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Dezoito anos após a estreia do último livro da saga Harry Potter, três novas histórias inspiradas no universo do bruxo serão lançadas. A surpresa? Nenhuma delas foi escrita ou autorizada pela autora original J. K. Rowling. Isso só se tornou possível porque o mercado literário finalmente reconheceu o impacto cultural das fanfictions.
As fanfics, como são popularmente conhecidas, são trabalhos criados e compartilhados por fãs em plataformas públicas, como o Wattpad e o Arquive of Our Own. Esses textos desenvolvem novas histórias para personagens já conhecidos, chegando até a apagar eventos canon (elaborados pelos autores iniciais) e os reescrever para que tenham finais alternativos.
A partir dessa disposição dos fãs, inúmeros livros conseguem manter uma duradoura relevância comercial. Um exemplo claro disso é o romance Crepúsculo, da Stephenie Meyer, que serviu de inspiração para a fanfic Master of the Universe. O popular relacionamento entre Bella Swan e Edward Cullen se tornou tópico de conversa de novo em 2015, três anos depois que Amanhecer – Parte Dois finalizou a saga dos vampiros no cinema, com o sucesso do filme Cinquenta tons de cinza — como a fanfic ficou conhecida depois de ser publicada tradicionalmente.
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Em uma entrevista para O Globo, Robert Pattinson, protagonista da saga “Crepúsculo”, foi questionado sobre ter sido inspiração para a criação de Christian Grey (um dos personagens principais da série da E. L. James). Ele comentou como “há algum tipo de profunda conexão que um grupo de pessoas tem com ele (Edward Cullen), e nunca descobri exatamente o que é”.
O vínculo citado por Pattinson contextualiza o afinco que diversos fãs demonstram ao escolherem perpetuar o arco narrativo dos personagens com quem se conectaram. Até hoje, a prática das fanfics permanece forte, como mostram os lançamentos de The Irresistible Urge to Fall for Your Enemy, da Brigitte Knightley, Rose in Chains, da Julie Soto, e Alchemised, de SenLinYu — três livros derivados do universo de Harry Potter, previstos para serem publicados este ano. Para que tal prática seja legalizada, obviamente, o autor da fanfic deve reescrevê-la, alterando nomes e conceitos que sejam propriedades intelectuais do escritor original.
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Um caso notável é Alchemised, que, quando ainda era uma fanfic chamada Manacled, conquistou mais de 19 milhões de downloads, foi traduzida para 19 idiomas e obteve 470 milhões de visualizações nas redes sociais. A obra, que explora uma versão alternativa da batalha entre Harry Potter e Voldemort voltada para um público adulto, chamou a atenção até de pessoas que não eram fãs da saga original — e, claro, de editoras renomadas.
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Entretanto, apesar do reconhecimento comercial, ainda há ceticismo quanto à “validez” dessas obras como literatura. Por se basearem em universos e em personagens já criados, questiona-se o real valor das fanfictions e o que seus autores poderiam realmente contribuir para o campo literário. No entanto, é justamente essa crítica que revela um mal-entendido sobre a “função” das fanfics.
O artigo Fanfiction As: Searching for Significance in the Academic Realm, de Megan Friess, explica que a cultura das fanfictions oferece “um espaço para pensamentos amplos e atividades criativas”. Isso nos permite compreender que as fanfics não têm como objetivo substituir os originais nas listas de mais vendidos, mas, sim, servir como um ambiente em que narrativas hegemônicas podem ser subvertidas e exploradas de maneiras novas.
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Esse objetivo fica claro, por exemplo, em A Hipótese do Amor, de Ali Hazelwood, que utiliza personagens do universo de Star Wars em uma comédia romântica para discutir temas como assédio no ambiente de trabalho e o papel das mulheres na ciência. E, mesmo que outras fanfictions não abordem questões sociais, é importante lembrar o que Bartolomeu Campos de Queirós disse em seu Manifesto por um Brasil Literário: “compreende-se por inerente aos homens e mulheres a necessidade de manifestar e dar corpo às suas necessidades inventivas”.
Portanto, se as fanfics devem “servir” para algo, pode-se argumentar que elas atendem a demanda de indivíduos que desejam explorar o mundo da escrita de forma gradual e sem a pressão de ter que criar algo do zero.
[…] para mais de 19 idiomas, o fenômeno, enquanto fanfic, reescrevia a história original da saga “Harry Potter“, com um final alternativo para […]
Amei o texto!