Indicados e esnobados no Oscar: A Academia realmente está evoluindo?

A lista de indicados ao Oscar saiu e, com isso, surgiram alegrias e frustrações
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A cerimônia do Oscar celebra a sétima arte e premia produções e trabalhadores da indústria cinematográfica que tiveram destaque por sua performance no ano. Com a divulgação da lista de indicados ao Oscar de 2023, surgem diversas discussões sobre quem merece ganhar tal categoria, mas também vêm as frustrações de mais indicações que deveriam ter sido feitas (mas que não foram) e de outra temporada de premiações previsíveis.

Diversidade em pauta

Sempre que se chega o período em que sai a lista de indicados, há a polêmica da falta de diversidade nas principais categorias. A Academia tem tentado trazer mais representatividade após inúmeras reclamações ao longo dos anos e de movimentos de denúncia como o #OscarSoWhite (#OscarTãoBranco), contando com mais mulheres e pessoas que não são brancas como votantes (respectivamente, 45 e 36% do total). Mesmo assim ainda fica a sensação de injustiça para quem acompanha a cerimônia.  

Michelle Yeoh em Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo. Na imagem ela está com um semblante assustado e a imagem é fragmentada, como se tivesse sido tirada com uma câmera quebrada.
Evelyn (Michelle Yeoh) em uma fragmentação do multiverso em “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”. Reprodução: A24.

Neste ano, o filme com o maior número de indicações é a comédia/ficção científica “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, que tem o elenco composto, em sua maioria, por atores asiáticos, porém não é um sinal para se acomodar. É ótimo que a Academia tenha devidamente reconhecido a obra e a equipe dela por seu excelente trabalho, mas isso não espanta o fantasma na sala: a lista de melhor diretor é composta apenas por homens, toda a categoria de melhor ator principal continua tendo apenas brancos, e, com exceção de Michelle Yeoh, o mesmo se repete na categoria feminina.

Inclusive, a estrela de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é a primeira mulher asiática nomeada na categoria principal desde Merle Oberon, em 1936. Algo similar se repete com Stephanie Hsu, que recebeu a indicação de melhor atriz coadjuvante como Joy, filha de Yeoh na obra: ela é a primeira atriz LGBTQIA+ indicada por interpretar uma personagem LGBTQIA+ desde que Ian McKellen foi indicado em 1999.

Tallie Medel e Stephanie Hsu em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Elas estão em uma lavanderia próximas uma da outra.
Becky (Tallie Medel) e Joy (Stephanie Hsu) são namoradas em “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”. Reprodução: A24.

Embora não tenha havido grande diversidade nas categorias de ator e atriz principal, Ke Huy Quan (“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”) e Brian Tyree Henry (“Passagem”) foram indicados para melhor ator coadjuvante e, para melhor atriz coadjuvante, foram Stephanie Hsu (“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”), Hong Chau (“A Baleia”) e Angela Bassett (“Pantera Negra: Wakanda Para Sempre”).

Algo que surpreendeu quem estava acompanhando as outras premiações da temporada foi o completo descaso do Oscar com a performance de Viola Davis em “A Mulher Rei”, Danielle Deadwyler em “Till – A Busca por Justiça” e a da filipina Dolly de Leon em “Triângulo da Tristeza”, lembradas em outras cerimônias, como Globo de Ouro, BAFTA e Critics Choice Awards.

Dolly de Leon em "Triângulo da Tristeza". Ela está em um ambiente ao ar livre e está com o cabelo molhado, com um semblante dissimulado e as mãos para trás.
Dolly de Leon em cena de tirar o fôlego no filme “Triângulo da Tristeza”. Reprodução: Diamond Films

Charlotte Wells não recebeu uma indicação pela sua direção intimista e melancólica em “Aftersun”, vencedora do British Independent Film Award, além de Gina Prince-Bythewood e Sarah Polley também terem ficado de fora das indicações de melhor direção por “A Mulher Rei” e “Women Talking”, respectivamente. Além de serem surpreendentemente esnobados nessa categoria, Park Chan-wook (“Decisão de Partir”) e S.S. Rajamouli (“RRR”) não tiveram seus filmes indicados por “Melhor Filme Estrangeiro”.

Com exceção de “Argentina, 1985”, todos os filmes internacionais indicados são europeus, o que ressalta como a Academia negligencia o cinema produzido além de Hollywood e da Europa. Mesmo tendo levado a Palma de Ouro do Festival de Cannes para casa por sua direção, o sul-coreano Park Chan-wook e seu filme foram totalmente esquecidos do Oscar. O hit indiano “RRR – Revolta, Rebelião, Revolução” só foi lembrado na categoria de “Melhor Canção Original”, o que é explicado pela regra da premiação de cada país só poder eleger um filme para concorrer a “Melhor Filme Estrangeiro” e a obra não ter sido a selecionada pela Índia, mas mesmo assim poderia teria concorrido por seu roteiro (o que não ocorreu). “Marte Um”, do Brasil, também não conseguiu entrar na lista dos concorrentes pela estatueta.

Aqui, o terror não tem vez

Mia Goth em "Pearl". Mulher branca com o que aparenta ser um celeiro ao fundo, carregando um machado na mão. Seu rosto está sujo de rímel e ela faz um sinal de silêncio.
Mia Goth encarnou a intensa Pearl no filme homônimo. Reprodução: A24

O Oscar tem um histórico de ignorar as obras cinematográficas de terror e, assim como ocorreu em anos anteriores, em 2023 também não foram indicados em categoria alguma, o que rendeu bastante críticas por parte dos fãs do gênero e do público em geral. Um exemplo disso é a britânica Mia Goth, que tem raízes brasileiras, não ter sido lembrada pela sua atuação cativante e viral em “Pearl”, fazendo com que as reclamações entrassem no Trending Topics do Twitter.

Keke Palmer em "Não! Não Olhe". Ela é uma mulher negra que está em um ambiente ao ar livre à noite. Ela está com um semblante assustado olhando para cima.
Keke Palmer no terror de Peele “Não! Não Olhe!”. Reprodução: Universal Pictures

Um dos poucos diretores de terror a ter conseguido o reconhecimento da premiação foi Jordan Peele por “Corra!” no ano de 2018, com 3 indicações e tendo recebido a estatueta de “Melhor Roteiro Original”. Entretanto, este ano tal feito não se repetiu e seu filme “Não! Não Olhe!” não teve nenhuma indicação, nem mesmo na categoria de “Melhor Som”, o que surpreende, já que o filme utiliza os sons de maneira acertada, deixando o espectador preso e aflito ao decorrer do longa-metragem. Sua protagonista, Keke Palmer, também não chegou a ser cogitada para “Melhor Atriz Principal”

Fora do gênero de terror, outras indicações que passaram batido foram Tom Cruise por sua reprise como Pete Mitchell no blockbuster “Top Gun: Maverick” e do próprio filme por sua cinematografia. Na categoria de “Melhor Canção Original”, a faixa “Carolina” que Taylor Swift criou para “Um Lugar Bem Longe Daqui” não trouxe a primeira indicação da cantora. Paul Dano também ficou de fora por “Os Fabelmans”, nunca tendo sido indicado ao Oscar mesmo com a sua participação em obras indicadas à “Melhor Filme”, como “There Will Be Blood” (2007) e “Little Miss Sunshine” (2006). O filme “Ela Disse”, que conta sobre o movimento #MeToo, foi outro que passou totalmente em branco pela Academia.

A (já conhecida) fórmula Oscar

Apesar do Oscar 2023 ter tido algumas surpresas revigorantes, ainda há uma certeza: filmes feitos propositalmente para agradarem o paladar da Academia receberão indicações. A maior representação disso é Ana de Armas ter recebido sua primeira indicação de melhor atriz por “Blonde”, mesmo o longa tendo sido massacrado por crítica e público. A lendária Marilyn Monroe nunca sequer foi nomeada a uma categoria da cerimônia em sua vida, mas um filme (questionavelmente) feito sobre ela foi. A fórmula de obras cinematográficas melodramáticas e que sejam biopics (filmes biográficos) sempre acaba gerando indicações, deixando de lado filmes e atores que tiveram uma recepção mais positiva e/ou uma proposta mais inovadora.

Embora o excêntrico “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” de Daniel Kwan e Daniel Scheinert tenha sido indicado, filmes fora do circuito de drama ainda têm dificuldades para serem reconhecidos pela Academia. Entretanto, espera-se que se abra um caminho para mais obras que tragam novos ares para a sétima arte, seja em questão de enredo, direção ou representatividade.

Assim sendo, o Oscar, apesar de ter percorrido um longo caminho, ainda precisa lutar para se reconectar com o público e a indústria. O cinema está em constante evolução e merece ter uma cerimônia para celebrá-lo à altura.

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