Diretor do filme ‘Anomalia’ fala sobre sua obra e a importância do audiovisual no cenário goiano

'Anomalia' foi selecionado para a 22° edição do 'Goiânia Mostra Curtas'. Ademais, cultura, cinema, pautas raciais e o que vem por trás do filme, do diretor Luis Ricardo Gondim, são debatidos.
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Luis Ricardo Gondim — assina suas obras como Raio —, é estudante de Cinema e Audiovisual pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), atua como diretor e roteirista, comandando o filme “Anomalia”, lançado em 2022. O projeto foi selecionado na 12ª Mostra de Cinema e Audiovisual (MAU), realizada pela UEG, sendo eleito como o melhor filme pelo Júri Popular e o segundo melhor pelo Júri Oficial. Ademais, foi também selecionado na 14ª Mostra de Cinema “O Amor, a Morte e as Paixões”, ocorrida no Centro Cultural Oscar Niemeyer. O filme também participou da 22ª edição do “Goiânia Mostra Curtas”, que ocorreu dos dias 3 a 8 de outubro.

Além de falar sobre a obra e seus detalhes de produção, pautas abordadas e sua história em si, o Lab Notícias discutiu com Raio a importância e os desafios que o audiovisual enfrenta na realidade goiana.

Irmãos Paulo e Silla, protagonistas do filme “Anomalia”. Foto: Hudson Cândido e Victoria Nolasco

Fernanda: Como goiano e produtor de conteúdo audiovisual, qual a importância de trazer a democratização ao acesso à cultura e lazer por meio de obras? 

Raio: A pergunta é muito boa! Para mim, é o objetivo final de tudo que a gente faz enquanto quem produz arte, sabe? E a entender primeiro que o acesso a esse tipo de arte em especial, que você precisa de um espaço pra poder assistir tudo, não é desenhado para que as pessoas tenham acesso. Então, a gente que tá dentro, que tá produzindo essas coisas, tem que pensar justamente em como disponibilizar isso. Falando disso, conseguir acessar essas coisas é pensar que, por exemplo, nos cinemas você tem os shoppings, mas não é todo mundo que consegue ir; tem o deslocamento, e dependendo de onde você mora é difícil de chegar… É claro que agora com a Internet a gente agiliza um pouco, mas não resolve os problemas que ainda tem. Acho que a gente tem que pensar primeiro que quando produzimos em todas as formas, inclusive em linguagem — é uma coisa que acho que eu estou correndo atrás de fazer —, tem que ser acessível pra todo mundo de todas as maneiras possíveis.

Fernanda: Em uma publicação no Instagram, foi exposto que não foram selecionados projetos goianos para o Laboratório de Roteiros Audiovisuais da 21ª edição do festival “Goiânia Mostra Curtas”. Como você e a equipe contornaram e denunciaram esse descaso? O que torna ainda mais importante apontar esses erros não só para o público, mas para quem convive nesse ambiente?

Raio: Tinham algumas cláusulas no edital que constavam algumas coisas, como vagas de diversidade, que tinham que ser de pessoas negras e LGBT+, e tinha uma cota que dentro dos filmes selecionados, uma porcentagem ia ser de realizadores de Goiás. Acabou que não cumpriram nenhuma das cotas… Aí é pensar que aqui a gente está num lugar que já não é um polo de produção, esses espaços de desenvolvimento de roteiro, especialmente de longa-metragem, já são raros e deveriam ser para a gente; aí vem alguém lá de fora que tem mais estrutura, tem mais experiência, mais carreira e consegue tomar essas vagas da gente mesmo previsto em edital, sabe? A galera não está nem aí. Foi assim que surgiu a postagem, a gente quis publicizar o negócio. Não deram muita atenção… Até corrigiram os selecionados, mas acabaram que eles ainda não estavam cumprindo o que estava no edital. No fim das contas, a gente conseguiu essa mudancinha mesmo que eles não acabaram cumprindo exatamente o que eles prometeram, né? A gente fez um barulho. Enfim, é melhor do que ficar parado. 

Cartaz da 22º edição do “Goiânia Mostra Curtas”. Imagem: Talles Lopes

Fernanda: Eu morava em “BH”, e quando cheguei aqui em Goiânia, eu fiquei muito [assutada] — não assustada, essa não é a palavra certa. Mas aqui eu não achava muita coisa dessa cultura, lá em “BH” tinha muito [produto] e era algo que eu consumia bastante. Vejo que aqui está crescendo agora, claro; quando eu cheguei, tinha uns 14 anos e eu já gostava muito [do audiovisual], só que não encontrava tantas coisas.

Raio: Não se produz muito pouco, mas menos do que em São Paulo e tudo, e tem isso também; nos últimos quatro anos, no governo de Bolsonaro, produziu menos ainda e quando tinha essas oportunidades, ainda acontecia esse tipo de coisa. É complicado, é um problema muito profundo.

Fernanda: Os festivais em que o filme participa/participou possuem uma diversidade de temas abordados nas obras apresentadas. Em “Anomalia”, a produção conseguiu trazer elementos da cultura goiana ou outra que seja prestigiada pelos membros da produção?

Raio: Sinceramente, eu acho que não especificamente. O filme não trata disso e não está tão na cara dele assim. Acho que para gente, aqui, é impossível produzir alguma coisa descolado dessa vivência de ser goiano, de alguma forma ou de outra tá ali! Agora, tem algumas outras preocupações que tenho e que gosto sempre de trabalhar é com protagonistas negros. Isso sozinho, mesmo que o filme não tenha nada a ver com temas raciais, já vira um debate.

Pôster do filme “Anomalia”, 2022. Foto: 17º Festival de Tágua de Cinema

Fernanda: Como a ideia do filme veio? Já havia algum rascunho antigo da produção dele ou você o estruturou num determinado e conseguinte tempo?

Raio: Eu já tinha a ideia há muito tempo; tem um diretor que eu gosto muito que ele se chama Yorgos Lanthimos — é um grego muito doido! Todos os filmes que ele faz, ele pega algo muito absurdo e coloca no filme como se fosse super normal. Um dos filmes dele que gosto muito se chama “O Lagosta”, e aí as pessoas que não se casarem depois de uma certa idade são transformadas em bicho e todo mundo trata isso super de boas. Eu tinha essa ideia desse absurdo, e eu gosto muito de ficção científica. Por algum motivo, a ideia me tocou durante a pandemia, de alguém virando um buraco-negro no quarto e transformar a casa dessa pessoa num laboratório de pesquisa, como se isso fosse um procedimento padrão. Igual eu falei, foi uma ideia que tive há muito tempo atrás, mas que só fui realizar ela numa matéria da faculdade. Foi até bom, porque deu para amadurecer muita coisa, pensar em mais referências e fazer mais filmes.

Fernanda: A invasão de privacidade por parte do governo é tratada através de qual perspectiva? Tem alguma crítica explícita para além do filme?

Raio: Não está diretamente no filme, mas se tratando de pessoas negras — outra preocupação que tive foi todos os funcionários do governo serem brancos —, existe uma relação de poder ali. A gente pensa, se fosse um casal de irmãos brancos naquela situação, talvez não faria tanto sentido, sabe? Ser tão normal alguém invadir aquele lugar e tomar o espaço todo. Não é consciente não, mas acaba acontecendo.

Fernanda: Você pretende fazer mais obras similares às temáticas tratadas em “Anomalia”?

Raio: Sim, eu gosto muito dos gêneros do horror, do terror. É isso o que eu gosto de fazer, acho que é um negócio que as pessoas digerem bem o tema e você consegue falar de muita coisa da maneira que é mais fácil das pessoas acessarem, por meio dessa abstração. Tudo o que quero produzir de agora em diante é com essa temática, dentro desse gênero. Por agora, tô tentando fazer meu filme do TCC — preciso formar, pelo amor de Deus, não aguento mais! É um filme de terror também e espero que todos os outros sejam.

Luis Ricardo Gondim, o diretor e roteirista Raio de “Anomailia”. Foto: Instagram 

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