‘Além da limpeza da cidade e da sustentabilidade, tem como objetivo de sobrevivência’: responsável por reciclagem enfatiza o papel da prática no dia a dia

Vitória Nepomuceno, 27, diretora administrativa e comercial na empresa Delta Reciclagem, fala da importância de ações sustentáveis e do valor econômico que a prática de reciclar exerce no desenvolvimento e cotidiano da população, principalmente, marginalizada
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A reciclagem é essencial na busca por um futuro sustentável e na preservação do meio ambiente. Sobretudo, após os fenômenos da obsolescência programada e do consumismo desenfreado, no qual a aquisição de um bem muitas vezes ocorre sem uma necessidade real.

Obsolescência programada

Produtos projetados para se deteriorar após um curto período de uso. Isto é, possuem uma vida útil limitada, resultando em sua inutilização e descarte, mesmo quando ainda estão em boas condições. Isso ocorre muitas vezes devido ao surgimento de versões mais avançadas ou, simplesmente, por saírem de moda.

Além da poluição geral causada pelo descarte inadequado de objetos, a má gestão de resíduos tem efeito direto na saúde da população, que depende intrinsecamente do meio ambiente para viver. Com a degradação ambiental recorrente, isso se torna um problema. Destacando, assim, a urgência de abordar práticas sustentáveis e meios de se obter um descarte responsável.

Dividir os resíduos entre o lixo seco [que pode se tornar reciclado] e o lixo orgânico é um ato acessível que pode ser realizado no cotidiano de casas. Essa atitude, apesar de simples, é grande se tratando desse assunto, pois desempenha um papel vital na diminuição da poluição e na preservação do ecossistema.

A prática de reciclar vai além do simples ato de separar objetos que não são “úteis”. Tal atitude representa uma mudança na maneira como as pessoas lidam com o que descartam. Reduzir o desperdício, ter um consumo consciente e usar menos dos recursos naturais, transformando materiais descartados em novos produtos é o que o planeta e a sobrevivência do nosso meio de vida precisa para continuar a existir.

Para mais, tal atividade é uma engrenagem da economia, como também, responsável por gerar emprego aos que trabalham na área. O reaproveitamento é um atuante presente na vida daqueles que muitas vezes são deixados à margem, trazendo consigo uma perspectiva social e não apenas ambiental.

símbolos que envolvem a reciclagem | Fonte: Flickr

LabNotícias (LN): Muitas pessoas visualizam a reciclagem só como um meio de reutilizar um objeto descartado. De que maneira a prática da reciclagem vai além do “simples” ato de selecionar objetos descartados?

Vitória Nepomuceno: Realmente a grande maioria das pessoas têm essa visão que a reciclagem é só uma reutilização de um produto que não tem mais serventia, ou de um material que não tem mais valor para a sua finalidade. Só que a reciclagem vai muito além disso, ela também garante uma fonte de renda para várias pessoas, catadores, outras empresas que vivem também da reciclagem e principalmente moradores de rua que não têm condições específicas, não têm uma condição boa, que utilizam a reciclagem como meio de sobrevivência. Então isso é um ponto extremamente importante! Pois, além da limpeza da cidade, dessa reutilização de materiais e também da sustentabilidade, tem também como objetivo de sobrevivência.

LN: A empresa Delta de reciclagem foi criada por meio de alguma iniciativa particular que visava ajudar na questão ambiental referente ao descarte contínuo de materiais que podem ser reutilizados?

Vitória Nepomuceno: A Delta Reciclagem surgiu de um empreendimento familiar mesmo. Há muitos anos, não sei dizer há quanto tempo, o seu Eurípides, que atualmente é o meu sogro, começou a trabalhar com reciclagem, começou trabalhando em uma empresa de reciclagem e posteriormente começou a fazer a própria reciclagem de materiais.

 Ele abriu a própria empresa justamente para começar a sobreviver, a viver e também para ajudar nessas questões sociais, como os catadores, por exemplo.

 Hoje a Delta Reciclagem em si foi criada há três anos, vai fazer quatro anos agora, e ela começou com uma iniciativa diferente da reciclagem que antes era feita em família. Antigamente era feita reciclagem apenas de ferro, e hoje nós trabalhamos com vários tipos de materiais, como alumínios em geral, latinhas, PETs,  vários tipos de plásticos, papelão e além também dos metais.

Um material com um ciclo rápido de reutilização | Fonte: Acervo pessoal

LN: No Instagram percebe-se a preocupação de vocês na questão ambiental e de explicar às pessoas de fora a relevância do reutilizar. No contexto atual em que vivemos, qual é a importância da reciclagem diante de questões como o consumismo desenfreado ou do problema que é a obsolescência programada?

Vitória Nepomuceno: Sim! Nós nos preocupamos muito com a questão ambiental, porque hoje, o descarte de resíduos é gigante. E, também tem muitos produtos que, apesar de falarem que é um material reciclável, por exemplo, alguns tipos de plásticos, na prática não são 100% reaproveitáveis. 

Há muitos plásticos utilizados na indústria hoje em dia, justamente nessa questão da obsolescência programada, na qual os materiais não são 100% recicláveis, apesar de falarem que são. Na prática, quando mandamos para a fundição, quando vamos fazer a reciclagem desses materiais, é muito difícil de realizar esse processo dos produtos que são feitos hoje [eletrônicos ou eletrodomésticos].

 Um grande ponto nessa questão da obsolescência programada é que os materiais antigos como: geladeiras ou eletrodomésticos realmente eram feitos para durar mais. Tanto é que você vê diferença na qualidade dos produtos que chegam para a gente. Quando são antigos, eles são de uma qualidade melhor, são 100% recicláveis, já os de hoje, os materiais são de uma fragilidade maior e não são 100% recicláveis. 

Então, o consumismo desenfreado, sim, dificulta a reciclagem, justamente porque os produtos atuais não são totalmente recicláveis. Então, temos essa dificuldade com produtos que estão vindo e não têm onde realizar a sua reciclagem.

LN: A reciclagem contribui para a economia circular, seja da base, por exemplo, com trocados que crianças conseguem a partir de latinhas que venderam ou de uma forma mais abrangente, como a criação de empregos. Poderia falar um pouco sobre como funciona o papel econômico da reciclagem em uma empresa como a de vocês?

Vitória Nepomuceno: O papel econômico da nossa empresa é uma ponte entre recicláveis e fundição. O produto está na prateleira, as pessoas consomem o produto, realizam o descarte deste produto. Com o descarte, nós o compramos, seja de catadores, seja de outras empresas que também fazem reciclagem por meio de coletas em residências etc.Nós compramos dessas pessoas ou CNPJs e enviamos direto para a fundição, ou seja, o material que nós compramos aqui são enviados para ter sua reutilização.

Para ter uma noção, a latinha é um dos produtos mais fortes aqui, várias crianças inclusive fazem a reciclagem de latinha, é o carro-chefe. O processamento dela de estar de volta à prateleira, por exemplo, é de 90 dias. A latinha é hoje o alumínio mais reciclável do Brasil, chegando em torno de 98% a reciclagem nos últimos anos e é o produto com maior giro, maior facilidade de reciclagem, então essa é a nossa função, fazer essa ponte entre quem pega o descarte para a fundição, para a empresa que vai realizar um novo produto com aquele material.

Um pouco do processo de reciclagem do alumínio | Fonte: Acervo pessoal

LN: Como ocorre a coleta seletiva e todo o processo?

Vitória Nepomuceno: Tem que ver a fabricação do produto, vamos fazer o pressuposto da latinha. Ela está na prateleira do supermercado, a pessoa consome, depois do consumo ocorre o descarte dessa latinha. Após esse descarte, é onde entram empresas de reciclagem.

Nós compramos esse descarte e enviamos para a fundição para a transformação dessa latinha, desse material, em matéria-prima. Após essa transformação em matéria-prima, ocorre a fabricação novamente do refrigerante, que volta para a prateleira, e que por fim vai novamente para a casa do consumidor.

Ciclo de Reciclagem | Infográfico: Natália Eduarda

LN: Quais materiais podem ser reciclados e como realizar a separação correta? Por exemplo, o vidro é um material que pode ser reutilizado, entretanto, não são todos que podem. Você poderia oferecer orientações para uma pessoa que não trabalha com isso e queira adotar práticas sustentáveis a como fazer a identificação e separação correta, mostrando critérios simples que ela pode usar para selecionar?

Vitória Nepomuceno: Assim, o básico seria realmente os materiais no geral. Diferenciar papel, metal, plástico e vidro. Nós trabalhamos muito com o plástico e com o metal. Então, quando a pessoa traz aqui o material já separado, por exemplo, plástico, nós fazemos a separação do plástico dentro das possibilidades que tem. 

Porque são diferentes os tipos. Tem garrafa PET, tem PVC, tem vários tipos de plástico que não podem ir juntos. Mas, de maneira geral, uma pessoa que não trabalha com isso, fazer a separação dos principais como papel, metal, plástico e vidro é um começo.

LN: A o optarmos por reciclar, estamos contribuindo diretamente para a redução da quantidade de lixo, além de economizar os recursos naturais que são extremamente importantes. Como se sente sobre isso? Quais reflexões esse fato te provoca e teve alguma influência na sua decisão de trabalhar nesse ramo?

Vitória Nepomuceno: Isso é muito gratificante, essa questão da reciclagem. Porque é até “engraçado” quando vemos o preço dos materiais caindo e ainda sim, por exemplo, você ver que as pessoas estão reciclando, pegando um material para fazer essa reciclagem, e a gente contribui com isso. Apesar de que, no ano passado, e neste ano, depois da pandemia, mesmo que ainda não tenhamos saído da pandemia, teve uma queda drástica nos materiais recicláveis para vendermos.

LN: Quais são os principais desafios que vocês enfrentam hoje? Considera que a busca por reciclar materiais descartados é um problema?

Vitória Nepomuceno: Hoje o principal desafio é justamente a captação de materiais recicláveis. É essa busca de materiais recicláveis o grande problema aqui da empresa, porque dependemos das pessoas em ter a iniciativa de reciclar. 

Por exemplo, no ano passado, a reciclagem de papelão, o papel em si, teve uma queda drástica. Então, o preço desses materiais cai, fica ruim para trabalharmos, porque os catadores, as pessoas, não têm incentivo para estar reciclando. E você vê uma quantidade gigante de papelão pela rua, de plástico também, pois o plástico também caiu. Então, se vê uma quantidade grande de plástico, porque acaba que não é um incentivo para as pessoas catarem, para reciclarem.

A iniciativa e a conscientização de reciclar hoje está muito difícil. A grande maioria das pessoas que vêm aqui hoje é por necessidade, não por conscientização. Vamos supor que 80% das nossas compras é justamente da pessoa que utiliza a reciclagem como uma fonte de renda e não como uma forma de conscientização. Hoje essa é a nossa maior dificuldade.

LN: E por último, pode destacar um exemplo específico de como o reaproveitamento reduz o lixo que assola a natureza?

Um exemplo específico de como essa questão do reaproveitamento é essencial é que quando não se vê necessidade, por exemplo, financeira de estar reciclando, como é o caso que falei dos papelões, faz com que a quantidade de entulho na rua aumente significativamente. Então, a questão do lixo, os resíduos que as pessoas geram e não reaproveitam, com certeza, assola a natureza, tanto que você vê bueiros entupidos de plásticos e lixo que poderiam estar sendo reaproveitados e não foram.

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