, nem nos meus sonhos. Ele [Conectadas] cresceu além do limite, além do que realmente se esperava de livros nacionais. Fico muito feliz de cada vez mais ver que esse tipo de painéis, de mesas que acontecem nos eventos são de literatura LGBT, especificamente. Quando temos essas mesas, mesmo que não sejam sobre literatura LGBT, são mesas só com autores LGBT, que escrevem literatura para esse público. Então, com certeza, é uma das coisas mais incríveis que me aconteceu como escritora.

LN: O foco dos seus romances e contos é justamente essa literatura LGBQIAPN+. Como você lida com a responsabilidade de escrever sobre esse tema, sobretudo quando se trata de um público tão jovem como o seu? A sua escrita flui naturalmente ou acaba pesando de alguma forma?

Clara Alves: Eu acho que como escritores, independente do protagonismo, do tema, temos que ser responsáveis, porque vamos impactar a vida de muita gente, as palavras têm um poder muito grande, a literatura tem um poder muito grande e eu sempre acreditei nisso. Então, isso sempre foi algo que eu me preocupava enquanto escrevia – desde o começo, antes mesmo de eu me entender como LGBT, antes de eu começar a escrever literatura LGBT. Por exemplo, eu tenho um romance com um casal hétero que é sobre relacionamento abusivo e isso é um assunto difícil também. Eu sempre soube que eu precisava trazer com responsabilidade, acho que isso sempre foi o que norteou a minha escrita, mais especificamente quando eu comecei a escrever literatura com protagonismo LGBT.

É engraçado porque, na maior parte das vezes, eu não escrevo muito pensando no público, eu escrevo pensando no que eu gostaria de ter lido quando eu era mais nova, no que eu precisava ler quando eu era mais nova e que eu não tive. Essa responsabilidade vem naturalmente, é claro que eu não sou perfeita e também tenho muitas coisas para aprender, mas, por eu estar dentro de uma editora e ter uma agência literária, isso também me dá uma leveza maior para escrever sem me preocupar tanto com o que eu estou colocando ali no papel, porque eu sei que se tiver algo [de errado], eu vou ter profissionais indicados a me ajudar.

Eu vou tentar ao máximo colocar toda a responsabilidade possível, porque eu sei que eu estou escrevendo para jovem, uma faixa etária de formação de pessoas, e que tudo o que eu escrevi pode ser para ele de uma maneira muito maior, então realmente é uma preocupação como escritora desde sempre. Mas, à medida que eu estou trazendo mais diversidade para as minhas histórias, eu também tenho me atentado a pesquisar mais, a entender mais, a ler literatura escrita por pessoas diversas. Eu acho que isso é o que faz a gente ser cada vez mais aberta para entender outras ideias.

LB: Você acredita que escrevendo e colocando essa diversidade nos seus livros, isso preenche a Clara adolescente que, como você disse, não encontrava esse tipo de representatividade LGBT? Essa sua vivência também te ajuda a se pôr mais na posição do seu leitor que vai até os eventos para te encontrar e torna o vínculo ainda ainda mais forte?

Clara Alves: Com certeza. Eu nunca esqueço de uma frase que foi dita em uma entrevista para a TV Globo, a qual tem uma fala sobre a nossa geração, pessoas de 30 anos e até mais velhas, que não teve a oportunidade de ser jovem. Então, um dos motivos do porque eu escrevo para jovens, é porque eu quero que cada vez mais as gerações futuras tenham a possibilidade de se enxergar nessas histórias e, assim, amenizar traumas e dúvidas como os que eu tive. Acho que no futuro eu me vejo mudando um pouco essa faixa etária, porque eu sinto cada vez mais uma certa vontade de escrever temas mais adultos. Mas eu acho que a Clara adolescente ainda quer ler mais livros adolescentes, isso é um dos motivos porque eu continuo escrevendo livros para jovens.

LN: Falando sobre seus futuros lançamentos e próximos eventos, já tem algo confirmado, que você pode nos contar?

Clara Alves: Para eventos ainda é muito cedo, normalmente eu recebo convites para eventos com pouco tempo de antecedência. Então, para o ano que vem, provavelmente, serei confirmada para a Bienal do Rio, porque eu sou do Rio, mesmo que eu não esteja em uma mesa, eu vou estar lá prestigiando, com alguma sessão de autógrafos da Companhia das Letras. Ainda esse ano, tenho dois eventos programados para o Rio de Janeiro, mas são eventos de lançamento mesmo.

Agora, sobre futuros lançamentos, eu estou começando a escrever um livro novo. Acho que ele não deve sair para o ano que vem, deve sair em 2024, mas estou começando devagarzinho a voltar para o ritmo. É muito difícil quando a gente lança um livro, porque a nossa energia fica muito investida na divulgação dele nos eventos, então é até legal esse período de início de ano que temos menos eventos, eu consigo me dedicar mais a escrever. Acredito que ano que vem será mais focado na escrita mesmo do que em eventos.

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