Parlamento Jovem: “ser revolucionário não é destituir as instituições, é ser ponto de mudança, é avaliar os problemas reais e atuais e evoluir nesse sentido”

João Pedro Mascarenhas estuda História na Universidade Federal de Goiás, mas também é um Deputado Estadual no programa de simulação parlamentar da Assembleia Legislativa de Goiás
out 30, 2023 , , ,
Tempo de leitura: 9 min

No dia 17 de outubro, João Pedro foi duramente atacado e ameaçado por um deputado efetivo da Casa após discursar como liderança da oposição na solenidade de posse do Parlamento Jovem. O conflito foi acalorado e trouxe à Assembleia um debate sobre liberdade de expressão, confrontos políticos e do papel dos jovens frente a mudança social. Confira:

Corte do discurso de João Vitor em sua posse. (Reprodução do Instagram)

Lab Notícias: Quando você percebeu que tinha interesse por questões sociais e políticas? Como você se desenvolveu à partir disso?

João Pedro: Então, com onze anos de idade eu senti a necessidade de mobilizar né? A situação na época era uma campanha de doação de medula óssea que estava sendo encabeçada pelos bombeiros militares, por conta de uma bombeira que estava com leucemia. Um amigo meu, que era filho de um bombeiro me convidou pra participar e aí eu acabei meio que liderando a campanha, coloquei pessoas da minha escola, do meu bairro pra fazer parte, e a televisão apareceu e fizeram uma reportagem na época. Eu tinha onze anos e lembro que naquele dia o jornalista falou pra minha mãe que eu viraria político, que naquele momento parecia uma afirmação engraçada.

No mesmo ano organizei com meus amigos uma manifestação, feita só por crianças, por conta da praça que a gente brincava, que era muito antiga, estava em más condições. Então sempre houve esse interesse em pensar não só nos meus problemas mas também no interesse coletivo, e quando eu entro na universidade tenho um contato, quase que natural com o movimento estudantil, durante o governo Bolsonaro, onde houveram muitos cortes nas universidades, estive ligado ao movimento estudantil Correnteza, movimento que existe no Brasil inteiro, onde fui indicado para a diretoria da União Estadual dos Estudantes [UEE], depois eu saí do correnteza, entrei no PT e estive na UEE numa cadeira do partido mesmo e aí continuei essa luta até então. Mas a minha construção política também vem muito de uma construção orgânica, organizativa, de organizar um partido, organizar jovens.

LN: Como você se envolveu no Parlamento Jovem e o que o motivou a participar deste projeto de simulação legislativa?

João Pedro: Por ter vindo do movimento estudantil e por ter mudado um pouco da minha perspectiva da política, eu avaliei que era necessário ocupar outros espaços de juventude porque o movimento estudantil é um movimento político, majoritariamente jovem, mas essa juventude não costuma alcançar outros lugares, o da parte institucional da política, que também é muito importante, né? Então achei que era uma oportunidade pra me inserir nesse espaço.

LN: Como funciona esse processo de simulação do Parlamento Jovem?

João Pedro: O processo de simulação é muito parecido com a realidade, o que não é exato são a quantidade de partidos e membros nos partidos. Mas há uma divisão ali meio que ideológica ainda, um partido de direita, um de centro, um de esquerda, a participação continua nesse sentido de identificação, aquilo que você defende. Existem também as comissões temáticas, como a de justiça e redação, então tudo funciona normalmente, nós também articulamos, assim como na realidade, os cargos, a mesa diretora, quem será presidente, as barganhas, e a finalidade inclusive não é apenas ter essa experiência; também é aprovar um projeto de lei de cada deputado, com base no que construímos durante a simulação.

LN: Você acha que as experiências e propostas, feitas por parte do Parlamento Jovem, influenciam a visão e tomada de decisões dos deputados em mandato e do atual governador?

João Pedro: Então, acho que para cada pessoa isso é avaliado de uma maneira, pra mim eu acho que esse Parlamento Jovem, é uma experiência para nós, mas ele também deveria ser pedagógico e educativo para os deputados. Por exemplo, nós colocamos como pauta principal a necessidade de uma mulher na presidência da casa, algo que nunca aconteceu no parlamento real do Estado.

LN: Uma de suas propostas trouxe bastante repercussão logo na sessão de posse do parlamento. Ao comentar a falta de transparência e alta violência da PMGO em seus procedimentos, um deputado efetivo da Casa, no dia seguinte, proferiu ameaças e lhe agrediu verbalmente. Por qual motivo, na sua opinião, ele atacou diretamente você e com tanta veemência?

João Pedro: Acho que o choque desse deputado, vem muito por conta do abalo que a fala provoca, né? Foi um espaço de posse onde eu falaria enquanto oposição, e vi uma oportunidade de fazer uma denúncia de um problema real, com muita sinceridade, eu achava que aquela denúncia ficaria ali nas discussões do Parlamento jovem, não imaginei que ela extrapolaria para o parlamento efetivo, mas isso também não me assusta, no sentido de que: não foi ruim ter chegado até lá! Foi uma denúncia muito séria, de um problema real. Quem se ofendeu com o que foi dito, é justamente quem defende esse tipo de acontecimento que foi denunciado, logo foi demonstrado o quão problemático é essa situação.

Respondendo o porquê de ser eu, creio que está muito nesse lugar de, não só ser um jovem negro nesse espaço, mas também estar representando a oposição e ser a liderança do Partido dos Trabalhadores na simulação, o que para mim não é um problema, para mim é uma honra enfrentar a direita e a extrema direita e ser uma referência dentro do que represento.

LN: Você acha que esse tipo de comportamento dele pode afetar a liberdade de expressão sua e dos seus colegas?

João Pedro: Assim, não que não tenha me afetado, não me afetou em um lugar moral, de entender que o que eu disse é uma verdade posta pra sociedade, de que eu não cometi nenhum crime, não disse nenhuma mentira, mas politicamente me afetou muito por quê eu passei, e passo ainda, por uma sensação de limitação, de ter tido minha fala tolhida, de um cerceamento da democracia mesmo, pois eu fui convidado pra fazer uma fala de oposição na posse, é muito natural a oposição criticar o governo, então por que o que eu disse não poderia ser dito? Pode não concordar com o que eu digo, e isso é democracia, mas limitar que eu diga isso, como o deputado que queria a minha expulsão do parlamento, que limitasse a minha fala, então qual o sentido desse tipo de simulação? É um problema muito sério, de como eles veem a democracia, então é nesse sentido, politicamente afeta muito, se na posse foi assim, como será durante o restante da simulação?

LN: Houve algum tipo de amparo dos demais deputados da casa?

João Pedro: Tive muito apoio sim, que foram muito positivos, de outros deputados, não somente daqui da Assembleia, mas também deputados federais, de defensores públicos, de comissões de direitos humanos, de entidades estudantis. Já da coordenação do projeto houve um grande silêncio, e eu entendo, porque se eu, enquanto simulando, estava sofrendo essa perseguição, talvez se eles me defendessem com mais afinco também poderiam ser perseguidos, mas recebi todas as orientações necessárias, tomei uma chamada por ter falado o que eu falei por ser um discurso festivo, mas respondi que então eles não deviam ter me escolhido pois eu não deixaria de dizer o que devia ser dito.

LN: Quais outros desafios ou obstáculos você enfrentou ao participar deste projeto e como os superou?

João Pedro: Essa situação externa na verdade demonstra um problema interno da simulação, de como a extrema direita se comporta na simulação, essa postura de não preservar a democracia, de passar por cima do direito das pessoas, então acho que esse vai ser o grande desafio desse programa, fazer um enfrentamento direto a esse fascismo, esse neoliberalismo sujo. Meu medo é de que os direitos humanos sejam deixados de lado ou colocados na discussão de uma maneira negativa, então tudo isso é um desafio a se enfrentar.

LN: E pra você, qual é o papel dos jovens na promoção da mudança social e política em sua comunidade ou estado?

João Pedro: É um papel fundamental, desde que esse jovem enxergue essa responsabilidade. Existia um revolucionário que falava que “ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética” [Che Guevara], eu entendo, hoje pensando a realidade, que ser revolucionário não é destituir as instituições, é ser ponto de mudança, é avaliar os problemas reais e atuais e evoluir nesse sentido, evoluir nas discussões, pensar coisas novas mas como eu disse lá no começo eu tenho me frustrado nesse sentido, eu achava que a juventude, no geral, era mais disposta a mudar as coisas, creio que hoje somente parte dela está focada nisso.

LN: E por fim, quais são seus planos futuros? Você pretende continuar envolvido na política ou no ativismo?

João Pedro: Eu costumo dizer que adoraria não me importar com os problemas da sociedade, adoraria simplesmente não me importar. Acho que eu teria uma vida mais tranquila, livre de ameaças, dormiria mais tranquilo. Mas eu realmente não consigo, porque isso faz parte do meu caminho. Então eu não pretendendo abandonar a militância, as lutas políticas, a defesa dos direitos humanos, das pessoas, dos estudantes, dos jovens, da população negra, então isso está inerente a mim, faz parte da minha existência. Se eventualmente surgir uma oportunidade de uma candidatura, eu vislumbro em alguns cenários, mas não é algo que eu tenho grande foco nesse momento, eu sou professor, quero me formar, esse é meu foco nesse momento, mas sem abandonar essas questões, porque eu avalio que isso não pode ser um projeto de palanque né, acho que esse fim de alcançar uma legislatura de vereador, deputado, é seja reflexo de uma vida pública e política de lutas e de construções, então que seja algo natural, não algo pensado especificamente para isso.

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