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No livro de estreia de Jane Maria da Costa, “Todo dia é dia de poesia”, há logo no início a seguinte citação do filósofo Aristóteles: “A História conta o que aconteceu, a poesia, o que deveria acontecer”. Assim como na frase do grego, Jane tem o passado e o presente na sua vida, já que trabalhou por três décadas como professora de História e, atualmente, se entrega totalmente à arte da poesia.
Lab Notícias: Você poderia falar um pouco sobre como foi o primeiro contato com a literatura e com a poesia?
Jane Costa: Meu primeiro contato com a literatura foi quando eu tinha 7 anos. Eu já era alfabetizada pela minha mãe e morava de frente ao colégio e, quase todos os dias, eu ia à biblioteca pegar livros para ler. Lia de tudo: poesia, contos, todos para minha faixa etária. Quando criança, eu gostava muito da Ruth Rocha, Cecília Meireles e vários outros autores. Meu amor pela poesia já surgiu aí.
Como foi a sua infância e como afetou a sua escrita?
Pelo fato de ter nascido no interior, eu acho até que foi uma infância bem mais tranquila, tinha mais tempo para leitura. Minha infância foi muito boa, assim como minha juventude. Eu faço parte de uma família de professores, então eu tinha muito apoio, incentivo de ler, então isso me cativou desde a infância: a prática da leitura.
E a sua profissão como professora influenciou também na sua poesia e nos seus poemas?
Sim, influenciou bastante porque eu sou formada em história, que é um curso bastante complexo. E eu gostava de, nos meus intervalos, parar um pouquinho para pensar, fazer alguma crítica social também. Nos meus poemas, eu tenho bastante crítica social.
E quais são os temas que você mais gosta de abordar dentro dessas críticas sociais nos seus poemas?
Eu gosto muito da questão indígena e da juventude, tudo que envolve a juventude: a questão dos vícios, das questões existenciais nessa fase. Isso também me chama muita atenção para deixar a minha opinião registrada.
Tem um pouco da história de outras pessoas dentro dos seus poemas?
O meu primeiro livro “Todo dia é dia de poesia” é mais voltado à família e aos amigos, então eu não esperava um alcance tão grande assim, de muitos leitores, porque o meu objetivo com o meu primeiro livro era atender apenas a família e os amigos. Eu não esperava que tivesse um grande alcance literário, era como se fosse uma homenagem.
Também tem as antologias de poemas, como é que foi participar?
As antologias vieram depois do livro e foram depois que eu fui tomando gosto em participar de concursos de antologias, concurso de poemas. Fui participando e fui sendo selecionada e a cada seleção eu ia empolgando mais. E isso foi tomando uma proporção e um alcance que eu não esperava. Começou como uma terapia, uma forma de buscar alternativas para passar o tempo, porque eu já sou aposentada e eu não queria ficar com a minha mente enferrujada. Então eu parti para escrita como uma forma de manter a minha mente ativa.
E como foi participar dessas competições de poemas?
Foi uma experiência muito positiva para mim, me trouxe muita alegria, porque eu estava passando por momentos difíceis. Foi uma conquista que me deixou feliz, de participar de concursos, de ser selecionada em antologias, de ter participado do concurso que o Cid Moreira promoveu no qual fui finalista. Então isso me trouxe uma grande alegria e vontade de escrever mais e de continuar escrevendo.
Quais foram os concursos que você ganhou?
Bem, o prêmio que eu ganhei do concurso do Cid Moreira foi um áudio que ele gravou, não teve certificado, não teve divulgação, foi somente o áudio que ele me enviou com o meu poema interpretado por ele. E depois, no ano passado, eu participei de um concurso em São Paulo de um conto inspirado em uma história real que aconteceu com a minha avó: conto a história de como foi o primeiro parto dela. Com esse conto eu conquistei o primeiro lugar no concurso da Academia Valeparaíbana de Letras de Taubaté, que foi outra conquista que me deixou muito feliz, porque eu não esperava de forma alguma.
Inclusive nesse seu primeiro livro tem alguns poemas sobre a experiência do coronavírus. Você acha que escrever sobre isso ajudou a lidar com a situação?
Sim, eu dediquei muito tempo durante a pandemia também para praticar a escrita, aí escrevi vários poemas com esse tema. Como eu fiquei mais reclusa em casa, eu comecei a escrever mais e, com as perdas que foram surgindo, fiquei com mais vontade de homenagear pessoas que faleceram, como uma amiga de infância próxima a mim que foi a primeira vítima o coronavírus de Heitoraí [cidade natal de Jane Costa]. Eu estava lá quando isso aconteceu, então eu quis homenageá-la com um poema e foi a partir daí que eu fui desenvolvendo a escrita voltada também para esse tema da pandemia.
A escrita de poemas só surgiu para você já adulta?
Adulta, quando era criança não.
Entre 5 poemas seus, quais escolheria para representar o que é a Jane Costa como escritora?
“A luz de um sorriso”, Em meus sonhos”, “O infinito”, “Recomeçar” e “A um poeta que se foi”, porque eles têm um significado muito grande para mim, quando eu escrevi eu estava, assim, num contexto muito poético.
Você faz parte de alguma associação de escritores?
Eu sou associada da União Brasileira de Escritores (UBE), seção Goiás. Sou uma recém-nascida no caminho literário, comecei no ano passado. Faço parte de algumas academias virtuais, como a Allegro, que é a Academia Guimarães Rosa.
Tem alguma expectativa de lançar um novo livro?
Sim, estou na expectativa de lançar mais três esse ano. Inclusive dois já estão praticamente prontos, só falta alguns detalhes.
Todos de poesia?
Não, vai ter um livro de poesia, um infantil e um de contos, mini-contos, crônicas e poesias.
Vi que você ganhou um prêmio com o poema “Mulheres que enfrentam o câncer”. Pode falar um pouco sobre ele?
Esse poema foi muito significativo para mim também, esqueci de mencionar. Esse poema eu escrevi por conta do meu próprio problema: eu passo por esse tratamento há quase seis anos. Em 2016, eu fui diagnosticada com câncer de mama e esse poema foi em homenagem a todas as mulheres que enfrentam esse tipo de doença, uma doença grave que afeta muito a mulher pelo sistema e também na questão da vaidade, porque a mulher perde os cabelos.
Mulheres que enfrentam o câncer (Jane Costa)
As mãos trêmulas, ansiosas,
involuntariamente, apalpam o seio.
E o diagnóstico foi dito
Sem nenhum rodeio.
As pernas vacilam,
O coração acelera,
Os pensamentos viajam,
Não tem paradeiro.
E agora? Como será?
O corpo em desespero,
A reação da família
É choro certeiro!
Enfrentar a doença
Com fé e esperança,
Acreditar no tratamento,
Viver os dias com alegria,
Deixar mensagens de sabedoria,
Lutar bravamente,
Espalhar amor e gratidão,
Viver em constante oração!
Você tem mais algum sonho que deseja realizar como escritora?
Tenho, eu gostaria de um dia ser mencionada pelas minhas escritas, né? Principalmente pelas pessoas que me rodeiam, porque eu acho que o mais importante é alguém que te conheça falar algo de você. Eu gostaria sim de ser reconhecida aqui mesmo no meu estado, na minha cidade, com as pessoas próximas a mim.
Tem alguma história que você acha que mudou o jeito que você escreve?
Foram duas coisas assim bastante fortes que me impulsionaram a escrever mais. A primeira foi a questão da doença e a segunda a pandemia, porque foi um problema que afetou o mundo todo, não só a minha família, mas afetou a vida do planeta de modo geral. Para mim, a escrita é uma terapia.
Quem são as pessoas homenageadas nos seus poemas?
Meu pai que eu perdi em 2019, que era o amor da minha vida. A gente tinha uma cumplicidade muito grande, um amor muito grande um pelo outro, então a falta dele me deixou mal, fiquei muito triste no momento, mas aí depois eu consegui escrever fazendo uma homenagem a ele através de uma carta aberta. Eu acho que eu saí do meu luto no momento em que eu escrevi a carta para ele. Então foi outra forma pela qual a escrita me libertou. Tiveram alguns amigos também que faleceram né? Agora o poema “Mulheres que enfrentam o câncer”, eu dedico a uma tia que faleceu pela doença. Recentemente eu perdi duas amigas muito jovens também de câncer, que foram a Rosângela e a Thaís Matarazzo, que faleceram com 40 anos de idade. Há uma tia que é viva, que passou pelo tratamento e está em perfeita saúde. Então é em homenagem a elas.
Como é a experiência de ser poeta? Quais são os desafios de ser uma escritora?
São inúmeros desafios que a gente enfrenta, muita crítica destrutiva. Se a gente for olhar, você escreve só um e nunca mais escreve nada, porque não é um caminho fácil, é um caminho muito difícil o caminho literário. Eu não entendi até hoje o porquê disso, porque eu sempre procurei valorizar todas as escritas, mas as pessoas têm uma dificuldade em interpretar o outro. Acho que deve ser isso, mas não é fácil, é muita crítica e às vezes muita decepção.