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Ana Tereza do Vale
Foto: Px Here

O uso de animais em testes laboratoriais é amplamente debatido em todo o mundo, no Brasil, no início de Março de 2023, entrou em vigor a Resolução nº 58 determinada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal. Onde regulamenta a proibição de animais vertebrados, com exceção de seres humanos, utilizados em laboratório para o desenvolvimento, testagem ou controle nas mercadorias supracitadas. Além disso, a resolução prevê novas práticas para o teste de produtos de higiene e cosméticos em animais.

A professora do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, que foi coordenadora e, atualmente, membro da Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) na UFG, Marina Pacheco Miguel, conversou com o Lab Notícias sobre a Resolução nº 58, os princípios éticos, o que mudou no cenário do uso dos animais em pesquisas e como se dá o processo de pesquisas com animais na UFG.

O que é a experimentação laboratorial em animais?

Marina: A experimentação com animais de laboratório, a forma mais comum de ser designada, corresponde a todas as pesquisas, testes e práticas didáticas que necessitam da utilização de animais para obter os resultados de um determinado objetivo ou responder/confirmar alguma hipótese ou permitir o aprimoramento do conhecimento em uma determinada área biomédica, principalmente, da saúde, veterinária e zootecnia. Os animais de laboratório são qualquer espécie animal, em destaque, vertebrados, que são mantidos em ambientes adequados para cumprir essas finalidades acima mencionadas. Assim, camundongos, ratos e coelhos são considerados animais de laboratório, assim como, qualquer outra espécie, como cães, gatos, bovinos que são empregados em pesquisa científica, testes e ensino.

Quem/qual órgão regulamenta o uso de animais?

Marina: O uso de animais com a finalidade de pesquisa, teste e ensino é regulamentado pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), um órgão integrante da estrutura do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o qual é uma instância Colegiada multidisciplinar de caráter normativo, consultivo, deliberativo e recursal para tratar de assuntos relacionados a procedimentos de uso científico de animais. Assim, o CONCEA tem como um dos seus deveres controlar o uso de animais para essas finalidades e definir as Resoluções Normativas para tal. Nas instituições que realizam as atividades, as Comissões de ética no Uso de Animais cumprem, entre seus deveres, as atividades de controle do uso de animais e repassam as informações locais ao CONCEA. Portanto, hoje, todas as instituições que utilizam animais obrigatoriamente devem ter CEUA constituída para avaliação de protocolos/solicitações de uso de animais e para a verificação de como esses animais são utilizados. 

Quais códigos são utilizados para essa ação no Brasil?

Marina: Essa pergunta permite complementar a resposta anterior no sentido de que é importante considerar que a CEUA faz suas atividades de acordo com a Lei 11.794 e com as Resoluções Normativas do CONCEA. Em 2008, foi aprovada a Lei Arouca, a qual permitiu mudanças profundas no cenário da utilização de animais para fins científicos e didáticos no Brasil, em especial, após a aprovação do Decreto 6.899 de 2009 e a implementação do CONCEA. Portanto, a Lei e todos as Resoluções Normativas do CONCEA são utilizados para definir a forma de utilizar animais vertebrados para tais finalidades.

Qual é a relação desses códigos com a criação da Resolução 58?

Marina: A Resolução Normativa 58 é uma das resoluções que o CONCEA formulou e aprovou para garantir o cumprimento do uso humanitário e ético de animais para testes e pesquisa científica.

Por que a Resolução nº 58 proíbe esses experimentos apenas para a produção de cosméticos e produtos de higiene?

Marina: Essa é a finalidade desta resolução, tratar dessa questão que é palco de discussão e polêmica em várias partes do mundo. No entanto, outras Resoluções Normativas trazem normas para outras questões quanto à utilização de animais para fins didáticos e científicos.

Quais princípios embasaram a regulamentação da experimentação animal da forma como ela é hoje no Brasil?

Marina: A Lei Arouca, o Decreto e as Resoluções normativas são baseadas em princípios éticos reconhecidos internacionalmente para o uso humanitário e ético de animais. Esses princípios são conhecidos como “3 Rs”, que significa a necessidade do uso de animais ser embasados em substituição (replacement), redução (reduction) e refinamento (refinement). Os mesmos foram propostos em 1959 por Russel e Burch e são base para várias Diretrizes, Códigos e Leis que existem em diferentes países do mundo.

Mesmo com a permissão para determinados experimentos, quais critérios devem ser cumpridos para que eles aconteçam?

Marina: No Brasil, a utilização de animais para fins didáticos e científicos deve estar de acordo com as definições da Lei 11.794 e das Resoluções Normativas formuladas pelo CONCEA. A base desses documentos legais são os princípios éticos dos 3Rs. No entanto, todo profissional, professor e pesquisador que utilize animais para fins científicos deve conhecer as normas e seguir essas determinações para elaborar suas propostas de pesquisa e ensino. Além disso, obrigatoriamente, essas propostas serão avaliadas pela CEUA institucional e somente poderão ser executadas se a CEUA aprovar o procedimento com os animais, a relevância e importância e as questões éticas da proposta e a adequação da mesma às normas vigentes.

Por que a criação da Resolução se tornou uma ação concreta? O que mudou no ano de 2023?

Marina: O CONCEA tem como dever estabelecer normas para uso científico de animais e, como, a questão de uso de animais para fins de desenvolvimento de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes é algo polêmico e já normalizado em países desenvolvidos foi uma questão de tempo e de prioridade de definição de normas para outras questões para que isso também fosse estabelecido. Outras resoluções já abordavam de certa forma o tema, trazem a obrigatoriedade de uso de metodologias alternativas para alguns testes que também são realizados para pesquisas abordadas na RN 58, no entanto, o que mudou a partir da aprovação dela é que está claro e definido que para essas finalidades é proibido o uso de animais se já existir comprovação científica.

O que, de fato, mudou no cotidiano dos laboratórios — em ambos os casos: tanto para cosméticos quanto para fármacos — após essa norma entrar em vigor?

Marina: A partir da aprovação dessa resolução, se algum laboratório realiza pesquisas com formulações, ingredientes ou compostos de segurança e eficácia comprovados utilizando animais para fins de desenvolvimento de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, terá que substituí-las por metodologias alternativas validadas, tanto aquelas aprovadas pelo CONCEA quanto outras que já são reconhecidas por órgãos internacionais.

Existe diferença entre a discussão dessa temática no Brasil e em outros países?

Marina: A legislação no Brasil quanto ao uso de animais para fins de pesquisa científica, desenvolvimento e controle de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes não é algo exclusivo. Há muitos anos a Europa já possui diretrizes que proíbem essas pesquisas, inclusive fechando o mercado para indústrias que não cumprem essas determinações.

A discussão sobre esse tema é similar em vários locais do mundo, mas é importante considerar que ainda existem países em que a pesquisa com animais e as definições éticas para que aconteçam estão atrasados a ponto de essa temática ainda não ser o principal assunto. No entanto, nas últimas décadas nosso país tem avançado e ganhado destaque internacional em pesquisas científicas, inovações e desenvolvimento de produtos, o que de certa forma também é bomba propulsora para que adequemos nossas normas conforme a pressão internacional de locais mais desenvolvidos. Além disso, desde a aprovação da Lei em 2008, temos ganhado mais consciência ética e de bem estar animal e, portanto, maior demanda para que as pesquisas tenham maior atenção para questões éticas e humanitárias com os animais.

Qual é o cenário previsto para a experimentação animal nos próximos anos?

Marina: A experimentação com animais de laboratório é uma prática que tem sido refinada ao longo dos anos, de forma que cada vez mais alcançamos condições de manutenção e manejo dos animais mais adequadas para garantir o bem estar, e minimizar qualquer sofrimento ou dor que os mesmos possam passar durante a pesquisa científica.

Aliado a isso, vários tipos de pesquisas ou experimentos não são mais autorizados pela CEUA, em especial, se o pesquisador não se preocupa com analgesia (medicamentos para reduzir ou inibir a dor) e anestesia adequada. E isso continuará fazendo parte do futuro. Outro grande avanço que temos observado é o crescimento e formação de grupos de pesquisa que estão lançando esforço para elaborar metodologias alternativas ao uso de animais, sejam aquelas para reduzir o número de animais necessários, sejam as que conseguem trazer respostas sem a necessidade de uso de animais.

Hoje, no Brasil, existem órgãos para validar esses métodos, resoluções normativas que obrigam o uso dos mesmos, e uma forte demanda da sociedade para que isso aconteça. Eu, Marina, acredito que estamos ganhando muito conhecimento com essas metodologias alternativas e acredito que esses estudos fazem parte importante do cenário futuro da experimentação animal. Por outro lado, acredito estar distante a possibilidade, se é que ela existirá, de se realizar alguns tipos de pesquisas ou testes sem o uso animal. 

Como esse processo do uso de animais em experimentos se dá na UFG?

Marina: A UFG possui uma grande quantidade de pesquisas desenvolvidas com animais de laboratório, tanto pesquisas básicas, quanto pesquisas aplicadas que buscam melhorias para as pessoas e animais. Essas pesquisas possuem destaque local e internacional e grande parte disso deve-se ao compromisso da instituição em buscar cada vez mais atender à Lei 11.794 e às normas estabelecidas pelo CONCEA.

Isso faz com que as pesquisas realizadas dentro de nossa instituição ganhem credibilidade social e científica nacional e internacional. A UFG possui CEUA desde 2011 e desde então as pesquisas com animais são aprovadas e acompanhadas por essa comissão. Essa comissão executa um trabalho sério, independente dos interesses institucionais e de pesquisadores, e com grande preocupação com a normatização e a ética quanto ao uso de animais. Claro que ainda existem questões a serem melhoradas, mas já avançamos muito nas adequações que são necessárias para garantir pesquisas com animais que sejam humanitárias e éticas.

Hoje, para que uma pesquisa com animais seja desenvolvida na UFG, os pesquisadores precisam atender as exigências do CONCEA e da CEUA, como ter experiência quanto a atividade com animais, comprovar treinamento ético e prático junto à CEUA para realizar a pesquisa, ter a proposta avaliada e aprovada pela CEUA, ter local adequado e aprovado pela CEUA para manter os animais, dentre outras questões.

2 thoughts on “Marina Pacheco, membro do CEUA UFG, explica os princípios éticos no uso de animais para testes laboratoriais”
  1. A verdade é dura, mas não adianta mentir…..
    Todo mal q acontece, q existe no mundo é culpa do ser humano…….animais, natureza são vidas puras e inocentes….só estão pagando a conta dos erros e ganância do hunano

  2. Por que usar uma vida prá fazer testes?…isso é crueldade, tortura…tanra modernidade e usar vidas inocentes para testes?….preferivel usar um humano, pois ele é mal, cruel…basta ver O clima, , devastação, seca, enchentes….o mundo destruído e no fim, graças ao humano….

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