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Imagem em destaque: Times Higher Education

A graduação não é uma tarefa fácil e ganha um degrau a mais quando além do foco nos estudos é preciso lidar com a jornada integral de ser mãe em espaços que nem sempre são receptivos ou inclusivos com essa tarefa. Francisca Patrícia de Souza Silva está cursando o sétimo período do curso de jornalismo na UFG, é mãe de Luna, de 11 anos, e conta um pouco sobre como é estar dentro dessa rotina:

LN: Francisca, quais são os principais desafios de ser mãe e fazer uma de graduação?

FS: Para mim um dos principais desafios de uma mãe que está em uma graduação é a questão do tempo. É conciliar o tempo entre ser mãe e ser estudante. No curso de jornalismo especificamente, todas as pessoas com quem já estudei até hoje são bem mais jovens do que eu, ninguém tem filhos, então é uma realidade bem diferente da minha, nunca estudei no jornalismo com alguém que tivesse filhos, diferente de quando eu cursava pedagogia, várias colegas tinham filhos e isso facilitava por exemplo para fazer grupos de trabalho, porque todo mundo já estava consciente que o colega não tinha tanta disponibilidade de horário para estar exercendo algumas tarefas. No jornalismo, eu já deixei de participar de grupos de trabalho porque os meus colegas precisavam que eu tivesse uma disponibilidade maior tempo para entregar, eles não têm obrigação de compreender isso, essa é uma dificuldade minha e é um desafio que eu tenho que lidar.

O curso não se limita a estar no banco da faculdade, estar presente nas aulas. A gente tem atividades para fazer, entrevistas, participar de laboratórios que geralmente vão além desse horário de aula. Eu não consigo por exemplo pegar as aulas ou atividades à noite, é simplesmente impossível porque eu não tenho com quem deixar minha filha nesse horário e ela é prioridade para mim.

LN: Como isso impacta na sua saúde mental?

FS: Bem, de modo geral todo estudante já carrega consigo essa pressão, essa responsabilidade, mas no nosso caso também tem o medo de não conseguir corresponder. Querendo ou não por mais que a gente sonhe em estar ali de estar naquele curso o nosso filho é sempre o primeiro opção, é sempre a prioridade, né? Então o curso vem depois e aí por conta disso, às vezes a gente fica com medo de não conseguir.

Isso traz uma carga psicológica muito grande, por exemplo em alguns dias da semana tenho que sair da aula antes do horário porque tenho que correr para pegar minha filha na escola ou chego atrasada, porque o meu marido não chegou do trabalho ainda e não tenho com quem deixá-la, as vezes eu levo ela para faculdade comigo e isso faz com que a minha atenção na aula fique dividida e ainda tem a questão dela que as vezes cansada por estar na faculdade. Tudo isso gera uma carga psicológica.

LN: A instituição oferece algum suporte? como funciona na prática?

FS: Sobre o suporte, eu sei que existe a creche e o cepae, mas o cepae tem alguns anos apenas E como eu te disse o jornalismo é o meu segundo curso, quando eu comecei na pedagogia nunca me foi informado que eu poderia concorrer a uma vaga no cepae para minha filha, descobri isso durante pandemia. Só que no meu caso em especifico não foi uma coisa que foi apresentada a mim. Talvez agora com a secretaria de inclusão, a comunicação seja melhor.

O suporte que eu tenho da universidade é a minha bolsa permanência que eu consegui no ano de 2021, não é por eu ser mãe, eu consegui por ser aluna de baixa renda. Me ajuda demais, porque sem essa bolsa eu não sei se ainda estaria no curso agora porque teria que estar trabalhando. Um exemplo disso é que eu ainda não fui atrás de um estágio, porque eu não tenho tempo. Eu não tenho como dar atenção para minha filha estudar e fazer um estágio isso para mim no momento é impossível.

LN: A comunidade é compreensiva?

FS: Eu não acho justo exigir que os meus colegas compreendam porque não faz parte da realidade deles, eles são muito jovens. Agora os professores às vezes deixam a desejar, falando pessoalmente aqui do jornalismo é 8 ou 80. Tem professores que são extremamente compreensivos e os que não são, não tem meio termo, é não e ponto. Eu já reprovei numa disciplina que fiz todas as atividades e tinha nota, eu chegava atrasada todo dia de 10 a 15 minutos, porque tinha que levar minha filha na escola antes de ir para faculdade, a professora sabia disso e ainda assim ela jogou meus atrasos nas faltas que eu tinha e eu reprovei. Foi uma das coisas que mais me atingiu, eu ia para essas aulas correndo, fazia o máximo para chegar o mais cedo possível, fazer as atividades, participar das aulas e fui reprovada, porque não tinha como chegar às 8 horas em ponto.

Por outro lado é um exemplo positivo, quando eu fiz estágio obrigatório. Eu fiquei em uma unidade que fui muito bem recebida com a minha filha. Inclusive ela tinha um espaço, um local que reservaram para ela ficar comigo no trabalho e eu pude trabalhar muito mais tranquila, aproveitar os ensinamentos do professor porque ela estava comigo, minha única preocupação era o jornalismo, por incrível que pareça essa unidade que estagiei não tinha nenhuma mulher, eram quatro homens e nenhum deles tinha filhos, precisei faltar algumas vezes porque minha filha estava com algumas questões de saúde e nunca fui repreendida, nunca fui constrangida por isso.

Eu acho uma falha imensa porque nós estamos numa universidade que prega muito a inclusão, a mudança da cara dos alunos, sair daquele perfil de alunos brancos, classe média, de 20 anos, é claro que isso sempre vai ser maioria porque é a faixa etária comum na primeira graduação mas sinto que a FIC ainda tem que mudar algumas coisas para receber os alunos que tem uma uma realidade diferente. Não só por eu ser mãe, mas também, como uma aluna cotista, uma aluna negra, os outros alunos também encontram barreiras, é como se dissessem “eu quero que você venha mas eu não quero mudar para que você permaneça aqui”.

LN: O que poderia ser feito para melhorar a situação atual?

FS: Eu sinto falta não só por mim mas pelas mães que virão de um acolhimento. O cepae não tem reservas de vaga para filhos de estudantes, tem vagas reservadas para pessoas da comunidade que já tem um filho estudando lá e precisa matricular mais um, o que é justo, mas também seria bom pensar nos alunos, nós estamos ali do ladinho, essa falta de suporte é uma falha e eu não entendo o motivo de não ter.

One thought on ““Querendo ou não por mais que a gente sonhe em estar no curso o nosso filho é sempre prioridade” um pouco sobre a realidade de mães fazendo graduação.”

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