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855%. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, este número alarmante representa o crescimento das denúncias de abandono de idosos no ano de 2023. Embora seja um tema pouco debatido, as estatísticas falam cada vez mais alto: entre janeiro e maio de 2023 foram mais de 20.000 casos registrados. Neste mesmo período, em 2022, foram 2.092 denúncias feitas.

Visando entender e se aprofundar neste assunto tão importante, o Lab Notícias entrou em contato com a enfermeira Auta Ferreira, que por 17 anos tem trabalhado com os idosos da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, oferencendo, além de assistência espiritual, enfermagem assistencial em domicílio.

Lab Notícias: Como esta questão se mostrando cada vez mais frequente e alarmante, na sua visão quais são as principais causas do abandono de idosos?

Auta Ferreira: Pelas minhas experiências pessoais e profissionais creio que uma das causas, está na própria família que não ensinou seus familiares a cuidarem dos seus parentes idosos. Além de conflitos familiares não resolvidos, dificuldade financeira, intolerância dos próprios idosos em receber os cuidados que a família se dispõe a oferecer. É muito comum a falta de tempo, não trazendo assim a dedicação necessária para os cuidados. Muitas vezes a família não tem paciência e informação para como lidar com este tipo de situação, chegando a ocasionar em um abandono.

Lab Notícias: Quais são os sinais de alerta que podem indicar que um idoso está sendo vítima de abandono?

Auta Ferreira: Os principais sinais é quando o idoso está confuso no falar, na higiene pessoal. Apresenta um quadro de tristeza profunda, pouco motivado, se encontrando isolado, sem interagir com outras pessoas. Neste tipo de situação, é comum o idoso não se alimentar adequadamente ou se recusar a comer. Além de não tomar suas medicações corretamente, podendo aparentar uma certa agressividade.

Lab Notícias: Quais são os desafios legais enfrentados ao lidar com casos de abandono de idosos?

Auta Ferreira: No trabalho que exerço procuro, junto com a família, alertá-los a respeito de suas responsabilidades e auxílio a cumprirem as suas responsabilidades para com o idoso, lembrando da legislação. A Central Judicial do Idoso, com o propósito de instruir as pessoas com 60 anos ou mais acerca de seus direitos, lembra que o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) traz proteção contra o abandono.

A Lei prescreve como crime, em seu artigo 98, “abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado”. A pena prescrita para essa conduta é de detenção de 6 meses a 3 anos e multa.

No que diz respeito a habitação, estabelece o artigo 37 que “o idoso tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada”. Em seu parágrafo 1º, explica que “a assistência integral na modalidade de entidade de longa permanência será prestada quando verificada inexistência de grupo familiar, casa-lar, abandono ou carência de recursos financeiros próprios ou da família”. A norma ainda estabelece que “toda instituição dedicada ao atendimento ao idoso fica obrigada a manter identificação externa visível, sob pena de interdição, além de atender toda a legislação pertinente”, e também que “as instituições que abrigarem idosos são obrigadas a manter padrões de habitação compatíveis com as necessidades deles, bem como provê-los com alimentação regular e higiene indispensáveis às normas sanitárias e com estas condizentes, sob as penas da lei”.

O artigo 38 prossegue explicando que “nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria”. O artigo explicita a “reserva de pelo menos 3% das unidades habitacionais residenciais para atendimento aos idosos”, a “implantação de equipamentos urbanos comunitários voltados ao idoso”, a “eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, para garantia de acessibilidade ao idoso” e os “critérios de financiamento compatíveis com os rendimentos de aposentadoria e pensão”. A norma ainda tem o cuidado de ressaltar que “as unidades residenciais reservadas para atendimento a idosos devem situar-se, preferencialmente, no pavimento térreo”.

Lab Notícias: Que medidas preventivas podem ser implementadas para evitar o abandono de idosos?

Auta Ferreira: A princípio, o idoso precisa ter consciência de que ele é um idoso, e precisa mudar seu ritmo de vida, necessitando de cuidados pessoais, familiares e de terceiros. Seus familiares precisam manter uma rotina de visitas, promover socialização por meio de locais apropriados para idosos ou pessoas preparadas para tal função.

Lab Notícias: Como as instituições de assistência social podem desempenhar um papel mais eficaz na prevenção do abandono de idosos?

Auta Ferreira: As instituições de Assistência Social podem trabalhar diretamente com o idoso oferecendo auxílio para que haja o auto-cuidado, oferecer aos familiares suporte psicológico e orientação nos cuidados para com seu familiar idoso. Com isso, fortalecendo os vínculos familiares, evitando até mesmo um possível abandono.

Lab Notícias: Como as comunidades podem criar redes de apoio para os idosos e suas famílias, a fim de reduzir o risco de abandono?

Auta Ferreira: A rede da qual se está falando deve ser formada, nos municípios maiores, por Promotoria do Idoso, Vara do Idoso, Defensoria do idoso, Conselho de Direitos do Idoso, atendimento domiciliar ao idoso, residência temporária para idosos vítimas de violência, Centro-dia para atendimento de idosos. O risco de abandono diminui a partir disso, divulgando, oferencendo ajuda e uma rede de acolhimento.

Lab Notícias: Quais são os impactos psicológicos do abandono de idosos e como podem ser tratados?

Auta Ferreira: Muitos idosos apresentam quadros de depressão profunda e outras doenças emocionais. O abandono de idosos pelos filhos é algo que pode causar traumas extremamente profundos e duradouros nas vítimas. A sensação de serem rejeitados por seus próprios filhos pode levar a uma série de consequências psicológicas adversas, como depressão, ansiedade, solidão e baixa autoestima. Além disso, a falta de apoio emocional e social proveniente dos filhos pode levar a um declínio considerável na saúde mental e física dos idosos. A solidão resultante do abandono pode contribuir para problemas como, insônia, risco de doenças cardiovasculares, diminuição da qualidade de vida. Outro ponto importante é que a interação familiar é uma fonte crucial de conexão emocional para os idosos, e a privação dessa interação também pode ter um impacto significativo em seu bem-estar.

Lab Notícias: Quais são as melhores práticas para incentivar a responsabilidade filial e o cuidado adequado dos idosos dentro da família?

Auta Ferreira: Voltar às raízes. Reaprender a ouvir, respeitar e compreender que embora idosos, eles continuam sendo nossos pais, nossos avós, nossos tios. Com autonomia ou não, precisam de cuidados com toda paciência e respeito que pudermos proporcionar. Cumprindo assim, o verdadeiro papel de família.

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