Luciene Dias: “Não acredito que nós estejamos buscando uma inclusão na universidade, o que nós estamos buscando é construir uma universidade antirracista.”

"Eu tenho tentado ao longo da minha trajetória como professora, inspirar especialmente minhas alunas negras e meus alunos negros pra que a gente construa uma universidade que não seja a universidade da solidão, que não seja uma universidade que ignora completamente a existência de pessoas negras."
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Professora Luciene Dias no lançamento do livro Aquilombamento. Via Instagram: @Pindobeiras.

Luciene Dias é antropóloga, pesquisadora, cientista do ambiente, jornalista e professora. Atua nas áreas de Performances Culturais, Comunicação e Antropologia com foco em construções de gênero, sexualidade, raça e direitos humanos. Sua trajetória caminha junto de sua realidade, sendo mulher negra dentro do meio acadêmico.

Conheça um pouco sobre o início de sua trajetória e a importância da participação de pessoas negras dentro do meio acadêmico atual.

Ana Santiago: Professora, como foi o início da sua trajetória acadêmica?

Luciene Dias: O início da minha trajetória acadêmica ocorreu já há bastante tempo. Na verdade, desde a minha infância eu tinha um desejo grande de desenvolver uma carreira docente mas o início da minha trajetória mesmo teve início em 2003, quando eu dei aula pela primeira vez numa universidade ainda enquanto estudante de mestrado na Universidade Federal de Tocantins. Eu era mestranda e desenvolvi junto com o meu professor que me orientava na pesquisa uma proposta de oferta de disciplina já no curso de jornalismo.

Me encantei, né? Foi um estágio extremamente rico para mim e desde então que eu venho trabalhando com docência no ensino superior e acreditando firmemente que a gente pode, enquanto professoras negras, fazer a diferença na sala de aula e garantir uma formação que respeite mais as diferenças, uma formação anti-racista ou que pelo menos consiga combater o racismo e se posicionar cotidianamente contra atitudes racistas.

AS: Durante a sua formação havia professores que te inspiravam?

LD: Não tive infelizmente docentes negros e negras que me inspirassem durante a minha formação, nenhum, nunca convivi com um docente ou uma docente negra na minha formação acadêmica, então não, jamais eu pude ter um docente ou uma docente negra que me inspirasse. Contudo, eu tenho tentado ao longo da minha trajetória como professora, inspirar especialmente minhas alunas negras e meus alunos negros pra que a gente construa uma universidade que não seja a universidade da solidão, que não seja uma universidade que ignora completamente a existência de pessoas negras.

Então eu tenho lutado bastante para que a gente ocupe todos os espaços: queremos ser docentes, mas também queremos ser diretoras, reitoras, queremos ser governadoras, queremos presidir esse país, nós queremos ocupar todos os espaços porque se somos humanos — como a maioria das pessoas brancas racistas dizem — sim, temos o direito de ocupar todos os espaços, inclusive os espaços de poder.

AS: E hoje em dia, como é a inclusão dentro do meio acadêmico?

LD: Não acredito que haja inclusão de docentes negros na universidade, o que eu acredito é que há por parte de docentes negros e negras da universidade uma articulação e um movimento forte para que a nossa existência seja respeitada e não incluída.

Nossa forma de pensar é diferente, a forma como o racismo atravessa os nossos corpos é diferente e eu não acredito que nós estejamos buscando uma inclusão na universidade, o que nós estamos buscando é construir uma universidade antirracista agenciada especialmente por pessoas negras.

AS: Dentro da UFG a representatividade dentro do quadro de professores vem evoluindo nos últimos anos?

LD: Eu não acredito que a representatividade negra entre o quadro docente da UFG, vem crescendo, o que eu acredito é que vem crescendo a luta por essa representatividade. Agora mesmo em 2022 o curso de jornalismo está sofrendo um baque nesta representatividade, uma vez que nós abrimos concurso para cotista,uma pessoa cotista se inscreveu e foi aprovada, mas um candidato branco entrou com ação na justiça comum e deve ser convocado para tomar posse numa vaga que era destinada a um docente cotista.

Então, eu não acredito que essa representatividade venha crescendo. Mas eu acredito muito que as pessoas negras que já estão como docentes na Universidade Federal de Goiás, estão buscando se articular fortemente para garantir essa representatividade.

AS: Um dos projetos para incentivar a participação representativa na UFG é o grupo Pindoba, conte mais sobre o que é feito lá.

LD: Bom, o Pindoba, que é o grupo de pesquisa em narrativas da diferença que eu coordeno na UFG, já há bastante tempo é um grupo de ensino, pesquisa e extensão e cultura que tenta realizar pesquisas, aglutinar pessoas em torno da realização de planos de ensino, realizar grupo de estudos e atividades que envolvam todas as diferenças que hoje já se mostram na UFG e que envolvam as diferenças que a gente ainda não consegue perceber na esfera da universidade.

O Pindoba vem realizando ações extremamente consistentes do meu ponto de vista no sentido de fazer as pessoas acreditarem que a universidade é um espaço de compartilhamento de experiências plurais, de experiências múltiplas. A gente tem trabalhado para publicar nossas pesquisas e aglutinar na sala 34 da FIC UFG pessoas que estejam dispostas a pensar com seriedade, com carinho e com muito envolvimento a questão da diferença.

AS: Dentro do grupo é possível conhecer mais sobre a realidade dos alunos?

LD: Sim, dentro do grupo de estudos, pesquisa e extensão que é o Pindoba a gente aprende a se conhecer, conhecer nossas limitações, conhecer nossas deficiências e especialmente conhecer nossos potenciais e realizar todos esses potenciais, transformando um dos nossos desejos em realidades. Pesquisas consistentes, produtos com qualidade e especialmente compartilhar a vida que nós temos em comum. Então o Pindoba é um excelente lugar para que a gente se conheça.

AS: Você acredita que hoje o quadro de discentes é mais diverso? qual o papel das cotas nessa democratização?

LD: As cotas nas universidades públicas brasileiras, sem nenhuma dúvida, contribuíram substancialmente para diversificar o ambiente universitário. Hoje nas universidades públicas brasileiras nós temos pessoas de várias origens, de vários credos, de vários pertencimentos de várias identidades. As cotas foram fundamentais para que a gente alcançasse essa pluralidade, contudo é preciso exercer a crítica e compreender de uma vez por todas que a mera presença de pessoas diferentes no mesmo espaço não constitui a democracia.

Então a gente precisa fortalecer nossos estudos, fortalecer nossas pesquisas para que o acolhimento às diferenças seja produtivo, para que o acolhimento às diferenças resulte em melhorias em crescimento e em qualidade de vida para absolutamente todas as pessoas.

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