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A imagem de um líder populista é ponto crucial na política brasileira, tendo seu nascer com Getúlio Vargas e a política paternalista que trazia mudanças para a camada mais populosa – e esquecida – da sociedade, conseguindo até maquiar os horrores e autoritarismo de sua ditadura. Depois dele, figuras como Jânio Quadros, João Goulart e Fernando Collor seguiram caminhos semelhantes, mas foi com Luís Inácio Lula da Silva que o populismo encontrou seu maior expoente. Com uma trajetória marcada por origem humilde, baixa escolaridade e pertencimento ao proletariado, Lula tornou-se o primeiro presidente a refletir diretamente a realidade de grande parte da população.
Segundo Moffitt e Tormey (2014), o populismo é um conjunto de repertórios de performances usadas para criar relações públicas, algo que Lula sempre dominou. Sua habilidade de comunicação foi decisiva em seus primeiros mandatos, conseguindo dialogar com todas as camadas da sociedade por meio de uma linguagem simples e acessível. No entanto, essa mesma casualidade que o aproximou do povo tem gerado desafios em sua terceira passagem pelo Planalto.
Nas últimas semanas, falas de Lula à população têm sido cada vez mais alvos de críticas – e com razão. A polêmica inicial foi no início de fevereiro, quando o presidente abordou a questão do aumento no preço de alimentos básicos e alta na inflação. Segundo ele, “se você vai num supermercado aí em Salvador e desconfia que tal produto está caro, você não compra” e sugeriu uma falta de educação financeira nos brasileiros, reforçando a necessidade de uma pesquisa de mercado para conseguir um produto mais barato. Mas o que se entende com essa fala quando tudo está caro?
A partir do momento em que o presidente da República – outrora visto como “pai do povo” – diz que basta apenas trocar de estabelecimento para conseguir um produto em conta, ele tira de si (e do Estado) a responsabilidade da elevação dos preços. Ainda mais, Lula traz a ideia de que os produtos que estão em alta podem ser deixados no carrinho de supermercado, não sendo essenciais para a alimentação básica. Porém, isso não é verdade.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os alimentos tiveram aumento de 7,7% no ano passado, em razão da alta do dólar e das mudanças climáticas. Já em janeiro desse ano, o instituto constatou maiores aumentos em tubérculos, raízes e legumes (8,19%), bebidas e infusões (1,71%) e aves e ovos (1,69%). O café moído, o tomate e a cenoura tiveram destaque específico, com aumento respectivo de 8,56%, 20,27% e 36,14%. O preço do café ainda deve subir em 25% nesse ano e a carne bovina, 14%, segundo Leonardo Costa, economista da financeira ASA. Isso é o que dizem os especialistas, mas a população sente isso no bolso.
Segundo a pesquisa Quaest divulgada em 16 de fevereiro, oito em cada dez cidadãos perceberam alta no preço dos alimentos, independentemente da classe social. Dos entrevistados, menos de 10% citaram preços mais baixos, enquanto cerca de 11% a 14% constataram estabilidade. Essa percepção é apoiada pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que registrou alta nos alimentos e bebidas nos últimos cinco meses, notando 5,4% acima da inflação do ano inteiro de 2024 – que foi de 4,83%.
Ou seja, a alimentação básica do brasileiro está mais cara. Enquanto isso, o presidente instrui sua população a não comprar. Como isso reflete na imagem do pai do povo a seus filhos?
E as falas embaraçosas não ficam por ai. Seis dias depois, Lula criticou abertamente a demora do Ibama em relação à exploração petrolífera na Margem do Amazonas. “Não é que eu vou mandar explorar; eu quero que seja explorado (…) O que não dá é ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo e está parecendo que é um órgão contra o governo”. Em resposta irritada, representantes do Ibama declararam que a demora – ou o lenga-lenga – acontece devido aos diversos fatores que devem ser analisados antes da exploração de uma reserva ambiental, como questões de fauna e flora e existência de comunidades originárias, o que fora apoiado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
A questão principal aqui é a forma como isso reflete para a população, uma vez que vemos embates diretos entre o maior representante do governo e um órgão governamental, reforçado pela forma chula em que o presidente traz o prazo de avaliação de risco de algo tão grande quanto a exploração de petróleo no país. Essa linguagem, por sua vez, só é aceita uma vez que Lula cria essa aproximação populista com a sociedade, acarretando com que ele fique nessa cilada – ao usar uma expressão popular, fico próximo do povo, mas essa mesma expressão transmite humilhação a um órgão do meu governo.
Isso tudo tem um resultado: a queda na aprovação. É aí que duvidamos da eficácia dos feitiços. O petista registrou, em fevereiro, sua pior avaliação e maior reprovação durante os três mandatos. A pesquisa DataFolha revelou que apenas 24% dos eleitores aprovam o governo, enquanto 41% o reprovam.
E não só a população parou de aprovar Lula. Ainda em fevereiro, o advogado e grande aliado do presidente, Kakay, divulgou uma carta em que dizia que ele “não faz política“, está “isolado” e “capturado“, alegando que é “é outro Lula quem está governando“. Além disso, cita a pesquisa Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) que mostra que 62% dos brasileiros acreditam que Lula não deveria se candidatar à reeleição.
O problema não é de agora. Em janeiro, houve oficialmente a troca do ministro da Secretaria de Comunicação Social para Sidônio Palmeira, após os dois anos fracassados de Paulo Pimenta. Mas, mesmo assim, parece não ter funcionado.
Sendo assim, é nítido perceber que o momento em que Lula se encontra coloca em cheque todos os benefícios que o populismo trouxe a ele, fazendo com que essas falas sejam agravadas no atual cenário de crise política. Achar que seu legado como alguém já adorado pelo povo brasileiro está seguro é uma grande inocência, uma vez que cada deslize fragiliza mais sua credibilidade e a confiança de seus apoiadores, além de servir como munição para a oposição. O que resta é saber quando – e se – o presidente e sua rotativa equipe de comunicação vão perceber os estragos causados ao tentar descontroladamente colocar um homem milionário na mesma mesa de bar de um trabalhador CLT.