Tempo de leitura: 5 min

Os noticiários políticos das últimas semanas têm tido um assunto recorrente em suas manchetes. A Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga, De forma muito difusa, a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Curiosamente a CPI é relatada pelo agora deputado Ricardo Salles (PL-SP), antigo ministro do meio ambiente e acusado por ambientalistas do mundo todo de ser um braço da destruição e exploração de uma necropolitica ambiental. Vendo esta movimentação fiquei compelido a descrever um relato que tive a poucos anos com o movimento e com uma família de assentados:

Dona Elisabete, de pele dourada pelo sol de anos de trabalho, fixa o olhar na sua lavoura. Um pequeno cafezal, cuidadosamente plantado há pouco mais de um mês, se estende à sua frente. Os pés das plantas já atingem uma altura imponente de 1,68 metros, a mesma altura da agricultora. No entanto, sem a tão necessária água, aquelas plantas se tornaram secas, estéreis, quebradiças diante do vento. Esse é o destino de boa parte da produção no pequeno sítio, apelidado de “O Sítio Mundial”, cuja placa orgulhosamente anuncia sua presença em um assentamento do Movimento dos Sem Terra em Baliza, no interior de Goiás.

O que hoje é um terreno conquistado com suor e dedicação, há sete anos era um latifúndio improdutivo, nas mãos de um grupo empresarial alemão. Quando o movimento chegou, a recepção não foi calorosa, como frequentemente ocorre. Foram dois mandados de desapropriação e muita resistência até que a família de Dona Bete pudesse chamar aquele lugar de lar. Com o tempo, das barracas de lona surgiu uma pequena casa, cercada por plantações. Agora, o local abriga quinhentas famílias, formando um assentamento de sucesso.

Enquanto contempla as fileiras de café, Dona Bete se perde em pensamentos. Ela relembra os desafios enfrentados no último verão, que deixaram marcas na sua plantação. O silêncio é rompido pelo latido entusiasmado de Princesa, uma vira-lata de olhos azuis e pelagem cor de madeira, que surge entre as plantas. A cachorra logo se direciona ao bebedouro compartilhado com as galinhas, mostrando sua destreza como caçadora de preás. “Essa aí passa a noite caçando preá”, comenta Dona Bete, com um sorriso nos lábios.

Do cafezal para a cafeteira, Bete me convida a saborear uma xícara da bebida produzida ali mesmo. O café desce forte, aquecendo um pouco a manhã fresca. Curioso, pergunto a ela há quanto tempo vive naquela terra. Seus olhos se estreitam em busca das lembranças, e um sorriso repleto de rugas ilumina seu rosto. “Nesse sítio são sete anos, mas no campo mesmo acho que a minha vida toda”, responde Bete, após um breve momento de reflexão. Ela admite que o campo exerce um chamado irresistível, e mesmo com idas e vindas, nunca conseguiu se afastar da terra que tanto ama.

Bete compartilha suas histórias comigo. Natural de Montes Belos, região nordeste de Minas Gerais, ela veio para Goiás com o marido, Luis Silva, há mais de trinta e seis anos. Naquela época, o marido era caminhoneiro, percorrendo as estradas do Brasil enquanto Bete cuidava das tarefas agrícolas, sozinha. “No campo, não há tarefas exclusivamente masculinas ou femininas, todos precisam trabalhar, independente do que seja.” O casal possuía uma pequena propriedade na zona rural de Rio Verde, no sudoeste goiano. Foi lá que tiveram sua primeira filha, Gigliane.

Gigliane veio ao mundo com hidrocefalia, uma condição que causa acúmulo de líquido no cérebro, resultando em problemas de desenvolvimento e ameaça à vida. A filha de Dona Bete é incapaz de enxergar, andar e também enfrenta deficiência auditiva. “Quando ela nasceu, estávamos perdidos, os médicos nos deram apenas três meses de vida. Naquela época, tudo era mais difícil.” Contra todas as expectativas, Gigliane resistiu e ultrapassou sua previsão de vida. Com trinta e seis anos, ela já passou por dezoito cirurgias e ainda depende dos cuidados intensivos da família.

Cuidar de sua filha no campo é uma tarefa desafiadora, admite Dona Bete. A zona rural muitas vezes não oferece a infraestrutura necessária, obrigando Bete a levar Gigliane à cidade a cada três meses para consultas médicas. No entanto, ela nunca considerou deixar o campo. “Esse é o meu lugar no mundo, o lugar da minha filha e da minha família”, ressalta com firmeza.

O sítio reflete a alma de Dona Bete, cercado por majestosas árvores de ipê, plantadas de forma estratégica alternando os tons branco e roxo. Além das plantações de café, encontramos abacaxis, beterrabas, couves com quase dois metros de altura e, especialmente notáveis, as orquídeas. Mais de cinquenta espécies de orquídeas selvagens adornam o cerrado, transformando o sítio em um jardim exuberante. Assim como as orquídeas, Dona Elisabete é uma mulher que resiste diante das adversidades, florescendo em meio a risadas que aquecem o coração.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *