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Foto em destaque: PxHere
Calada e angustiante, a endometriose pode causar sérias dificuldades na vida de uma mulher. De acordo com estimativas do Ministério da Saúde, uma em cada 10 mulheres sofrem com os sintomas da doença, mas desconhecem a sua existência. Em 2021, mais de 26,4 mil atendimentos foram feitos no Sistema Único de Saúde (SUS), e oito mil internações registradas na rede pública.
A endometriose é uma modificação no funcionamento normal do organismo e ocorre quando as células do endométrio, mucosa que reveste a parede do útero, não são devidamente expelidas durante a menstruação, e se espalham pelo aparelho reprodutivo ou por outras regiões do corpo, como intestino, apêndice e bexiga, causando dores e sangramentos.
Os sintomas envolvem: dor em forma de cólica durante o período menstrual capaz de incapacitar as mulheres de exercerem suas atividades habituais; dor durante as relações sexuais; dor e sangramento ao urinar e evacuar, especialmente durante a menstruação; fadiga; diarreia e dificuldade para engravidar – aliás, a endometriose é a principal causa de infertilidade feminina.
De acordo com a Associação Brasileira de Endometriose (SBE), a patologia já afeta seis milhões de brasileiras, sendo que 57% das pacientes sofrem com dores crônicas e 30% têm infertilidade.
Os dados são alarmantes, principalmente para um país que tem sua população mais feminina que masculina, como o Brasil. Mas, o que deixa a situação mais preocupante é o quanto os sintomas são comuns e podem ser confundidos com uma cólica rotineira, por exemplo. Além de afetar a qualidade de vida da paciente, pode comprometer o intestino, a bexiga e o ureter.
Em entrevista para o jornal da Universidade de São Paulo (USP), Maurício Simões Abrão, professor da Faculdade de Medicina e diretor da Divisão de Endometriose do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da FMUSP, explica que o termo ‘Doença da Mulher Moderna’, está relacionado ao fato da patologia ter estreita relação com a mulher moderna. Ele pontua, dizendo que atualmente as pessoas são mais estressadas, o que é relevante para uma condição estimulada por hormônios, como é essa doença. Além disso, hoje as mulheres menstruam mais, já que engravidam mais tardiamente e têm menos filhos.
Ser mulher é um desafio. As dificuldades se estendem até quando o incômodo de uma dor impõe a necessidade de buscar ajuda. A falta de conhecimento é uma das principais barreiras para a detecção precoce do problema, que é melhor tratado se descoberto no início.
Por outro lado, a banalização dos sintomas por parte dos médicos é outro fator relevante já que muitos profissionais acreditam que é normal uma mulher sentir cólicas, e mesmo quando investigam as causas, o fazem com métodos rasos como um exame básico de sangue e urina. Essa postura profissional dificulta o diagnóstico correto e faz com que as pacientes ultrapassem o período de 10 anos, desde o aparecimento dos sintomas, para obterem o tratamento adequado.
A primeira teoria para explicar a endometriose foi proposta inicialmente por Von Recklinghausen, em 1896, e depois por William Russell, em 1899, entretanto, o movimento pela ampliação do conhecimento acerca da doença surgiu apenas em 1993, com a Campanha Março Amarelo, realizado em Milwaukke, Estados Unidos, idealizado pela ativista Mary Lou Ballweg, portadora de endometriose.
Em 1980, Mary Lou fundou a primeira associação voltada à doença, chamada The Endometriosis Association. E após realizar a semana de conscientização sobre a endometriose, a fundadora percebeu que somente sete dias era pouco para divulgar a importância do assunto, criando, então, o Março Amarelo, que se estendeu mundialmente.
No Brasil, o Março Amarelo começou a ser falado em 2010, quando a jornalista Caroline Salazar criou o Blog Endometriose e Eu, pioneiro em retratar o dia a dia de uma portadora. Com o sucesso do blog, uma série de movimentos foram idealizados. No dia 28 de março de 2012 aconteceu em São Paulo o I Brasil na Conscientização da Endometriose. Em 2014, a realização da 1ª edição da EndoMarcha Time Brasil.
De portadora a ativista, Caroline Salazar foi a responsável por mostrar para o Estado brasileiro que alguma coisa deveria ser feita. De acordo com a Constituição Federal, Art 196, no Brasil, “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, mas nesse mesmo Brasil onde a endometriose afeta seis milhões de mulheres, os sintomas da patologia são banalizados pelos médicos, o Estado não oferece políticas públicas para custear o tratamento adequado e movimentos que promovem a conscientização acerca do assunto precisam ser idealizados pelas próprias portadoras. É necessário reiterar que ser mulher nesse país não é só um desafio, é acima de tudo ser vítima da negligência do Estado.
Em homenagem ao Março Amarelo, campanhas foram realizadas em diversos Estados brasileiros com realização de exames gratuitos e orientações sobre a patologia. Mas, é preciso lembrar que essas ações não podem ser significativas apenas no mês de março. É necessário ampliar as políticas públicas para aumentar a conscientização sobre a endometriose e oferecer possibilidades de acompanhamento e tratamento ginecológico regular.