As relações entre os animais e os seres humanos como mecanismo para a longevidade

Entenda como os animais podem auxiliar em tratamentos médicos ao proporcionarem uma melhor qualidade de vida aos pacientes e qual a legislação acerca desse assunto
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O termo Emocional Support Animals (ESAN) foi oficializado nos Estados Unidos para definir animais, em sua grande maioria cães, que auxiliam pessoas com transtornos psiquiátricos. A principal função do animal é oferecer companhia e afeto, além de tranquilizar o tutor em momentos que podem ser estressantes ou desconfortáveis, como praticar exercícios físicos ou socializar, já que o animal também pode facilitar a interação com outras pessoas, proporcionando assim uma maior qualidade de vida.

Uma pesquisa realizada pela Edelman Intelligence constatou que na troca de carinhos com cães e gatos, o organismo humano produz mais serotonina e ocitocina- hormônios responsáveis pelo humor. Além disso, a sensação de responsabilidade sobre outro ser vivo que demanda cuidados e atenção constantes, ajuda a manter a mente ativa, estimulando o sentimento de empatia.

Diferentemente dos cães de serviço mais conhecidos, como cães guia e cães policiais por exemplo, os cães de suporte emocional não necessitam de um adestramento intensivo e especializado, apenas de um treinamento básico de socialização. Para ter um cão de apoio emocional é necessário primeiro a emissão de um laudo médico psiquiátrico que comprove o diagnóstico do tutor, já que a legislação para esses animais se diferencia da legislação para pets de estimação comuns.

A advogada Lissandra Botteon, especialista em direito animal, explica que ainda não há uma lei federal que determine e delimite regras obrigatórias e uniformes em todo o território nacional: “Na ausência de lei federal, o que tem ocorrido é uma interpretação muito subjetiva do que seria um animal de suporte emocional. Não há norma federal, por exemplo, que oriente a respeito de quais espécies podem ser consideradas de assistência emocional, se independe o porte e o peso do animal, se este deve ser adestrado e como isto seria legitimado, se este deve estar identificado e qual a forma de identificação, quais os documentos que deve portar a pessoa em companhia de animal de assistência, dentre outras questões que necessitam de regulamentação. O conceito tem sido orientado, em grande parte das vezes, pelo que define a Portaria ANAC nº 12.307/SAS de 25 de agosto de 2023 que, em seu artigo 2º, inciso I, define ‘animal de assistência emocional’ como todo “animal de companhia, isento de agressividade, que ajuda o indivíduo a lidar com aspectos associados às condições de saúde emocional e mental, proporcionando conforto com sua presença.”

Lissandra esclarece que nos casos específicos como de transporte aéreo, por exemplo, a lei faculta às companhias áreas o transporte ou não de cães de suporte emocional, com termos de condições estabelecidos pelas próprias empresas e comunicados aos consumidores. A advogada também explica que em alguns estados, como no Rio de Janeiro, já existem leis estaduais que permitem a presença de cães de suporte emocional em estabelecimentos públicos ou privados de uso coletivo, em estabelecimentos comerciais e transportes públicos. Já na Paraíba, a lei estadual amplia os direitos a todos os animais de assistência emocional, não somente cães. Projetos que buscam uniformizar o tema estão em tramitação desde 2022 e foram aprovados no Senado.

Cães de serviço psiquiátrico

Em contraponto aos cães de apoio emocional, os cães de serviço psiquiátrico são treinados para executar trabalhos e fornecer respostas específicas para cada indivíduo. Dentre as tarefas mais comuns, podem ser citadas:

  • Terapia de pressão profunda- o animal deita sobre o condutor utilizando o peso corporal como pressão suave durante ataques de pânico;
  • Interromper e redirecionar- pode ajudar a limitar comportamentos obsessivos compulsivos, como automutilação;
  • Lembrete de medicamentos- pode ser treinado para buscar medicamentos ou tocar uma campainha de lembrete;
  • Estabilizar a rotina- auxilia o tutor na manutenção de hábitos saudáveis, impedindo-o de dormir além do habitual ou lembrando-o de executar atividades físicas diárias.

O adestrador profissional John Faiz, especialista em modificação comportamental canina, ressalta a importância de escolher um canil adequado com cães que tenham aptidão para serviços, nesse quesito algumas raças se sobressaem a outras, como Golden Retriever, Border Collie e Labrador. John explica que os cães precisam estar preparados para lidar com os sentimentos e frustrações, pois aprendem através de ações e reações. Caso não tenha o treinamento adequado, o cão pode dar uma resposta contrária a que o tutor necessita.

Douglas Barbosa, médico psiquiatra, argumenta que o vínculo dos seres humanos com os animais estreitou-se durante a história da humanidade e continua a evoluir, o que gera mudanças na sociedade e no entendimento científico a respeito dessas relações: “A busca por novos tratamentos mais eficazes com menores efeitos colaterais norteia estudos em todo o mundo. Porém, enquanto não se tornam acessíveis, os profissionais de saúde utilizam todos os recursos possíveis para promover qualidade nos tratamentos. Por isso, o uso de modalidades terapêuticas convencionais podem não ser suficientes. Visando proporcionar melhores resultados, profissionais de saúde utilizam várias modalidades terapêuticas adjuvantes.” Douglas também ressalta que estudos demonstraram que o tratamento com cães também pode trazer melhoras na qualidade de vida para pacientes portadores da doença de Alzheimer- transtorno neuropsiquiátrico que interfere na maneira de pensar e agir.

Existem diferentes tipos de cães de serviço psiquiátrico que atendem uma gama de transtornos e doenças invisíveis. Os cães de serviço psiquiátrico para estresse pós-traumático (TEPT) , por exemplo, auxiliam o indivíduo na recuperação de um episódio extremamente estressante ou de grande mudança na vida. Esse tipo de tratamento é muito comum entre ex militares e o conceito é bastante difundido nos Estados Unidos. Enquanto os cães de serviço psiquiátrico para depressão ou ansiedade crônica auxiliam os tutores na realização de tarefas cotidianas e na manutenção de uma vida mais ativa.

Este é o caso de Larissa Gabriely Oliveira, criadora de conteúdo digital, que recebeu o diagnóstico de depressão e ansiedade aos 11 anos de idade. Alguns anos depois, foi diagnosticada também com transtorno de pânico e borderline. Desde então, sofreu nove tentativas de suicídio, das quais quatro foi levada ao hospital. Foi quando ganhou a pitbull Gaya de presente para auxiliar no tratamento e evitar novas tentativas de suicídio. A indicação de ter um cão para suporte emocional foi da profissional que a acompanhava na época.

Larissa conta que antes de ganhar Gaya, havia procurado por outras diferentes raças de cachorro em diversos canis de confiança, mas que sempre foi apaixonada por pitbulls: “Eu precisava de um cão que ao ajudar a me acalmar, soubesse como colocar força da maneira correta quando fizesse terapia de pressão ou só deitasse na minha mão e impedisse que eu tentasse me machucar, que conseguisse me tirar de algum lugar quando eu entrasse em pânico e ao mesmo tempo um cão que as pessoas não quisessem ficar o tempo todo em cima por ser “bonitinho”. Eu digo para conhecidos que se eu tivesse um Golden, eu entraria muito mais em pânico por ter que lidar com as pessoas vindo em cima a todo momento.”

Inicialmente, Gaya chegou para ser cão de suporte emocional e começou a ser adestrada a partir dos primeiros 50 dias de vida. Após quase um ano juntas, a pitbull já era capaz de executar terapia de pressão, fazer alertas e ajudar Larissa a andar sem perder o equilíbrio. Algum tempo depois, uma nova profissional que começou a acompanhar o caso de Larissa, percebeu que Gaya era capaz de ser um cão de suporte psiquiátrico e frequentar lugares não pet-friendly. Desde então, com a ajuda de um adestrador capacitado e a mudança do laudo médico, Gaya tornou-se um cão de serviço.

“Com a chegada da Gaya, toda a ajuda dela e o fato de eu ter que ter um compromisso com os treinos minhas crises diminuíram bastante, ela me incentivou e me ajudou muitas vezes a levantar da cama em momento em que eu não queria, ela literalmente ia e me tirava da cama nem que fosse pra sentar na frente de casa com ela. Hoje em dia, as tarefas que ela faz são: terapia de pressão, alerta, impede que eu me machuque, condução e recentemente aprendeu a buscar.” Relata Larissa.

A pitbull Gaya frequenta transporte público, mercados, clínicas de saúde e lugares não pet-friendly. Foto/Reprodução: Larissa Gabriely Oliveira

A criadora de conteúdo digital diz ainda sofrer com o estigma relacionado ao tratamento com cães de serviço psiquiátrico e com o preconceito relacionado a raça pitbull, pois mesmo portando o laudo médico como comprovação e Gaya ser capaz de atender todas as demandas necessárias, muitas pessoas não encaram a situação com a devida seriedade. Conta também que esse foi um dos motivos pelo qual resolveu compartilhar sua rotina nas redes sociais: “Não é todo dia que se vê um pitbull como cão de assistência.”

Intervenções Assistidas por Animais

A IAA, sigla para Intervenção Assistida por Animais, é uma prática que utiliza o contato de animais com seres humanos para obter benefícios no âmbito da saúde, da educação e das organizações sociais. Para a realização dessas atividades, os animais passam por uma seleção e avaliação veterinária regularmente para garantir o bem-estar de toda a equipe e dos pacientes.

A Escola de Veterinária e Zootecnia, em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de Goiás desenvolveram um projeto de extensão de Terapia Assistida por Animais. A professora doutora Alessandra Naghettini, coordenadora do projeto, explica que a intervenção animal é uma proposta terapêutica comportamental não medicamentosa que pode trazer diversos benefícios para os pacientes de diversos quadros clínicos. O projeto conta com tutores voluntários que cadastram seus animais, e após passarem por uma avaliação, recebem um cronograma de visitas hospitalares.

A mestranda do Programa de Pós Graduação em Ensino na Saúde da UFG, Karina Diniz, relata que a sua experiência com o tema começou ainda na graduação quando participou do projeto “Pelo Próximo”, no Rio de Janeiro. O projeto abrange diversas instituições no Rio, com visitas a cada 15 dias. Relata que sua ideal inicial para o mestrado era falar sobre o que vivenciou durante a residência no hospital de contato da IAA com pacientes oncológicos e em cuidados paliativos, mas que agora sua pesquisa tem foco na saúde mental dos estudantes utilizando a Intervenção Assistida por Animais.

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