- O futuro de Memphis Depay no Corinthians - 20 de fevereiro de 2025
- Bruna Marquezine e a Sociedade do Espetáculo - 18 de fevereiro de 2025
- Conheça o Parque Mutirama - 15 de agosto de 2023
No último mês, Bruna Marquezine se tornou alvo de críticas e manchetes de jornais simplesmente por escolher viver um momento de forma privada. A atriz esteve no aniversário de seu namorado, João Guilherme, mas não apareceu em registros da festa e tampouco fez questão de alimentar a expectativa midiática de um encontro com Virgínia Fonseca, cunhada de João e uma das influenciadoras mais populares do país. O simples fato de se manter discreta foi suficiente para que Bruna fosse taxada como “fresca”, “antipática” e “arrogante” por parte do público. Apesar das suposições nas redes acerca do porquê de a atriz ter escolhido permanecer distante das câmeras durante os seus dias na Fazenda Talismã, suas motivações não são o foco aqui. No entanto, tamanha repercussão revela muito mais sobre a sociedade moderna do que sobre a própria atriz.
Vivemos sob a lógica da hipervisibilidade, onde a existência só se valida quando traduzida em cliques, postagens e interações. Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo, descreve um mundo onde a representação se torna mais real do que a própria experiência. E hoje, essa inversão se tornou regra: o registro de um evento vale mais do que o evento em si. Para muitos, não estar presente na internet é o equivalente a não existir. Nesse cenário, a escolha de Bruna de não expor sua presença se tornou um ato de rebeldia contra a norma contemporânea: a obrigatoriedade da visibilidade.
Não é a primeira vez – e infelizmente está longe de ser a última- que uma figura pública sofre esse tipo de reação. Emma Watson, por exemplo, já enfrentou críticas por manter sua vida pessoal longe dos holofotes, recusando-se a alimentar a cultura da superexposição. Keanu Reeves, conhecido por sua postura reservada, também já foi alvo de comentários por não ter redes sociais. Em 2001, Michael Jackson lançou Privacy, um grito de desespero contra uma mídia que invadia cada aspecto de sua intimidade, antes mesmo que esse fenômeno fosse agravado pela popularização das redes sociais.
Mas a invasão à privacidade das celebridades não é só um problema midiático – é o sintoma de um fenômeno maior, descrito por Shoshana Zuboff em A Era do Capitalismo de Vigilância: a transformação da exposição pessoal em commodity. Nossas informações, interações e até ausências são matéria-prima para as plataformas digitais, que lucram com cada curtida, cada comentário, cada clique.
O problema não é apenas a cobrança por postagens, mas a crescente ideia de que figuras públicas devem satisfação constante ao público. Não basta que Bruna seja uma atriz talentosa e tenha uma carreira consolidada, para uma parcela do público, ela também precisa ser uma personagem acessível, alimentando a ilusão de intimidade que a cultura da superexposição exige e fazendo de sua própria vida um entretenimento que agrade e, é claro, lucre! Vivemos em uma sociedade onde a privacidade se tornou um luxo, e qualquer escolha que fuja às expectativas se transforma em afronta.
Essa lógica não pressiona apenas celebridades, mas infiltra-se no cotidiano de qualquer pessoa. Se antes a necessidade de estar presente era uma demanda do showbiz, hoje a presença digital é uma exigência social. Redes sociais se tornaram vitrines de felicidade fabricada, onde a ausência de postagens pode ser interpretada como fracasso. “Se não postou, não aconteceu” é o mantra do nosso tempo. A necessidade de comprovar a própria existência se manifesta em um ciclo exaustivo de takes perfeitos e stories “dignos” de serem compartilhados. Não à toa, a comparação social, intensificada pelas redes, agrava a insatisfação pessoal e a sensação de inadequação.
Um estudo publicado no Journal of Social and Clinical Psychology revelou que a redução do tempo de uso de redes sociais diminui significativamente sintomas de depressão e ansiedade. Mas como se afastar de algo que se tornou pré-requisito para validação social?
O imediatismo das redes também se revela na forma como consumimos conteúdo: 71% dos usuários do TikTok decidem se continuarão assistindo a um vídeo nos primeiros três segundos. Essa lógica acelerada destrói os ritmos naturais da vida. Na natureza, cada processo tem seu tempo: árvores levam anos para dar frutos, uma gestação dura nove meses, oceanos seguem ciclos imutáveis de maré. Mas nossa sociedade parece determinada a brincar de Deus, acelerando tudo – de carreiras a relacionamentos – enquanto se recusa a aceitar que algumas coisas simplesmente precisam de tempo: alguns objetivos não serão alcançados na velocidade em que fazemos uma pesquisa no Google, ou talvez na velocidade em que desejamos ser respondidos ao enviarmos uma mensagem no WhatsApp.
O resultado dessa pressa digital? Uma geração exausta. O vídeo Happiness, de Steve Cutts, ilustra bem essa armadilha: ratos correm freneticamente em busca de uma felicidade ilusória, impulsionados pelo consumo e pela comparação incessante. Assim seguimos nós, presos na ratoeira da aprovação digital, alimentando uma indústria que se beneficia da nossa insatisfação – sempre buscando produzir mais, mostrar mais, conquistar mais-. A superexposição cria uma pressão para alcançar padrões muitas vezes inatingíveis, levando à frustração e à perda do contentamento com a própria realidade. A sociedade do espetáculo nos transformou em atores de uma peça onde a audiência é global, mas a satisfação pessoal é cada vez mais rara.
O caso de Bruna Marquezine nos leva a uma reflexão necessária: estamos dispostos a discutir as amarras invisíveis que nos mantêm reféns dessa lógica? Enquanto a espetacularização da vida alheia for mais urgente do que a discussão sobre os impactos da superexposição na saúde mental, continuaremos gastando fortunas em ansiolíticos e paliativos sociais para os danos que nós mesmos cultivamos.
Precisamos resgatar a compreensão de que a vida possui ritmos próprios e que a privacidade não é arrogância – é um direito. No fim das contas, o valor de uma experiência não está em sua exposição pública, mas em seu significado pessoal. E isso, definitivamente, não precisa de plateia.