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Na última semana, a Supercopa abriu o calendário de futebol feminino no Brasil. A competição contou com oito clubes em sistema direto de mata-mata e consagrou o Corinthians como bicampeão. Pela primeira vez, o torneio contou com bonificação financeira em valor “histórico”, como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) definiu.
A equipe campeã recebeu R$500 mil reais e a vice, R$300 mil. Apesar de ser um valor simbólico que incentiva a modalidade e a própria competitividade do torneio, o valor representa 5% do que, hoje, o campeão masculino da competição recebe. Se considerado o consumo das modalidades pelo público, o valor é justificável, mas revela duas frentes: a premiação mostra um claro e histórico atraso no desenvolvimento nacional da modalidade e, por outro lado, que o futebol feminino vem sendo mais visibilizado.
“É muito difícil em algum momento a gente atingir as premiações do masculino, até por acreditar que esses valores são absurdos e não deveriam ser assim. É exagerado, mas, sem dúvidas, ter premiação [no futebol feminino] é um estímulo para as pessoas continuarem fazendo aquilo. É muito difícil chegar para uma jogadora e querer que ela tenha uma motivação sabendo que no final ela pode não ganhar nada. Ela joga muito no amor. Futebol feminino é e tem muito amor envolvido, é a vida daquelas meninas.”, disse a jornalista Andreana Chemello, da Rádio Inferno (veículo dedicado ao SC Internacional – clube participante da Supercopa feminina)
Além disso, a jornalista destacou como as compensações também fazem com que os clubes tenham uma motivação a mais para investir no futebol feminino. “Cada vez mais a CBF tem que aumentar essas premiações porque ainda é muito baixo, mas já existe uma melhora.”, concluiu.
Opinião: o contraste entre a Supercopa Masculina e feminina
Para João Vitor, narrador esportivo e comentarista do canal Dibrou Sports Brasil, há certo descaso da CBF frente ao futebol feminino. “Na última edição da Supercopa, as atletas ganharam apenas medalhas e troféu, sem receber nenhum tostão da conquista do torneio. Nesse ano, pelo menos eles [a Confederação] tiveram um pouco de consciência e deram algum valor em dinheiro para o campeão e vice, mas ainda é muito pouco comparado ao que ganhou o campeão da Supercopa Masculina.”, garantiu.
Por outro lado, a maior valorização vem sido criada segundo os gestores da Federação. No início desse mês, o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, falou sobre o compromisso da entidade com a valorização da modalidade:
“Um dos objetivos da minha gestão à frente da CBF é o de valorizar o futebol feminino e a auto-suficiência financeira da modalidade. Quero deixar um legado para as competições brasileiras e um deles é este, o reconhecimento do trabalho das nossas atletas e dos clubes. Vamos seguir trabalhando para novas conquistas em prol do futebol feminino. No ano passado, o Brasileirão Feminino já contou com uma premiação recorde e, neste ano, já iniciamos com a bonificação dos clubes finalistas da Supercopa Feminina“, declarou em reunião da Confederação.
Público e visibilidade: país do futebol (feminino?)
Enquanto a Seleção Brasileira Masculina era tricampeã mundial, as mulheres ainda eram probidas de praticar o futebol no Brasil. Por 40 anos, o esporte era considerado “inadequado” para sua “natureza”. O decreto foi publicado em 1941 e, após ser reafirmado durante a Ditadura Militar – especificando o futebol como prática proibida -, somente em 1979 houve revogação da lei.
O país do futebol já havia conquistado três Copas do Mundo e era o maior vencedor da competição (como segue sendo, com cinco títulos). Enquanto isso, sem estímulo e regulamentação, o futebol feminino estava “nascendo” de fato. Em 1983, a modalidade foi regulamentada e era o início de competições, calendário e torcida.
Ainda hoje, porém, o futebol feminino pede avanços e incentivo, mas está no caminho, como aponta o comentarista esportivo:
“O futebol feminino está em uma evolução muito grande, tanto na parte técnica quanto na parte física. No Brasil, cada vez mais as equipes têm investido e buscado reforços renomados. Assim, acredito que para essa curva de crescimento do futebol feminino continuar em ascensão, é necessário uma adaptação melhor no horário das partidas. A CBF tinha que olhar com carinho essa questão, pra valorizar melhor o produto.”
Não só isso, João também aponta os dias de jogo, muitos no meio da semana, que acabam dificultando a ida aos estádios para o torcedor que trabalha ou estuda.
“Querendo ou não, isso acaba desvalorizando o produto, já que ficam ‘escondidos’ os jogos, fora que o público no estádio acaba sendo reduzido.”, finalizou.
Lado atleta, tratamento e oportunidades no futebol feminino: ‘Vou te ver jogando um dia na Seleção Brasileira’
Conhecida como “Esquerdinha“, a atleta Maria Eduarda já atuou pelo Aliança/Goiás, pelo Vila Nova e pelo Ajax. A jogadora de 17 anos destacou o maior consumo do público pelo futebol feminino nacional: “Como vimos no jogo da final da Supercopa, entre Flamengo x Corinthians, o estádio estava lotado. Isso, para nós, atletas, é muito gratificante. É saber que o nosso trabalho, que a gente luta dia após dia, está sendo valorizado.”
Quando questionada sobre o contraste na atenção entre as modalidades, a lateral afirmou que determinados ambientes ainda desvalorizam a atleta de futebol feminino e ressaltou preconceito. Ainda assim, disse existir lugares em que “As pessoas te valorizam e acham incrível. Me perguntam como me sinto jogando bola, me desejam sorte e me falam o que uma atleta sempre quer ouvir: ‘vou te ver jogando um dia na Seleção Brasileira‘. Isso é gatilho para lutar mais.”
Flamengo 10 x 0 Ceará – descaso e desmanche
Pelas quartas de final da Supercopa Feminina, Flamengo e Ceará se enfrentaram. Contudo, o resultado revelou mais que uma equipe superior em campo. A partida se encerrou em 10 x 0 para as Meninas da Gávea e mostrou o impacto do descaso dos clubes no futebol feminino. Isso porque o Ceará foi campeão da Série A2 no último ano, mas foi desmontado por rebaixamento da equipe masculina para a Série B.
“Esse tipo de placar acaba mostrando uma diferença muito grande em relação ao nível técnico dos elencos. O Ceará foi campeão da Série A2 do futebol feminino, mas por conta do rebaixamento do time masculino pra Série B, houve muitos cortes de gastos, e quem acabou ‘pagando o pato’ foi, justamente, o time feminino, que trouxe muito mais alegrias no último ano do que a equipe masculina.”, projetou o comentarista da Dibrou.
Além disso, também ressaltou ser “inaceitável” o descaso do clube com a equipe feminina, tendo em vista o tamanho do Ceará Sporting Club. “Isso só mostra que não existe planejamento. Deve haver estabilidade e continuação do projeto. O time foi campeão da segunda divisão mais importante do Brasil, e o que o torcedor ganha é a dispensa da maior parte do elenco vencedor, lamentável!”
Campeonatos estaduais e visibilidade do futebol feminino
Grandes reflexos do contraste entre as modalidades, os estaduais mostram a necessidade do apoio das Federações às equipes femininas. A partir de 2019, foi exigido que os clubes que disputassem a Série A tivessem uma equipe feminina para disputa. À época, dos 20 clubes que disputaram o Brasileirão, somente sete tinham o futebol feminino já estruturado: Ceará, Corinthians, Flamengo, Grêmio, Internacional, Santos e Vasco. O restante, por outro lado, iniciava ali o projeto.
Hoje, apesar de muitos times já terem as equipes femininas, os grandes estaduais femininos, em questão de visibilidade nacional, ainda se concentram no eixo Rio-São Paulo – o que dificulta a visibilidade de novas atletas. “Aqui em Goiás, por exemplo, é muito difícil ser vista igual em São Paulo e no Rio.”, destacou Esquerdinha.
“O feminino aqui no Rio Grande do Sul está bem atrasado no sentido de que, no interior, não há incentivo nenhum para disputar a competição [campeonato estadual]. Hoje, pro clube do interior querer colocar as meninas para atuar no Gauchão Feminino, ele tem que gostar muito, ter interesse e pessoas lá dentro que realmente querem fazer a diferença, porque não vale a pena. Não tem premiação alguma.”, garantiu Andreana, da Rádio Inferno.
Como a jornalista ainda ressaltou, é muito difícil competir com Internacional e Grêmio no Gauchão Feminino justamente pelo tempo de investimento das equipes, que se sobressaem. Assim, as equipes interioranas acabam sofrendo pela falta de incentivo e, consequentemente, entram em inércia no crescimento. Elas acabam não sendo vistas e, dessa forma, não são visibilizadas – pelas próprias Federações e pelos grandes veículos de mídia.
‘O futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Pensem nisso, valorizem mais’: Copa do Mundo Feminina
Após eliminação nas oitavas de final da Copa do Mundo de 2019 contra a França, a maior artilheira da competição, Marta, disparou sobre o futuro do futebol feminino: “A gente tem que chorar no começo para sorrir no fim. Quando eu digo isso é querer mais, é treinar mais, é se cuidar mais, é estar pronta para jogar 90 minutos e mais 30 minutos, quanto minutos forem. É isso que eu peço para as meninas. Não vai ter uma Formiga para sempre, não vai ter uma Marta para sempre, não vai ter uma Cristiane. E o futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Então pensem nisso, valorizem mais. Chorem no começo para sorrir no fim”, disse em entrevista ao SporTV.
A fala da “rainha” do futebol é incentivo e reflete a importante valorização do esporte visando ao maior avanço futuro. De lá até aqui, o futebol feminino cresceu e isso foi refletido pelas premiações – do Paulistão, Brasileiro e Supercopa, por exemplo – além do apoio das torcidas. Em 2022, Internacional e Corinthians bateram recordes de público na final do Brasileirão Feminino: pela ida, 36.330 torcedores se fizeram presentes no Beira-Rio; pela volta, 41.070.
“O crescimento de público e o engajamento das torcidas se devem muito ao ‘estar mudando’. A mídia ajuda muito nisso, vemos cada vez mais jornalistas e repórteres dando importância e as grandes emissoras entrando com o futebol feminino de maneira forte nas televisões, rádios, veículos tradicionais e independentes. Eu diria que esse trabalho do Jornalismo por trás fez as pessoas verem o futebol feminino como já deveriam ter visto há muito tempo.”, disse a repórter da Rádio Inferno.
“O futebol feminino depende de vocês para sobreviver“
Por fim, como Andreana Chemello concluiu, a visibilidade que a mídia vem dando é um ‘pontapé’ para o maior consumo das pessoas pelo futebol feminino, que, ainda que a passos curtos, vem crescendo. “É aquela coisa de ‘a gente não fala [sobre a modalidade] porque não dá audiência’. É mentira, não fazem por preconceito, por não quererem.”
A mídia, como a jornalista aponta, deixa essa visão de lado e passa a ver que há, sim, retorno. O público começa a aumentar e as pessoas, assim, a consumir mais.
“Junto a isso, há o trabalho da CBF e dos clubes de estruturar melhor para as meninas terem mais qualidade a partir do treinamento e aprimoramento técnico que não se tinha antes no futebol feminino, como a categoria de base. Hoje, elas já começam a jogar cedo e já têm uma escolinha. O futebol vai ganhando mais qualidade. Antes sobrevivíamos muito de alguns nomes: Marta, Cristiane e Formiga, por exemplo. Agora, temos uma coletividade melhor e campeonatos mais acirrados.”, finaliza Chemello.
[…] 2019, os protestos e a maior adesão dos torcedores, a modalidade vem evoluindo de forma crescente. Maior público, maior alcance e redes de transmissão evidenciam como o esporte vem ganhando seu espaço a cada […]