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O Brasil é um país marcado por uma rica e diversificada cultura. Manifestações populares como carnaval, enchem olhos e ouvidos e apontam a pungência das raízes brasileiras e até para quem acha que um país tão miscigenado já tenha superado as chagas de seu passado escravista, não tão distante. A despeito da democracia racial que de alguma forma alguém consiga enxergar por aqui o fato é que mesmo sendo mais de 56% da população, pessoas pretas e pardas não sentem que são representadas satisfatoriamente nas produções audiovisuais nacionais.
É o que mostra a pesquisa feita pela Paramount Global e obtida com exclusividade pela CNN. A Agência Nacional de Cinema (Ancine) apontava este caminho ainda em 2018, onde 70,7% dos profissionais da cadeia do audiovisual eram pessoas brancas, 5,3% pardas e 3% pretas. Embora tenhamos conquistado avanços significativos nas últimas décadas, é inegável que a presença negra nas produções cinematográficas e televisivas ainda é estruturalmente limitada.
Diante dessa realidade dada, surge a indagação: por que é tão importante essa tal de representatividade? A resposta está intimamente ligada à luta contra o racismo que permeia todas as esferas da sociedade brasileira. O professor e antropólogo Kabenguele Munanga ressalta que a identidade humana é construída a partir das experiências individuais e coletivas, refletindo a maneira como nos percebemos e como somos percebidos pelos outros. Ela está intrinsecamente ligada à pertença a grupos sociais, como etnias, culturas, nações e comunidades. O autor enfatiza identidade como uma manifestação fluida e plural.
Isto posto, não é difícil concluir que o audiovisual tem um poder transformador capaz de desconstruir ou fortalecer preconceitos arraigados ou contribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária. Portanto, quando a representação da população negra é negligenciada, perpetua-se a invisibilidade e a subalternização de um universo de pessoas, credos, ethos e práticas sociais. Ao não incluir a diversidade racial brasileira em suas narrativas, cinema e TV reforçam uma visão distorcida da realidade, na qual a população negra é subrepresentada ou relegada a papéis secundários estereotipados. Essa ausência é uma forma de violência simbólica que contribui para a marginalização e a exclusão social.
Resistências à vista
Felizmente, temos assistido a um movimento de resistência e de reivindicação por parte de artistas, intelectuais e do público em geral. A premiação de cinema mais projetada, o Oscar, teve de adaptar seu sistema de nomeação e premiação após o apontamento da falta de negros nas muitas categorias do prêmio. As vozes negras no Brasil têm passado pelo mesmo momento de levante, exigindo uma mudança profunda no panorama audiovisual nacional. É preciso abrir espaço para as histórias negras serem contadas por aqueles que as vivenciaram e conhecem sua essência.
Um lampejo de esperança parece apontar nas produções recentes da TV Globo. Os especiais “Falas” que trazem relatos e narrativas das diversidades brasileiras, chamou atenção no ano passado. Os episódios foram atuados, dirigidos e produzidos fora da branquitude e heteronormatividade. Além disso, pela primeira vez no entretenimento da emissora, em absoluto, todas as faixas horárias de novelas possuem pessoas negras de destaque e com protagonismo efetivo dentro das histórias. Experiências como estas têm mostrado que a inclusão não se trata apenas de inserir personagens negros nas telas, mas também de promover uma transformação estrutural que permita a participação plena e igualitária de todos os segmentos da sociedade.
Aqui, caro leitor, é preciso trazer um destaque para a produção Vai na fé. Escrita por Rosane Svartman a novela trouxe a atriz Sheron Menezes em seu primeiro papel de protagonismo em vinte anos de carreira. A narrativa da novela tem surpreendido por abordar temas com interseccionalidade: negritude e gênero, religiosidade e classe, e todos de uma forma leve e sutil. O resultado pode ser visto nos números de audiência que trouxeram o grande público novamente para o sofá.
Ao ampliar a representatividade negra no audiovisual brasileiro, criamos a possibilidade de construir narrativas mais ricas e complexas, que reflitam a diversidade da nossa nação. É uma oportunidade de fortalecer a identidade brasileira e de promover o diálogo entre diferentes experiências de vida. É também uma chance de formar uma nova geração de espectadores conscientes, capazes de reconhecer a importância da igualdade racial e de lutar contra o racismo.
Portanto, é urgente que a indústria do audiovisual brasileiro reconheça o poder e a necessidade de representatividade negra. É preciso investir em produções que valorizem a cultura afro-brasileira, que desafiem estereótipos e que deem protagonismo a artistas negros. Somente assim poderemos construir uma sociedade mais justa.