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O humor é um estado emocional ou afetivo com duração variável e não permanente, de acordo com a psicologia. Ele também pode ser caracterizado como um estado de espírito, uma forma de se expressar assuntos como críticas delicadas ou como método de apontar questões individuais da sociedade.
Nós como seres sociáveis ansiosos em desfrutar de momentos felizes, elegemos personagens principais atribuindo a eles a função de nos despertar emoções como a felicidade, da qual, durante a correria diária acabamos nos privando. Intitulamos esses profissionais de humoristas, palavra que advém de ‘humor’. No entanto, nem sempre esse assunto acaba em risada, pois a arte de fazer pessoas rirem entra em linhas tênues e éticas, abarca o direito de livre expressão e os limites do que manifestar.
Na Constituição Federal de 1988, artigo 5º, parágrafo IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Essas palavras resumem o que nomeamos liberdade de expressão e são utilizadas como uma arma de defesa a pessoas que sofreram casos de censura em sua trajetória.
Recentemente, o ‘humorista’ Léo Lins foi indiciado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a deletar um vídeo publicado em 2022 no seu canal do YouTube. O Tribunal entendeu o conteúdo de seu vídeo como depreciativo e humilhante, colocando em risco a reputação de grupos socialmente excluídos. Não demorou muito para que internautas e o próprio acusado nomeassem o acontecimento como uma censura à liberdade de expressão.
Estaria a Constituição equivocada em suas palavras ou nós como sociedade com a interpretação textual decadente? Para o humorista Fábio Porchat o limite do humor está justamente nesse documento.
“Dentro da lei pode-se fazer piada com tudo. Não gostar de uma piada não te dá o direito de impedir ela de existir. Ainda mais previamente”, afirma o ator.
Demarcar o cômico em uma área aberta para todas as possibilidades coloca-nos como uma sociedade em uma terra sem leis. Traz ao comediante o livre arbítrio de debulhar em palavras opiniões polêmicas, declarações racistas, misóginas e preconceituosas. No entanto, há a possibilidade de estar implícito na fala do ator a habilidade individual de dosar liberdade de expressão e filtro social a fim de evitar determinadas abordagens.
Durante a nossa vivência criamos hábitos sociais (filtros) capazes de nos impedir de elaborar em palavras certas opiniões pessoais, além de nos indicar o que fazer e o que não dizer. Se uma sociedade é capaz de elaborar um conjunto de regras implícito, segui-lo e replicá-lo evitando situações desconfortáveis, porque utilizamos da Constituição para justificar nossos preconceitos se socialmente sabemos que determinadas colocações não são corretas?
Quando observamos pela ótica do ator Fábio Porchat, delimitando como censura a ação tomada pelo Tribunal de Justiça de forma a diminuí-la em uma questão de gosto pessoal do judiciário, reduziremos o trabalho judicial em uma brincadeira infantil, onde deixam evidentes opiniões pessoais refletirem no exercício de seu trabalho. O que de fato se configura contrário, já que, esse não é o primeiro processo movido na trajetória do humorista.
Léo Lins carrega um histórico de piadas preconceituosas e como consequência uma grande aba de processos judiciais. Autuado por ações como o desrespeito a pessoas com hidrocefalia e autistas, além de comentários gordofóbicos, racistas e até mesmo piadas sobre a morte de um cantor. Uma história manchada por colocações rudes, que não somente desrespeitam mas que incentivam a replicação do humor como um instrumento para o preconceito.
De acordo com uma pesquisa do PoderData, 81% das pessoas acreditam haver racismo no Brasil, e 34% admitem já ter cometido algum tipo de preconceito racial. Quando falamos de outros tipos de intolerância esses números só aumentam. Não existe apenas o preconceito racial nesse país, mas é perceptível que se mais da metade da população admite a existência dele e do acometimento de preconceitos, não há como rir de ofensas fantasiadas de piadas cômicas.
E para que essas ‘piadas’ ganhem repercussão e que seus autores sejam reconhecidos há uma parcela social que consome esse produto e que enxerga com normalidade atitudes degradantes. Em um país majoritariamente negro, marcado por desigualdades sociais e econômicas, a ótica pela qual vemos essas questões precisa ser a que desconstrói padrões. Não basta somente delimitar o que é discriminação e intolerância.
O autor das ofensas pode considerar suas piadas engraçadas, mas se o receptor se sentir ofendido por isso, existe sim o limite no humor. Não somente pelo sentimento de ofensa, mas pela necessidade de observar com outros olhos o que por tanto tempo passou ‘despercebido’ e foi abafado como uma piada, e não interpretado como uma hostilidade.