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Foto: Digulgação
Nos últimos anos, uma nova figura ganhou espaço no meio religioso brasileiro: os chamados coaches do Evangelho. São pastores — ou melhor, indivíduos que se apresentam como tal — que transformam a fé em um produto altamente lucrativo. A pregação tradicional, centrada na espiritualidade e na reflexão bíblica, foi substituída por discursos motivacionais, promessas de sucesso e uma teologia rasa. Em vez de aprofundar o entendimento das Escrituras, essas mensagens se baseiam em gatilhos emocionais que pouco refletem o Evangelho.
Esse fenômeno não é isolado. A pesquisa Radar Evangélico, conduzida pela consultoria Nosotros, mapeou os 44 maiores influenciadores evangélicos do Brasil e identificou um nicho crescente dentro do universo cristão digital: os coaches evangélicos. De acordo com o estudo, cerca de 30% dos principais criadores de conteúdo protestante promovem mensagens motivacionais com foco em autoconhecimento, metas e superação. Muitos não se definem como treinadores nem vendem cursos pagos, mas adotam uma linguagem voltada para o desenvolvimento pessoal, aproximando a fé da cultura do coaching.
O levantamento também revelou que, além dos coaches evangélicos, os influenciadores cristãos se dividem em dois outros grandes grupos: os pregadores políticos (25%), que promovem discursos conservadores e pressionam por influência em políticas públicas, e os devocionais (45%), que falam sobre valores religiosos e orações, sendo em sua maioria cantores gospel.
Essa nova roupagem do cristianismo se sustenta em fórmulas prontas e frases de efeito. Muitas delas caberiam tanto em uma palestra corporativa quanto em um culto dominical. O propósito? Vender a ideia de que a fé funciona como um atalho para o sucesso material e emocional. O discurso deixa de ser sobre graça e redenção e passa a ser sobre mentalidade vencedora, chave da prosperidade e ativação do propósito. Tudo isso, claro, acompanhado de cursos, mentorias e conferências pagas. Nessas ocasiões, a “revelação” do sucesso espiritual é oferecida a quem puder pagar.
A Comercialização da Fé
O problema não está apenas na comercialização da fé, mas na forma como esses “pastores-coaches” moldam um cristianismo superficial, sem espaço para o compromisso real com os ensinamentos de Cristo. A teologia da cruz foi substituída pela teologia do mérito pessoal. O sofrimento, parte inevitável da caminhada cristã, passou a ser interpretado como fracasso ou falta de fé. Nesse contexto, a preocupação central deixa de ser a transformação do caráter e se volta para o alcance de metas e conquistas.
O Caso Deive Leonardo
Um exemplo recente dessa tendência pode ser visto na figura do pregador Deive Leonardo. Com mais de 40 milhões de seguidores e milhões de visualizações em suas pregações, Deive se tornou alvo de críticas de teólogos e líderes religiosos. Muitos o acusam de propagar um evangelho diluído, sem confronto ao pecado e baseado apenas em mensagens motivacionais.
Sem citar nomes diretamente, ele respondeu aos críticos afirmando que sente “dó” deles e que sua teologia é moldada por sua experiência de vida. Entretanto, o que mais chamou a atenção foi uma recente pregação em que ele declarou:
“Deus nunca vai deixar que você veja ou sonhe algo que Ele não possa dar para você. Se Deus deixou você ver, tocar, sentir, abraçar e experimentar, é porque Ele tem o poder de colocar isso em suas mãos. Deus não é irresponsável, Ele não coloca sonhos que não pode patrocinar em sua vida. Então, se prepare, meu lindo, para tudo aquilo que Deus colocar na frente dos teus olhos.”
A afirmação, que viralizou e ultrapassou 7,8 milhões de visualizações, foi duramente criticada por teólogos e pastores. Segundo eles, a mensagem reduz Deus a um mero realizador de desejos humanos, ignorando princípios fundamentais da fé cristã, como arrependimento, renúncia e soberania divina. A ideia de que tudo o que o ser humano deseja pode ser concedido por Deus vai de encontro ao próprio ensinamento bíblico, que aponta para uma vida centrada na vontade divina, e não nos caprichos individuais.
O Esvaziamento do Evangelho
A consequência desse fenômeno é um esvaziamento do próprio Evangelho. O cristianismo, que moldou sociedades e transformou vidas ao longo da história, cede espaço para um show de autoajuda travestido de fé. Igrejas deixam de ser comunidades de apoio e se tornam empresas; pastores se tornam empresários; fiéis se tornam clientes.
É necessário questionar: até que ponto essa busca pelo sucesso está alinhada com a mensagem de Cristo? A fé cristã se sustenta na graça, no amor e na justiça, não em fórmulas para alcançar riqueza e status. A Bíblia nunca prometeu uma jornada fácil, mas sim uma vida guiada por princípios eternos, independentemente das circunstâncias.
Diante desse cenário, é essencial que os cristãos busquem discernimento. A fé não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas de desenvolvimento pessoal. O Evangelho não precisa de slogans motivacionais. O verdadeiro cristianismo não é sobre conquistar o mundo, mas sobre amar o próximo e viver uma fé genuína, que resiste às modas passageiras e aos discursos vazios.
Se a fé virou um produto, talvez seja hora de lembrar que Jesus não vendia nada — Ele se entregava.