O silêncio das patinhas é o barulho mais alto da crueldade humana

Segundo levantamento do Instituto Pet Brasil - IPB, o Brasil tem quase 185 mil animais abandonados ou resgatados após maus-tratos
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Rayane Novais

Foto em destaque: Flickr

Com a aprovação da Lei Sansão em 2020, que não só condena como também aumenta a pena para maus-tratos contra os animais, o número de denúncias cresceu significativamente. Em Goiânia, por exemplo, foram registradas 1.384 denúncias em 2023, um acréscimo de 69% em relação a 2022.

Esse aumento passa a ser preocupante quando pensamos que diariamente os bichinhos sofrem na companhia daqueles que deveriam protegê-los. A delegada titular do Grupo de Proteção Animal da Polícia Civil (PC), Simelli Lemes, explicou a causa do crescimento das denúncias.

“A comunicação está mais relacionada com a irritação, muitas pessoas não sabem diferenciar o que caracteriza um crime de maus-tratos, denunciam até por latido.”

A delegada também associa a origem desse problema a uma questão cultural.

“Há 100 anos os animais eram considerados objetos. Não acreditavam que eles sentiam dores e quando choravam, entendiam que estavam com defeitos”.

Por outro lado, a advogada Pauliane Rodrigues, presidente da Comissão Especial de Direito Animal da OAB, explica que o crime de maus-tratos também está relacionado à falta de informação.

“Deixar o animal acorrentado por muito tempo, cortar o rabo ou as orelhas por estética, passear em horários que o sol está quente, coleira de choque para educar são atitudes praticadas pelos tutores que caracterizam maus-tratos”.

Pauliane Rodrigues da Silva Mascarenhas, advogada especialista em Direito Animal e presidente da comissão especial de direito animal da OAB. Foto: acervo pessoal

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o Brasil conta com mais de 150 milhões de animais de estimação, o que coloca o país em 3º lugar no ranking da população animal.

Em Goiás, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde – SES, os habitantes de quatro patas somam, aproximadamente, uma população de 1.247.109 bichinhos.

Essa quantidade de animais nas casas brasileiras faz com que os peludos domésticos sejam mais expostos à maldade humana, pois estão em contato constante com o ser humano. Ainda assim, conforme explica a advogada Pauliane os animais silvestres também estão suscetíveis ao crime.

“Os animais silvestres são vítimas de tráfico de animais, visto que para ter um animal silvestre é necessário seguir as normas impostas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, feitas para garantir o bem-estar do animal.”

Crueldade sem limites

  • Na última, sexta feira (08), a Polícia Civil identificou e ouviu um casal suspeito de abandonar quatro gatos dentro de uma mala em um lote baldio no Jardim Balneário Meia Ponte, em Goiânia. A atitude cruel foi registrada por câmeras de segurança onde é possível ver que um outro animal permanece no porta-malas do veículo quando o casal vai embora.

O casal foi conduzido à delegacia e o homem alegou que os animais eram de sua irmã, que tem problema de saúde, e por isso ele ofereceu a ela para se desfazer dos animais. Sua esposa sabia da ação e participou do ato de abandono junto com o marido.

O animal que ficou no porta-malas é um cachorro, que estava em situação de maus-tratos por omissão da irmã do homem e, segundo o casal, iam cuidar dele, pois a intenção era abandonar somente os gatos.

A equipe do Grupo de Proteção Animal – GPA, com apoio da Agência Municipal do Meio Ambiente de Goiânia foi até o local e infelizmente encontrou um dos felinos morto. Segundo a necrópsia, provavelmente o animal já estava doente, e o transporte fechado, dentro da mala, no porta-malas do veículo, contribuiu para sua morte. Os outros dois gatos foram acolhidos pelo Projeto Eco Cats. A equipe não conseguiu capturar o quarto bichano e solicitou apoio para o Centro de Zoonoses na captura.

O cachorro ficou provisoriamente sob a responsabilidade de um familiar da investigada, mas precisa de cuidados e alguém para acolhê-lo. Os crimes continuam em apuração e os investigados podem responder pelo crime de maus-tratos qualificado pela espécie canina e felina, com pena de 2 a 5 anos de prisão, e majorado pela morte do gatinho com até 1/3 de aumento na pena.

Quem tiver interesse em adotar e ajudar os gatos, deve entrar em contato com o Instagram do Projeto Eco Cats, e para adotar o cãozinho, entrar em contato com o GPA pelo número (62) 3201-2350 ou 3201-2326.

Quem tiver interesse em adotar o AUmigo, deve entrar em contato com o GPA (62) 3201-2350 ou 3201-2326. Foto: Polícia Civil
  • No dia 05 de março, a Polícia Civil prendeu dois homens por crime de maus-tratos a animais e posse de drogas para consumo, no setor Jardim América, em Goiânia. Segundo a denúncia, havia na casa três cães passando fome e apesar do tutor morar no local, não alimentava os animais. A equipe policial esteve na casa e constatou que os animais estavam famintos, desidratados, desnutridos e infestados de ectoparasitas. Os cães foram levados para o Hospital Veterinário São Francisco de Assis e acolhidos pelo Alma de Patas, que assumirá os cuidados até que seja feita a adoção.
  • No dia 23 de fevereiro um homem passou a ser investigado por agressões físicas a um cachorro, em Formosa – Go. O cão era agredido diariamente com corrente e apresentou tremor intenso quando percebeu a presença de pessoas no local. O peludo foi encaminhado para tratamento veterinário com ajuda de uma associação de proteção aos animais e será colocado para adoção.
Cão da raça Rottweiler era agredido pelo tutor com correntes. Foto: Polícia Civil
  • No dia 07 de fevereiro um homem foi preso por atropelar um cachorro com sua motocicleta e não prestou socorro ao animal. A lesão foi causada no dia 05 no bairro Parque das Laranjeiras, em Formosa. No dia seguinte ele retornou ao local e viu que o cãozinho continuava machucado, em situação de total vulnerabilidade, e continuou sem prestar socorro. Ele foi indiciado pelo crime de maus-tratos com pena de reclusão de cinco anos. O cão foi encaminhado para tratamento veterinário e passou pela primeira cirurgia no dia 15 de fevereiro.
  • No dia 28 de janeiro, por volta das 20h um cavalo foi atropelado na GO 040, próximo ao Jardim Itaipu, em Goiânia. Segundo moradores da região, no dia seguinte, às 11h34, ele ainda continuava no mesmo lugar, sem comida e sem água, com as duas pernas quebradas. O socorro foi prestado por voluntários que passaram pelo local.
Cavalo foi atropelado na GO 040 e ficou mais de 12 horas em situação de total vulnerabilidade com as duas pernas quebradas. Foto:

ANJOS SEM ASAS

Em uma sociedade onde o Estado é omisso na defesa dos mais vulneráveis, a Focinho Caridoso atua como anjo no amparo de uma causa nobre: a dignidade humana e animal.

A Focinho Caridoso nasceu com um braço de extensão universitária da Universidade Federal de Goiás – UFG, que cresceu e se oficializou como ONG em 2020. A ONG não possui um abrigo, mas atua na sociedade com projetos de educação sobre guarda responsável e castração para os abrigos que são cadastrados ao projeto.

Carla Cavadas é diretora e fundadora da ONG Focinho Caridoso e atua como protetora da causa há mais de 40 anos e conta como se sentiu ao presenciar uma cena tão chocante.

“Eu estava indo para uma chácara quando vi um casal em um carro de alto valor abrir a porta e empurrar um cachorro para fora. O bichinho se agarrava a eles e mesmo assim não tiveram compaixão e o arremessaram para fora. Eu parei e socorri, mas não consegui anotar a placa para denunciar. O mais importante foi que depois eu consegui uma família linda para adotá-lo.”

A preocupação diária da protetora é em relação à atuação do poder público.

“Existem Leis, mas não tem fiscalização efetiva. Falta avançar nas políticas públicas em favor dos animais. É muito preocupante pois quando é feito uma denúncia de maus-tratos a delegacia não tem para onde levar esses animais. Não existe nenhum projeto Municipal para acolhê-los.”

Carla Cavadas é diretora e fundadora da ONG Focinho Caridoso e atua como protetora da causa há mais de 40 anos. Foto: acervo pessoal

Adiantou, mas não resolveu

Atualmente existem Leis para punir quem pratica crime de maus-tratos aos animais. Mas, é possível observar que apenas a existência da legislação não é suficiente para que o problema seja resolvido.

Segundo a Organização Mundial da saúde – OMS, até 2022, existiam cerca de 30 milhões de animais abandonados nas ruas do Brasil, dos quais 10 milhões são gatos e 20 milhões são cães. Além disso, quase 185 mil animais foram abandonados ou resgatados após maus-tratos.

Conforme divulgado pela Agência Municipal do Meio Ambiente – AMMA, em janeiro e fevereiro de 2024 foram registradas 29 denúncias de maus-tratos contra animais, em Goiânia. O crime também está previsto na Lei Municipal nº 9.843, de 09 de junho de 2016, que estabelece sanções e penalidades administrativas para pessoas que praticarem maus-tratos aos animais. Entretanto, observa-se que as políticas públicas para acolhimento de animais resgatados ou encontrados em situação de vulnerabilidade são insuficientes para atender o básico da demanda, ou melhor, são praticamente inexistentes.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia informou que a diretoria de vigilância em zoonoses se refere aos cuidados com os animais que possam causar doenças, ou trazer algum risco às pessoas, enquanto a Agência Municipal de Meio Ambiente – AMMA, informou que incentiva a posse responsável, tendo em vista que são seres vivos e, ao adotá-lo, o cidadão se responsabiliza por todo o cuidado necessário para a qualidade de vida e bem-estar do animal.

Confira a nota da Amma na íntegra

Quando a denúncia é registrada, a Amma realiza a vistoria e, nos casos procedentes, autua e intima o proprietário do animal a realizar o tratamento de saúde e apresentar os relatórios médicos veterinários junto ao órgão, comprovando o atendimento.

No caso de abandono do animal, a Amma busca parcerias com entidades que abrigam animais. O projeto está em fase de oficialização.

A Amma participa de reuniões com os abrigos e o Ministério Público, a fim de aprimorar as políticas públicas para auxiliar os espaços de acolhimento a se regularizarem na capital, com adequação exigida, para garantir que os animais sejam sempre bem acolhidos.

Atenta à causa animal, a Amma também fabrica e instala comedouros em parques, onde a população pode colocar água e ração para cães e gatos em situação de rua.

Os comedouros já são encontrados nos Parques Cascavel, Flamboyant, Leolídio di Ramos Caiado (Goiânia 2), Lago das Rosa, Linear Macambira Anicuns, Atheneu, além do Bosque dos Buritis, Jardim Botânico, na entrada da própria sede da Amma, e outros espaços públicos da Capital. Foto: Paulo José

Patas Resilientes

A Olívia é uma Cadela especial da raça Golden Retriever que precisou superar o abandono e insensibilidade de seus primeiros tutores. Quando a peluda tinha apenas três meses de idade, ela caiu de uma laje de sete metros de altura e ficou paraplégica.

Os antigos donos não quiseram a responsabilidade e decidiram mandá-la para eutanásia. O veterinário, incapaz de praticar essa ação, encaminhou a Olívia para o Instituto Luísa Mel, onde ela foi cuidada e posteriormente adotada por uma nova família.

Atualmente Olívia é amada, cuidada e muito mimada por uma família que faz de tudo para promover o seu bem-estar.

“A vida é feita de escolhas, eu escolhi te amar, escolhi viver por você e para você”, escreveu a tutora da Olívia em uma publicação com a pet nas redes sociais.

Maus-tratos contra animais é crime

Ligue 197
Whatsapp – (62) 9 8581-8197
E-mail: gpagoiania@gmail.com

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