Tempo de leitura: 15 min

Foto: Ana Maria de Araújo

No Brasil, aproximadamente 10 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência auditiva, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desse total, 2,7 milhões são pessoas com surdez profunda, ou seja, que não ouvem nada. Esse cenário destaca a necessidade urgente de promover a inclusão da comunidade surda em todos os âmbitos da sociedade, especialmente no acesso à informação política. 

Gabriel Machado, intérprete de Libras na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, reflete sobre a importância da acessibilidade no contexto político. “Minha atuação como intérprete começou há 14 anos no contexto religioso e educacional. Desde 2022, trabalho na Assembleia Legislativa, onde a tradução de programas da TV Alego e a interpretação das sessões e comissões são prioritárias”, explica Gabriel. Ele avalia que o contexto político está na vanguarda das produções audiovisuais acessíveis, em grande parte devido à legislação que exige a presença de intérpretes de Libras nas transmissões. 

“Inicialmente, órgãos federais, como a Câmara dos Deputados, o Senado e o STF, começaram a transmitir suas sessões com interpretação em Libras, por força de legislação federal. Produzir legislações que garantam o interesse linguístico da comunidade surda é crucial para que os órgãos públicos promovam acessibilidade através de produções audiovisuais. Após o exemplo dos órgãos federais, muitas assembleias legislativas e câmaras de vereadores, como a Alego e a Câmara de Goiânia, também passaram a transmitir sessões com janela de Libras e interpretação simultânea. Minha avaliação é positiva, mas ainda há um longo caminho para ampliar a difusão da língua”, destaca Gabriel Machado.

A inclusão de intérpretes de Libras no âmbito audiovisual, especialmente em conteúdos políticos, é um passo significativo na promoção da acessibilidade para a comunidade surda no Brasil. A pesquisa realizada por Maria Durciane Brito e colaboradores em (2024) na Revista Brasileira de Ensino e Aprendizagem, aborda a profissionalização dos Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais (TILSP) e a tradução audiovisual de conteúdos políticos partidários, destacando a importância desse trabalho para a participação política dos surdos. 

NOTA: significado de TILSP- O profissional Tradutor e Intérprete de Libras/ Português (TILSP) tem a competência para realizar Tradução e Interpretação entre a Língua Portuguesa e a Língua Brasileira de Sinais (Libras) garantindo acessibilidade comunicacional. 

A profissão de intérprete de Libras no Brasil teve início nos anos 80, inicialmente em contextos religiosos e de forma voluntária. Com o tempo, à medida que a comunidade surda foi conquistando seus direitos de cidadania, a atividade passou a ser valorizada como uma profissão. A profissionalização dos TILSP foi marcada por eventos significativos, como o I Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais em 1988, promovido pela Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS) , e o II Encontro em 1992, que estabeleceu o regimento interno do Departamento Nacional de Intérpretes. A regulamentação da profissão avançou significativamente com a Lei 10.436 de 2002 e o Decreto 5.626 de 2005, que reconheceram oficialmente a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação no Brasil. 

Quando questionada sobre os principais aspectos a serem considerados para garantir a acessibilidade em produções audiovisuais políticas, a Professora do curso de Design da PUC Goiás, Ana Bandeira respondeu: 

“É necessário garantir um espaço específico, já estabelecido como norma, para a presença da janela de Libras. Além disso, é fundamental incluir o recurso de audiodescrição, que descreve cenários, figurinos, iluminação e a posição das pessoas nos intervalos de falas, enriquecendo a experiência descritiva.”
– Profa. Ana Bandeira, PUC Goiás / CIAR/UFG 

Ana Bandeira, ainda disse que, “apesar das capacitações e formações na área, falta mais visibilidade e inserções de elementos de acessibilidade. É essencial promover uma cultura de acessibilidade para que espectadores possam cobrar esses recursos. Smart TVs permitem audiodescrição em programas específicos, mas isso depende das escolhas dos canais e programas. Embora haja evolução, é preciso lutar por mais inclusão.” 

Tradução audiovisual no contexto político

A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) de 2015 exige que serviços de radiodifusão incluam recursos como a janela com intérprete de Libras, legendas ocultas e audiodescrição. Essa legislação foi implementada nas propagandas eleitorais e debates políticos desde 2016, permitindo maior acessibilidade e engajamento dos surdos na política. A tradução audiovisual de conteúdos políticos não só promove a participação ativa da comunidade surda, mas também garante que suas necessidades sejam atendidas, proporcionando uma comunicação eficaz e inclusiva. 
 
Segundo Ana Bandeira, a presença de intérpretes em produções audiovisuais políticas é crucial. “É essencial garantir que as pessoas estejam informadas sobre seus direitos, responsabilidades e o que está sendo decidido e implementado. Negar às pessoas esse direito à informação seria injusto, especialmente considerando a legislação específica que aborda essa questão. Portanto, os intérpretes são fundamentais para garantir que as pessoas surdas tenham o direito de participar, discutir e criticar os assuntos políticos.” 

Os desafios enfrentados pelos intérpretes de Libras na política são numerosos. Gabriel Machado destaca a necessidade de adaptação à linguagem específica e ao ritmo acelerado das sessões. “É preciso se especializar e conhecer a terminologia do contexto político. A velocidade das sessões também é um desafio, pois a interpretação deve ser rápida e precisa”, diz Gabriel. Ele também ressalta a importância de feedback constante, algo que falta quando se trabalha em frente à câmera, sem a presença física de surdos.

Janela de libras

A acessibilidade é um direito fundamental e uma das formas mais impactantes de tornar o conteúdo acessível é através da Janela de Interpretação de Língua de Sinais, ou janela de Libras. 

Mas, afinal, o que é a janela de Libras? 

De acordo com o ‘Guia para produções audiovisuais acessíveis’, elaborado pelo Ministério da Cultura, Secretaria do Audiovisual e organizado por Naves, Mauch, Alves e Araújo:  Trata-se de um espaço reservado na tela que permite a tradução simultânea entre uma língua de sinais e uma língua oral, facilitando a compreensão para pessoas surdas ou com deficiência auditiva. Essa prática é respaldada por normas técnicas, como a NBR 15290:2005, que estabelece diretrizes para a acessibilidade na televisão. 

Seguindo essas diretrizes, a altura mínima da janela deve ser metade da altura da tela do televisor, e sua largura deve ocupar pelo menos um quarto da largura da tela. Além disso, é recomendado que a janela seja posicionada à direita da tela, livre de símbolos ou imagens sobrepostas, para garantir uma visualização clara e sem distrações. 

Na hora da gravação, o plano de fundo deve ser nas cores azul ou verde em tonalidade compatível para a aplicação da técnica de edição Chroma Key, que permite a substituição do cenário do vídeo por uma imagem. 

Fonte: Artigo- Guia para produções audiovisuais acessíveis publicado em 2016

A Assembleia Legislativa de Goiás tem investido em infraestrutura e formação para garantir a acessibilidade. Segundo Gabriel Machado, “Contamos com uma sala reservada e equipada com tudo o necessário para os intérpretes de Libras, incluindo equipamentos de áudio, vídeo, iluminação e chroma key, além de uma equipe técnica disponível para auxiliar. A função de tradutor intérprete de Libras é efetiva, garantindo estabilidade e continuidade no trabalho”. 

Espaço de libras na tela

Por meio da colaboração entre o Ministério da Cultura e a ABNT, parâmetros foram estabelecidos para garantir a qualidade e a eficácia das janelas de Libras em produções audiovisuais. Esses padrões, embora possam ser aprimorados com a experiência prática, fornecem uma base sólida para a criação de conteúdos acessíveis. 

No entanto, ainda de acordo com o ‘Guia para Produções Audiovisuais Acessíveis’, é necessário destacar a importância da redução do espaço em tela do produto audiovisual. Em uma pesquisa desenvolvida por Daniel Vieira em 2012, cujo objetivo era analisar a acessibilidade que os surdos têm ao utilizarem a janela de LIBRAS ou a legenda em uma determinada mídia, todos apontaram a janela de LIBRAS como sendo o meio de acessibilidade linguística mais adequado. No entanto, fizeram considerações a respeito do tamanho desta. Alguns afirmaram que na maioria dos programas em que há a janela de LIBRAS, o seu tamanho não permite uma boa visualização das configurações de mão. Ao optar por reduzir o espaço do produto audiovisual, o objetivo é oferecer a Janela de LIBRAS de forma mais ampla e de visualização mais “clara”, sem interferências visuais como plano de fundo. 

Gabriel Machado, intérprete de Libras na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, afirma que: “Houve um momento significativo em 2023 em que um deputado, demonstrou uma iniciativa louvável ao solicitar a presença de um intérprete de Libras para acompanhá-lo durante uma sessão plenária. Nós tínhamos a mesma proporção em vídeo. E isso com certeza dá destaque, e nós gostaríamos de repeti-la mais vezes, tendo a janela de Libras ou o intérprete ocupando um espaço semelhante ao espaço daquele que é o interlocutor da fala.” 

Interpretação Artística

Já parou para imaginar um mundo sem som? Onde as pessoas se movem e parecem expressar tanto, mas para você, tudo é silêncio. Tenta falar, até sinaliza, mas a comunicação se perde, deixando-o à margem. É como se uma barreira invisível o isolasse do mundo sonoro ao seu redor. Sua condição é normalizada e prometem políticas públicas para garantir seus direitos. 

Ana Tálio aprendeu Libras por vontade própria e trabalha na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. Ela compartilha o aprendizado da língua de sinais e as experiências como intérprete, destacando a importância da acessibilidade para a comunidade surda. “Eu não conhecia a Língua de Sinais até trabalhar em um jornal onde havia um jovem surdo que só se comunicava por Libras. Então, aquilo me fez perceber que a pessoa surda, mesmo estando no seu país, na sua cidade, ela é meio estrangeira, ela fica meio excluída e aí ver aquele garoto que não tinha contato com o restante das pessoas, me motivou a procurar, a entender quais eram as formas de comunicação e aí eu conheci a Língua de Sinais”, relata Ana. Após descobrir o Núcleo de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (NAS) em Goiânia, ela se inscreveu em um curso gratuito e começou a aprender Libras.  

O processo de aprendizado de Ana não foi fácil. “O primeiro passo é desmistificar a Libras como uma língua diferente. Ela tem sua própria gramática e sintaxe, como qualquer outra língua. Sem ninguém surdo na minha família e sem histórico de contato, foi difícil. A pandemia complicou ainda mais, pois parte da minha formação foi à distância, o que não é ideal para uma língua visual,” explica. 

Ana não usa Libras diariamente em seu trabalho na Assembleia, mas sua paixão pela língua se manifesta em eventos artísticos. “Eu interpreto para eventos culturais, teatro, festivais. Já dei aula de Libras na Assembleia, mas no meu dia a dia não uso tanto, embora consuma muito conteúdo sobre Libras no Instagram,” comenta. Ela segue várias pessoas surdas de diversas áreas para manter seu conhecimento atualizado e conectado com a comunidade.  

“Fazer interpretação, especialmente em contextos artísticos como no circo, é desafiador. É uma experiência complexa, pois a interpretação da arte é subjetiva, o que significa que estou interpretando para que outras pessoas interpretem minha interpretação. Por isso, o papel do intérprete vai além da tradução, envolvendo a produção de significado acessível. É fundamental que a acessibilidade seja considerada desde o início do projeto cultural, integrando o tradutor como parte da produção integral, em vez de apenas uma adição posterior”, enfatiza Ana.  

Sobre a recepção do público nas interpretações de Ana durante peças artísticas, ela diz: “Cada público tem uma reação. É legal lidar com crianças. Tem crianças que, por exemplo, não prestam atenção na peça, ficam só olhando para os intérpretes fazendo. E tem adultos também.”  

“Fiz uma peça semana passada e recebi muitos elogios, alguns até dizendo que parecia que era um show à parte. É gratificante receber esse tipo de feedback, pois indica que estamos nos esforçando para oferecer mais do que apenas uma tradução. No teatro, a interpretação envolve toda uma performance. Como também sou formado em teatro, tento incorporar isso à minha interpretação, principalmente em peças teatrais. As respostas são sempre positivas, as pessoas elogiam muito a Libras. No entanto, poucas pessoas conhecem a Libras, principalmente devido ao sistema educacional e à forma como encaramos a Língua de Sinais e a acessibilidade. Em muitos dos eventos em que atuei como intérprete, havia poucas pessoas surdas presentes. Às vezes, nas leis de incentivo, o objetivo é mais cumprir editais do que realmente envolver a comunidade surda na audiência do espetáculo.” 
– Ana Tálio

No mercado, há uma escassez de intérpretes que realizam interpretações artísticas, especialmente aquelas que envolvem peças teatrais. No entanto, essa área está crescendo gradualmente, especialmente nas redes sociais, onde intérpretes começaram a compartilhar interpretações mais expressivas e criativas. A pandemia e a popularidade das transmissões ao vivo de artistas foram importantes para aumentar a visibilidade desses intérpretes e sua contribuição para a acessibilidade.  

Shows como o da cantora Ludmilla foram palco para intérpretes que viralizaram na internet devido à sua interpretação expressiva, mesmo diante de letras com linguagem explícita. 

No entanto, para os intérpretes, o desafio vai além de simplesmente traduzir as letras das músicas. Capturar o ritmo, a emoção e a essência da música em sua interpretação é uma tarefa complexa, especialmente em espetáculos musicais, onde a expressão artística é fundamental. 

Inclusão dos surdos no contexto político

A inclusão da comunidade surda em produções audiovisuais no contexto político é um direito fundamental e uma necessidade para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Através do investimento em acessibilidade, é possível garantir que todas as pessoas tenham acesso à informação e possam participar ativamente da vida pública.  

“A atuação dos tradutores intérpretes no legislativo visa garantir o direito das pessoas surdas de acompanharem as atividades parlamentares, assim como os cidadãos ouvintes têm o direito de assistir às sessões. Isso permite que os surdos também possam perceber as posições dos representantes, suas bandeiras e se seus votos refletem a vontade popular. Para que isso seja possível, é essencial que as transmissões sejam acessíveis através da língua brasileira de sinais, garantindo aos surdos as mesmas condições de cidadania que os ouvintes têm”, diz Gabriel Machado. 

Segundo Ana Bandeira, “O futuro é esse, pensar em acessibilidade como parte de todos os projetos e não como elemento a ser discutido, a acessibilidade faz parte, é necessária e ela tem que fazer parte do nosso cotidiano.” 

Ana Tálio reforça que “a política pauta a vivência da pessoa, e é crucial que as informações políticas cheguem aos surdos”. A inclusão é um direito, e as iniciativas que promovem a acessibilidade devem ser contínuas e ampliadas. 

“Eu acho que, não só em política, mas em todo tipo de conteúdo, é crucial garantir acesso para todos. A política tem um peso ainda maior, pois impacta diretamente a vida das pessoas. A falta de acesso a esse conteúdo pode deixar alguém desinformado sobre como sua própria vida está sendo afetada. É fundamental conscientizar as pessoas sobre o que está acontecendo ao seu redor”, diz Ana Tálio.  

É a tradução das falas de uma produção audiovisual em forma de texto
escrito, podendo ocorrer entre duas línguas orais, entre uma língua oral e
outra de sinais ou dentro da mesma língua. Por ser voltada,
prioritariamente, ao público Surdo e Ensurdecido, a identificação de
personagens e efeitos sonoros deve ser feita sempre que necessário.

A audiodescrição é uma modalidade de tradução audiovisual, de natureza
intersemiótica, que visa tornar uma produção audiovisual acessível às
pessoas com deficiência visual. Trata-se de uma locução adicional
roteirizada que descreve as ações, a linguagem corporal, os estados
emocionais, a ambientação, os figurinos e a caracterização dos
personagens.

É o espaço destinado à tradução entre uma língua de sinais e outra
língua oral ou entre duas línguas de sinais, feita por Tradutor e Intérprete
de Língua de Sinais (TILS), na qual o conteúdo de uma produção
audiovisual é traduzido num quadro reservado, preferencialmente, no
canto inferior esquerdo da tela, exibido simultaneamente à programação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *