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Yandria Rayellen

Apesar da crescente participação e visibilidade de mulheres no futebol, é visível que o espaço ainda é, e vai demorar deixar de ser, um espaço predominantemente masculino. A falta de investimento e de visibilidade midiática sempre foi um dos maiores atrasadores do futebol feminino. Nos últimos três anos, entretanto, houve um crescente interesse, não só da mídia, mas também de grandes clubes brasileiros  em se falar sobre as mulheres no futebol. 

Claro que falar e dar visibilidade para as mulheres nesse espaço, seja dentro de campo, como atletas, ou como profissionais da área, é importante e deve ser aplaudido de pé. Mas esse interesse é de fato algo real e de caráter por parte da mídia e dos grandes clubes? Ou esse interesse é, como sempre, mais um entrelaço do esporte com o capitalismo e com a demanda de espaço? 

Perguntas desse tipo não são à toa. Perguntas assim podem e devem ser feitas, quando clubes de futebol “incentivam” as mulheres no cenário esportivo na mesma proporção que exaltam profissionais que praticam crimes contra esse mesmo gênero. Exemplos são o que não faltam, mas dois são os que mais chamam atenção para a discussão: o caso do goleiro Bruno, e o caso mais recente, do técnico Cuca. 

Preso em 2010, o goleiro Bruno Fernandes de Souza, foi condenado a 23 anos e um mês por homicídio, ocultação de cadáver, sequestro e cárcere privado de Eliza Samúdio, sua companheira na época. Em 2018, o até então ex-atleta foi para o regime semi-aberto, e desde janeiro de 2023 foi colocado em liberdade condicional. Bruno jogou profissionalmente depois de deixar a prisão. Os clubes pela qual já passou depois de sua reinserção na sociedade, alegaram acreditar no lado social do reeducando, e a afeição pelo projeto de reinserção do ex-detento na sociedade. 

Por outro lado, no final de abril de 2023, a contratação do técnico Cuca para comandar a equipe masculina de futebol do Corinthians, causou estardalhaço nas mídias e provocou uma grande discussão sobre esse processo de ressocialização. Mas nesse caso, com uma perspectiva um pouco diferente. Ao contrário do goleiro Bruno, em que sua prisão e sua condenação foi palco de grande coberturas jornalísticas e repercussão na mídia por anos, o caso de Cuca foi rapidamente esquecido pela sociedade.

O caso do técnico se iniciou em 1987, quando o Grêmio, clube em que Cuca jogava na época, fazia uma excursão pela Europa. O crime aconteceu em um hotel do centro de Berna, onde Cuca e outros dois homens, que na época também jogavam no Grêmio, foram condenados por terem cometidos atos sexuais com uma menina de 13 anos. Cuca e os outros dois jogadores foram condenados a 15 meses de prisão. Eles chegaram a ficar detidos por volta de um mês, mas logo voltaram para o Brasil. 

O caso tomou proporções grandes na época, passando em telejornais e virando manchetes em diversos jornais impressos. Acontece que, depois de um tempo tudo foi esquecido e o jogador voltou aos gramados para jogar como se nada tivesse acontecido. Mais tarde, se tornou técnico e passou por grandes clubes. A repercussão e a discussão da sua reintegração só passou a ser colocada em pauta novamente quando foi contratado pelo Corinthians.

A contratação gerou discussão nas redes sociais. Muitos acreditavam que o pessoal não deveria entrar em embate com o profissional. Por outro lado, uma grande maioria acreditava ser inadmissível que um clube com a história que tem e com as lutas sociais que carrega em sua história, compactuasse e tivesse em sua equipe alguém condenado por coação e ato sexual com menor de idade. 

A ressocialização, novamente, virou protagonista no palco da discussão. Mas, se um clube acredita na reintegração de um condenado na sociedade, e na capacidade de reeducação desse indivíduo, deveria também estar relacionado a projetos da causa. Quando esses mesmos clubes buscam incentivar e dar visibilidade para as mulheres no meio esportivo, é contraditório que ajam como se os crimes hediondos cometidos por Bruno e Cuca, pudessem ser esquecidos.

Nessa realidade, fica nítida a banalização do crime contra as mulheres nesse meio predominantemente masculino. E mais ainda, a necessidade de se pensar em ética e moral antes do capitalismo. No todo, o futebol ainda tem muito o que evoluir, dentro e fora dos campos, começando pela conscientização dos dirigentes para maior cautela ao realizar contratações, por meio de análises de dados como antecedentes criminais e demais pendências judiciais. 

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