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Paloma Guitararra, licenciada e bacharel em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e mestre em Geografia na área de Análise Ambiental e Dinâmica Territorial, também pela UNICAMP, em reportagem para a UOL, empresa brasileira de conteúdo, serviços e produtos da web, define Inteligência Artificial como “um campo da ciência da computação que se dedica ao estudo e ao desenvolvimento de máquinas e programas computacionais capazes de reproduzir o comportamento humano na tomada de decisões e na realização de tarefas, desde as mais simples até as mais complexas”.
A professora ainda ressalta que a Inteligência Artificial é importante na sociedade contemporânea devido aos avanços significativos para diferentes campos do conhecimento e da prática, como na informática, na economia, nos transportes, na comunicação e principalmente na medicina.
Nessa ótica, as universidades brasileiras têm procurado avançar seus estudos e pesquisas utilizando técnicas da Inteligência Artificial como ferramentas práticas. Na área da saúde, especificamente na de Farmácia, o uso da IA permite que os processos de desenvolvimento de medicamentos se tornem sólidos e claros, com grande capacidade de reunir dados dentre milhares de informações, até analisar sequências de aminoácidos de proteínas, de modo a identificar aquelas que melhor interagem com moléculas candidatas a novas drogas.
Para debater sobre o tema dentro da nossa realidade, em relação ao ambiente educacional-científico da Universidade Federal de Goiás (UFG), o Lab Notícias trouxe Victoria Ferreira Cabral, biotecnologista e mestranda em Ciências Farmacêuticas, no grupo de pesquisa do Laboratório de Planejamento de Fármacos e Modelagem Molecular (LabMol), também pela UFG, dialogando sobre o desenvolvimento de fármacos com uso de Inteligência Artificial na Universidade.
LN: Em que a utilização de Inteligência Artificial auxilia no desenvolvimento de novos fármacos?
Victoria: O processo de desenvolvimento de um novo fármaco pode levar até 15 anos, desde a descoberta da molécula a ser utilizada com potencial atividade, até a sua regulamentação em agências como a ANIVSA. Em termos de investimentos neste processo, são estimados mais de 2,5 bilhões de dólares para que um novo fármaco chegue ao mercado, o qual demanda tempo, pessoal especializado, alto investimento em pesquisas relacionadas à inovação, tecnologia, gerenciamento em processos de P&D. Cada fármaco novo passa por um processo rigoroso de testes in vitro, in vivo e depois em humanos, e é aí que entra o uso da inteligência artificial, ou o que chamamos de métodos computacionais ou in silico. A inteligência artificial tem como principal foco a diminuição de tempo, investimento e principalmente a redução do uso de animais em testes pré-clínicos, que infelizmente até hoje são necessários em alguns casos. Isso tudo acontece devido à capacidade de se diminuir os erros mais extremos nas primeiras etapas da cadeia de desenvolvimento dos fármacos, como, por exemplo, eliminar compostos que são altamente tóxicos ou compostos que nem mesmo teriam atividade biológica na doença ou microrganismo em foco. Essas metodologias computacionais foram utilizadas recentemente para a descoberta de um fármaco capaz de inibir, ou parar a atividade, de uma proteína do SARS-CoV-2, causador da COVID-19, é da empresa japonesa Shinogi em parceria com universidades japonesas. Temos também diversos modelos de IA, os chamados modelos QSAR, que predizem características específicas de moléculas, como a toxicidade.
LN: Desde quando a UFG utiliza esse método? É algo novo?
Victoria: O LabMol nasceu ainda em março de 2009 quando a Professora Carolina Horta Andrade deu início ao laboratório, na Faculdade de Farmácia, quando ainda ficava localizado no que é hoje a Faculdade de Odontologia, com a utilização de metodologias computacionais no desenvolvimento de fármacos. Desde muito cedo, o laboratório tem como foco essa otimização do processo de desenvolvimento de fármacos, principalmente para doenças comuns no Brasil, como Malária, Dengue, Zika, Chikungunya, Tuberculose, e mais recentemente para COVID-19.
LN: Quais foram as principais dificuldades em implementar este método?
Victoria: Atualmente, o método tem como principal dificuldade a necessidade de dados em grande quantidade e de qualidade. Por muitas vezes temos o conceito do desenvolvimento do algoritmo para a IA, mas nos faltam dados experimentais, algo com que o nosso modelo de IA possa aprender, para depois ajudar. Felizmente, essas técnicas já são reconhecidas por órgãos internacionais responsáveis pela fiscalização e regulamentação de produtos químicos, pesticidas, fármacos e cosméticos, como a OECD, FDA, EPA e ECHA. Nosso maior gargalo é o acesso aos dados, que na maioria das vezes ficam retidos em indústrias e empresas.
LN: Quais resultados já são possíveis destacar?
Victoria: No primeiro link que aparece no Google quando você digita “LabMol”, tem algumas plataformas que usam IA para a predição de características importantes de moléculas químicas, como, por exemplo, a sensibilização dérmica, a cardiotoxicidade, a citotoxicidade e uma plataforma interativa que o próprio usuário pode fazer seu modelo de IA utilizando os seus próprios dados, com as características que o estudo ou pesquisa precise. Lançamos, recentemente, a plataforma de modelos de inteligência artificial “LabMol InsightAI”, em que ficam os modelos de inteligência artificial já desenvolvidos pelo laboratório, incluindo o Pred-hERG, para verificar se as moléculas são tóxicas para o coração; o Pred-Skin, para sensibilização na pele de produtos cosméticos, o Cyto-Safe para análise de toxicidade em células, e o QSAR-Lit, que permite ao usuário a construção do seu próprio modelo de IA.
LN: Qual o impacto que o uso de Inteligência Artificial pode ter no consumidor desses fármacos? O preço desses medicamentos pode diminuir? Ou tendem a aumentar devido aos investimentos?
Victoria: O uso das metodologias computacionais tem como principal consequência a diminuição do custo, pois torna esse processo mais ágil, com maior taxa de acerto e, por consequência, reduz os custos. Então, a consequência direta do emprego da IA é a diminuição do valor do medicamento, pois o investimento seria menor e com menor tempo de pesquisa. Não só isso, mas muitas das vezes essas metodologias são utilizadas para as chamadas doenças negligenciadas, que por muitas vezes não tem o investimento necessário, e recorrem às metodologias alternativas, como as computacionais, para buscar um fármaco capaz de impedir mais mortes ou casos graves de doenças comuns no nosso dia-a-dia, como a febre-amarela, por exemplo.
LN: Como funcionaria a implementação desse tipo de pesquisa no SUS, por exemplo?
Victoria: Tem uma frase que a Professora Carolina fala no laboratório que explica muito bem a necessidade dessa busca por fármacos novos: “Precisamos de fármacos que falam português”, e essa é uma realidade muito próxima de todos nós. Os genéricos já são uma medida muito importante no acesso ao tratamento de pacientes, entretanto para alguns fármacos mais atuais, nós só temos acesso ao medicamente de referência, que na maioria das vezes está longe da condição financeira do brasileiro. Por isso, ter um fármaco brasileiro, com custo reduzido, tempo de desenvolvimento menor e com pesquisas direcionadas para doenças comuns ao país é de suma importância para que em hospitais como o HDT, Hospital das Clínicas, Araújo Jorge, HUGO e HUGOL possam oferecer aos pacientes fármacos mais atuais, mais baratos, tanto para o hospital quanto para o paciente em tratamento contínuo, e possibilitar ao paciente que depende de instituições como o Juarez Barbosa a não vivenciar a falta do remédio, o atraso ou até processos judiciais longos e onerosos para garantir o acesso ao fármaco. Isso tudo só pode acontecer se houver a evolução e inovação lá na ponta da cadeia de produção, o que hoje pode ser feito pela capacidade de processamento computacional, Inteligência Artificial e junção de diversas áreas de conhecimento.