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Foto: Sobreviva em São Paulo
– A senhora tem dez centavos pra me dar?
A pergunta saia repetidamente de uma boca rosinha, encontrada em um rosto pequeno e de pele escura. O menino estava sujo e maltrapilho, parecia um pouco incomodado com a sua própria situação. Mesmo assim, passava de mesa em mesa na sanduícheria do setor Oeste, pedindo um valor trezentas vezes menor do que o lanche mais barato vendido ali. Enquanto isso, eu, que o observava à distância, me perguntava olhando ao redor “cadê os pais desse garoto?”.
Mal sucedido porque raras vezes alguém interrompia uma mordida e levantava o olhar para dar-lhe atenção, não lhe restou outra alternativa senão pedir ao próprio gerente do lugar um alimento para o corpo. Eu o observava com curiosidade, afinal de contas, ele era só um menino e o gerente não parecia entusiasmado com o pedido. Vi alguns acenos de cabeça e julguei que o tivessem negado mais uma vez. Ele permaneceu ali, imóvel.
– Ele pediu lanche para vocês?, perguntei ao garçom.
– Sim, estamos fazendo e ele está esperando.
Alívio. Pelo menos ele tinha conseguido alguma coisa. Mas o seu olhar era tão vazio de alegria, o que não se espera de uma criança com 8 anos, que resisti me aproximar enquanto pude. E o diálogo se deu mais ou menos assim.
– Menino, qual é o seu nome?
– Luís Felipe.
– O meu é Vitória. Cadê seus pais?
– Minha mãe está pedindo moeda ali, e me mandou aqui pra pedir um lanche pra gente jantar.
A sorte estava com ele. Tinha mais chances de conseguir o sanduíche para dividir com a mãe porque seria quase impossível que alguém recusasse alimentar uma criança de rua.
Mas, até quando ele conseguiria? Quantos anos poderiam passar até que seu corpo tenha adquirido características de adulto e a sociedade pare de se sensibilizar com a sua condição?
Segundo o IBGE, até 2020, seis por cento da população brasileira convivia com a pobreza extrema: 13 milhões de homens, mulheres e crianças. A insegurança alimentar, que é “a falta de acesso regular e estável a alimentos suficientes e nutritivos para levar uma vida saudável”, faz ainda mais vítimas. Três anos atrás, eram mais de 21 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave e uma parcela ainda maior da população estava em algum nível de insegurança alimentar, seja moderado ou leve.
Quantas pessoas pedindo por moedas você encontra nas ruas? Quantos cartazes escritos em letras garrafais “TENHO FOME”, “PRECISO COMER” ou “TENHO FILHO” ainda cabem em Goiânia?
No microuniverso, Luís estava bem na minha frente e eu poderia ter intercedido por ele na gerência da sanduícheria, ou lhe pagado um lanche. No macrouniverso, a desigualdade de renda no Brasil deixa qualquer um de mãos atadas. O que poderia ser feito para resolver um problema social tão intrínseco a este país? Na hora, só consegui pensar em uma salvação.
– Você vai pra escola?
– Vou sim.
– Todos os dias?
– Todos os dias.