Covitel 2023: relatório alerta para carência de políticas públicas no Brasil

Ao todo, 9 mil pessoas de todas as cinco regiões do país participaram da pesquisa
Tempo de leitura: 8 min
Ana Júlia Cruz Costa

Foto em destaque: MART PRODUCTION/Pexels

No último dia 29 de junho, foi publicada a segunda edição do Covitel, Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia. O estudo, realizado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Vital Strategies, traz informações sobre prática de atividade física, hábitos alimentares, saúde mental, estado de saúde, prevalências de hipertensão arterial e diabetes e consumo de álcool.

Novidade. Uma diferença entre o documento de 2022 e o deste ano é a abordagem de temas como o tabagismo e a poluição do ar. Para a coleta destes dados, o projeto também contou com o apoio da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e com o financiamento da Umane, entidade filantrópica que atua no campo da saúde pública no Brasil. Segundo os organizadores, o objetivo do relatório é contribuir com ‘direcionamentos e proposições de políticas públicas’ de saúde, no Brasil.

Coleta de dados. Ao todo, o inquérito coletou informações de nove mil pessoas, com 18 anos ou mais, das cinco regiões do país: Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul. A pesquisa aconteceu entre os meses de janeiro e abril de 2023, por meio de ligações no telefone fixo e celular. Além disso, levou em consideração algumas variáveis demográficas e socioeconômicas, como Macrorregião do Brasil, sexo, faixa etária, cor da pele e escolaridade.

Informações obtidas

Alimentação. De acordo com os dados de 2023, o consumo regular de legumes e verduras no Brasil foi de 45,5%, com destaque para a faixa etária de 65 anos. Já quanto ao consumo de refrigerantes e sucos artificiais, o índice obtido foi de cerca de 18% e os jovens entre 18 e 24 anos são os que prevalecem. Outro dado é em relação a prevalência de excesso de peso entre os brasileiros: mais da metade da população se encontra nesta posição. Por último, o documento alerta para a obesidade entre jovens no país, que foi de 9%, em 2022, para 17%, em 2023.

Saúde física. Quando o assunto é a prática de atividades físicas, o estudo aponta para uma leve melhora no quadro de pessoas ativas – 30,3% para 31,5%. No entanto, em um comparativo com os dados anteriores à pandemia, os valores ainda estão abaixo da média, que era de 38,6%. Nessa parte do relatório, o alerta também vai para o tempo de tela dos brasileiros, em que 56,3% permanece mais de três horas por dia. Este dado se agrava ainda mais com o recorte da faixa etária de 18 e 24 anos, saltando para 76,2%.

Hipertensão e diabetes. No Brasil, a prevalência de hipertensão arterial foi de 26,6%, no primeiro trimestre de 2023. Já os índices ligados à diabetes, mostram uma prevalência de 10,3%. As duas questões apresentaram um pequeno aumento – em torno de 2,5% e 3,5%, respectivamente – quanto aos dados de 2022.

Autopercepção de saúde. Ainda conforme o Covitel 2023, a autopercepção de saúde boa ou muito boa no Brasil foi afetada negativamente pela pandemia: a porcentagem foi de 75,6% para 62,8%. Seguindo essa linha, os índices ligados à depressão e à ansiedade subiram, prevalecendo em uma média de 18% e 27%, respectivamente. Vale pontuar que a Região Centro-Oeste foi a que obteve maior prevalência de ansiedade (32,2%).

Tabagismo e consumo de álcool. Segundo a pesquisa, o uso de cigarros está diminuindo: 14,7%, no período pré-pandemia, e 11,8%, em 2023. Apesar disso, o documento chama a atenção para o uso de cigarros eletrônicos e narguilé, uma vez que o consumo cresceu e mais de 15% dos jovens entre 18 e 24 anos afirmam já ter experimentado. Já na parte sobre o consumo de álcool, as porcentagens também apresentaram uma queda. No entanto, quanto ao recorte do consumo abusivo da substância, houve um aumento drástico entre os jovens: de 26% foi para 32,6%.

Imagem: Covitel 2023
Imagem: Covitel 2023

Políticas Públicas

Durante o lançamento da edição deste ano, o coordenador técnico e assessor para Relações Internacionais do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Fernando Cupertino, reforçou a importância desses dados do Covitel 2023 para entender o cenário brasileiro e, assim, decidir quais políticas públicas colocar em prática.

Juliana Castilho, Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e professora do Instituto Federal do Tocantins (IFTO), também comenta a respeito da relevância de relatórios como este para o direcionamento e implementação de políticas públicas no país. Em entrevista para o Lab Notícias, a docente afirma que:

“E aí são diversas áreas em que se pode instituir políticas públicas de ação. Vamos supor, na área da saúde, pode ter uma política de ação dentro dos CAPS [Centros de Atenção Psicossocial]. Como você tem uma pesquisa de base, os CAPS têm agora um mecanismo de solicitação, por exemplo, demais psicólogos.” A socióloga ainda cita a possibilidade de se trabalhar com campanhas na mídia e haver um maior investimento na área do desporto.

Por último, Juliana traz o papel da sociedade civil diante do quadro demonstrado pelo estudo. “A sociedade civil organizada, através tanto de movimentos sociais, quanto de ONGs, eles podem participar na atuação não só cobrando os membros governamentais, como fazendo ações junto ao Ministério Público Federal. O Ministério Público Federal é um órgão que existe para levar a necessidade do cidadão e implementar, solicitar, através de via judicial, a criação de mecanismos que atendam determinados problemas da sociedade.”

Discussão local. Recentemente, em Goiás, foi debatido o uso de inteligências artificiais como forma de aprimorar as políticas públicas da região. A pauta se centralizou em um projeto proposto pelo Centro Integrado de Aprendizado em Rede (CIAR) da UFG. Intitulado de “Rede de Pesquisa IA2PP: Inteligência Artificial Aplicada às Políticas Públicas”, o objetivo dos idealizadores é disponibilizar uma espécie de ChatGPT, onde gestores municipais do país todo pudessem acessar um acervo com materiais de apoio relacionados às políticas públicas.

O que é o ChatGPT?

Um sistema de Inteligência Artificial (IA) que funciona por meio de uma dinâmica de perguntas e respostas.

Aspecto psicológico do Covitel

Buscando entender outros aspectos do relatório do Covitel, a equipe do Lab Notícias conversou com Lucas Fadul, Mestre em Psicologia. O profissional explica que a psicologia vem como uma forte aliada das políticas públicas, isso porque “ajudaria na construção de novos hábitos saudáveis e também na psicoeducação da população”.

Segundo o orientador de carreira, o problema destes dados também mora na falta de informação de qualidade: “Para algumas pessoas pode parecer óbvio que beber em excesso faz mal, que fumar cigarro/vaper em qualquer quantidade faz mal, que comer fast food com frequência faz mal…. Mas a verdade é que as pessoas tem pouca noção real dos perigos que correm para a própria saúde a longo prazo. A gente chama isso de Miopia para o Futuro.”

Para Fadul, a conscientização só se efetivaria por meio do compartilhamento de muita informação, com uma boa didática e de forma leve. Ele frizou que essas informações precisam ser ‘específicas, detalhadas e relativamente aprofundadas’. Além disso, o psicólogo clínico afirma que os resultados desse tipo de ação seriam mais perceptíveis a longo prazo, uma vez que boa parte desses hábitos citados pelo estudo do Covitel são reforçados culturalmente.

Vale destacar a perspectiva psicológica que Lucas Fadul traz quanto aos dados comparativos do período pré-pandemia e o momento seguinte a isso. “O período da pandemia, sobretudo, deixou as pessoas mais sedentárias […] Além disso, hábitos não são formados de forma tão individualizada quanto pensamos. Eles ocorrem em cascata, um disparando o outro… Ficar sedentário foi motivo, razão para consumir alimentos mais processados e pouco nutritivos. O mesmo vale para o álcool.”

O profissional ainda explica que o processo envolve o sentimento de compensação: consumir algo em troca da sensação de prazer (dopamina) liberada. Segundo Lucas Fadul, é aqui que se encontra o perigo, visto que se torna uma espécie de prisão, trazendo danos para o corpo e gerando compulsão, vício.

Confira o relatório completo do Covitel 2023:

Leia também: Especialistas apontam crescimento da população em situação de rua na capital goiana

One thought on “Covitel 2023: relatório alerta para carência de políticas públicas no Brasil”
  1. Maravilha de matéria. Muito bem explicada. Parabéns a estudante de jornalismo Ana Júlia da Cruz Costa. Com certeza já é uma grande profissional.

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