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O último episódio não é apenas o mais curto da temporada até aqui: com apenas 33 minutos de duração, ele é o mais curto de toda a série desde a sua estreia. Mas não se engane, a história não se intimida com o pouco tempo que tem,  e o roteiro sagaz de Jon Favreau e Dave Filoni consegue aproveitar cada instante do arco, tanto para contribuir com o desenvolvimento do conflito como para tratar de assuntos que pingam ao longo da jornada dos mandalorianos. 

Esse é o caminho 

Na cena de abertura estamos no planeta base do clã dos  Filhos do Olho, onde podemos ver a parte exterior à caverna da Armeira e uma espécie de centro de treinamentos mandalorianos para todas as idades. Com pouco ou nenhum recurso, a tribo usa as armas disponíveis para treinar fisicamente seus seguidores ao mesmo tempo que mantém de pé a cultura segundo seus dogmas. As frases da doutrina são instrumento para reforçar seus valores.

 “Não fale a menos que se saiba”

Din diz a frase ao filho de Paz Vizsla, Ragnar, antes do embate entre os enjeitados

O garoto que observamos no início da temporada sendo atacado por um leviatã enquanto era  iniciado na doutrina, agora aparece treinando suas habilidades (que são notáveis) junto com os outros enjeitados. A cena em que Din anuncia Grogu como um desafiante para treino reforça como ele é um profundo conhecedor da cultura, não apenas por entender os seus objetivos enquanto prática de sobrevivência, mas também como uma filosofia de vida ao usar frases que compõem o espírito dos ideais mandalorianos.

Ao vencer o embate entre enjeitados, Grogu está cada vez mais inserido dentro da doutrina e mostra ao clã que tem potencial para se tornar um bom mandaloriano, mas não apenas isso, tem capacidade de ser o maior mandaloriano de todos os tempos uma vez que seu treinamento se deu em dois âmbitos diferentes, com os Mandalorianos e com um Jedi. É no mínimo curioso que mesmo com tanto potencial, Grogu parece não querer lutar em nenhum âmbito, se muitos protagonistas ao logo de Star Wars optaram por lutar e fazer disso seu estilo de vida, Grogu, por sua vez, exita em usar suas habilidades e parece presar pelo uso delas apenas em situações extremas.

Grogu em seu treinamento

A dinâmica dos enjeitados sendo um grupo aprendiz dos caminhos de Mandalore remete diretamente às relações de aprendiz e mestre entre os  Younglings/Padawans e os Jedis. Para Grogu esses laços significam muito, uma vez que ele já estabeleceu esse tipo de conexão, tanto com jedis eremíticos, como diretamente no templo Jedi na antiga República antes do golpe do Império. Grogu já foi aprendiz de uma doutrina que, apesar de operar com boas intenções, acabou  proporcionando traumas brutais a ele,  e colocá-lo nessa perspectiva  novamente com certeza faria com que esses traumas viessem à tona mais uma vez. 

Em Star Wars e na vida, o passado sempre volta  

No momento em que o filho de Paz Vizsla é sequestrado pela grande besta que voa, o conflito do episódio é estabelecido imediatamente. Situações como essa nos permitem lembrar como The Mandalorian se destaca de outras produções de Star Wars por conseguir entregar de forma fluida uma história com aspectos de uma partida de RPG. Se a missão principal era reunir os Filhos do Olho para decidir o futuro dos mandalorianos, agora uma side quest vai adiar a missão principal enquanto aprofunda e contextualiza ainda mais toda a narrativa da série. 

Nave de Bo-Katan persegue a criatura em frame que faz referência ao filme Apocalipse Now

A equipe liderada por Bo-Katan sai em busca de Ragnar e, enquanto isso, a Armeira produz para Grogu uma parte de sua armadura e  conta histórias a respeito do povo de Mandalore. Nesse momento Grogu tem flashbacks de quando foi resgatado décadas atrás durante a Ordem 66, evento que a saga não aprendeu a soltar a mão ainda. Desde “A vingança dos Sith” acompanhamos quase exaustivamente diferentes perspectivas desse mesmo evento, não apenas em flashbacks como ocorre nesse episódio, mas em séries completas que decidiram mostrar mais uma vez o mesmo acontecimento, como é o caso das animações The Bad Batch ou em Clone Wars.


A descoberta de que ele havia sido resgatado por um cavaleiro Jedi não é surpreendente, já que Grogu estava em um Templo Jedi e isso seria comum de imaginar dentro desse contexto em Star Wars. A grande surpresa, na verdade, é o retorno do ator Ahmed Best como o Jedi em questão, Kelleran Beq é um cavaleiro Jedi que defendia que todos os tipos de aprendizagem devem ser acessíveis, independente da idade do Padawan, e isso incluía combate. Sua primeira aparição de fato foi em Star Wars: Jedi Temple Challenge, um game show infantil não canônico. 

Nos flashbacks de Grogu nos é revelado que ele foi o responsável por mantê-lo vivo enquanto outros jedi e padawans eram assassinados pelo exército de clones comandados por  Palpatine.

Ahmed Best como o Jedi Kelleram Beq pôster oficial

Ahmed, que interpretou Jar Jar Binks na trilogia prequel, sofreu bastante durante esse período: o seu papel não havia sido bem recebido pelo público e, de forma imprudente, o ator acabou sendo hostilizado por conta do personagem malquisto, o episódio foi tão severo que o ator comenta que até mesmo considerou o suicidio devido ao ódio recebido. Quando começaram, as críticas eram direcionadas apenas ao personagem, mas com o passar do tempo, logo  escalaram para ataques pessoais e ofensas racistas.


E não é incomum que atores revisitem a saga dando vida a mais de um personagem, como o caso de Andy Serkis, que interpretou o líder supremo Snoke na trilogia sequel e o personagem Kino Loy na série Andor, temos também o exemplo de Clancy Brown que deu vida ao personagem Savage Opress em The Clone Wars, Ryder Azadi em Rebels, O Inquisidor em Tales of Jedi e em The Mandalorian deu vida ao antagonista Burg. O fato é que ver Ahmed ressurgir e ser homenageado dentro de um contexto tão importante é uma forma de observarmos como a franquia é construída  por fora das telas.  Dave Filoni sabe como trabalhar isso e tem feito um bom papel ao deixar sua marca e método dentro na saga Star Wars. 

A mais alta honra de um Mandaloriano

O episódio mostra por diversos ângulos que a vida dos jovens da doutrina é a coisa mais importante para a tribo, pois é nesse momento que um mandaloriano aprende como adquirir as qualidades para se manter vivo e forte até o último instante. 

Passando desde a história e os mitos, os treinamentos em campo, o juramento sagrado e o batismo em águas, tudo que acontece na vida desses jovens serve para reforçar os laços que os mandalorianos devem seguir independente do cenário. 

“O aço Mandaloriano deve manter você seguro a medida que  você se fortalece”

Frase Que a Armeira profere para grogu enquanto produz sua armadura

Quando a Armeira entrega o brasão do clã de Dois para Grogu, ele não está carregando apenas o símbolo do clã que pertence, mas também o peso literal de ser um mandaloriano ao carregar no peito uma peça feita de Beskar. Observamos a maneira que o clã preza por seus pequenos quando toda uma equipe tática é deslocada à uma zona de risco para salvar o filho de um do seus membros. O resgate é bastante simbólico para a tropa, pois a liderança da operação está nas mãos de dois membros estrangeiros e que estão  recém-aceitos na doutrina, mostrando que o fortalecimento do grupo vem também pelas mãos dos transgressores daqueles dogmas. A situação provoca o pensamento de que as qualidades reais dos indivíduos são maiores do que os dogmas que divide um grupo.   

Grogu recebendo o brasão de seu clã

Quando chegam ao ninho do monstro é possível ver vários capacetes de outros enjeitados que haviam sido capturados outras vezes. Aquela era uma realidade triste para os Filhos do Olho, não havia certeza de que todo a tropa voltaria viva do resgate, mas também não restava dúvidas de que eles não morreriam sem tentar. 

Não fale a menos que se saiba

Bo-Katan lidera a equipe com presteza e mostra que mesmo sabendo como combater o bom combate com luta direta, às vezes é necessário mais do que força bruta para resolver certas questões, principalmente quando o inimigo tem cem vezes o seu tamanho e pode te engolir vivo a qualquer momento. A estratégia de se aproximar sem naves para não fazer barulho e atacar somente quando houver uma varredura do local foi fundamental para garantir a sobrevivência do grupo, salvar o enjeitado sequestrado e ainda voltar com três filhotes da espécie para estabelecer maior domínio sobre o planeta. 

Ao retornar da missão, enquanto a Armeira lhe prepara um novo sinete para acompanhar o da Coruja Noturna Bo cita a possibilidade de ter visto um Mitossauro, o que demonstra não somente a confiança que ela tem na Armeira como também a sagacidade da personagem ao praticar o dogma citado várias vezes no episódio, “não fale a menos que saiba”. Quando nem credibiliza nem condena as falar de Bo, a Armeira deixa em aberto a possibilidade de ser verdade aquilo que acabara de ouvir a respeito do Mitossauro. 

Esse texto foi produzido pela equipe do Correio Cultural, de autoria de Fábio Prado e revisão de Hayane Bonfim e João Vitor de Jesus.

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