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Maria Gabriela Rodrigues

Érica Salazar é graduada em Jornalismo e mestre em Telejornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Atualmente, ela atua como apresentadora e editora-chefe dos telejornais MGTV–1ª e 2ª Edição, veiculados pela TV Integração (afiliada da Rede Globo em Minas Gerais), onde ela cobre as principais pautas regionais.

Com mais de 26 anos de carreira, a jornalista foi convidada pela equipe do Lab Notícias para compartilhar suas vivências e concepções sobre a prática jornalística.

jornalista em telejornal
Érica Salazar na apresentação do telejornal MGTV1 (Fonte: TV Integração)

O que te levou a escolher o curso de jornalismo?

Bom, eu acredito que o jornalismo sempre esteve na minha mente; eu só não sabia o que era o jornalismo, por incrível que pareça. Desde criança, eu gostava muito de ler, de escrever, compunha músicas, fazia poesias, tinha diários e escrevia tudo o que sentia… Mas, quando fiquei adolescente — que é realmente a fase em que a gente decide o nosso futuro —, fiquei muito preocupada com o mercado de trabalho.

Minha família era toda composta por advogados e funcionários da área jurídica, então prestei vestibular para Direito, mas não passei. E aí, depois disso, pensei: “Mas será que é isso mesmo que eu quero?” Bateu aquela dúvida. Isso enquanto eu sempre tive essa ligação com a comunicação, mas sem saber exatamente o que enfrentaria em um curso da área. Depois, comecei a cursar Psicologia. Fiz um ano e tranquei. Decidi, então, fazer o que eu realmente achava que era a minha vocação, e foi aí que entrei para a Comunicação. Acabou que, quando entrei, eu já tinha uns 22 anos.

Lá, percebi que tudo aquilo de que eu gostava — teatro, audiovisual, escrita — estava presente naquele curso, e eu não fazia ideia disso até entrar oficialmente na faculdade. Eu não conhecia ninguém que fizesse Comunicação e que pudesse me dar esse suporte, me explicar sobre o que essa área abrangia.

Foi muito pelo que o próprio curso dizia, a Comunicação Social, que me chamava atenção de fato, porque eu era uma pessoa comunicativa, embora bastante tímida. E ali foi a sorte que eu dei, né? Porque eu uni o que realmente gostava de fazer com um curso que existia para aquilo. Muita gente fala: “Ah, não faz Comunicação, porque não vai te dar futuro.” Eu decidi fazer o que realmente gosto, porque não adianta escolher algo na área do Direito, por exemplo, em que eu provavelmente seria uma profissional frustrada — e hoje vejo que não tem nada a ver comigo. Assim como a Psicologia, que eu achava muito legal até o segundo período do curso.

Na Comunicação, de fato, eu me encontrei. Então, digo que foi um pouquinho de sorte, mas também consciência do que eu realmente queria. Dali pra frente, curti cada período. Acho que a minha decisão foi feita quando eu já estava um pouco mais madura para definir e entender que era por ali que eu queria seguir na carreira.

E a TV sempre foi a área que mais te interessou? O que te atraiu para essa área?

O audiovisual sempre me interessou muito, mas, quando me formei, eu não sabia o que ia fazer. Sou de uma época em que não existia internet. A televisão, as imagens, a fotografia e o cinema sempre estiveram muito presentes para mim e, quando vi, na faculdade, que eu poderia escrever com imagens, aquilo, sim, abriu um caminho que eu amei seguir.

Só que, quando me formei, era assim: o que pintasse no mercado, eu teria que encarar. Mesmo que fosse só jornal impresso, só rádio… Eu só tinha essas três opções e, se fosse para variar, poderia, no máximo, trabalhar com assessoria de imprensa. Mas aí foram surgindo oportunidades na televisão.

Tive uma coincidência: assim que me formei, apareceu uma vaga na ATV daqui — hoje canal da TV Alterosa (SBT) — que me deu uma oportunidade. Eu, recém-formada, fui lá, entreguei uma fita de um trabalho de faculdade (porque não tinha nenhuma experiência) e dei a sorte de ser chamada.

Ali, consegui entender qual era o ritmo de uma televisão, de uma redação. Foi a partir dali que percebi que era aquilo mesmo o que eu queria. E dei muita sorte por causa disso, porque surgiu a vaga para mim numa época em que era muito difícil conseguir emprego em televisão — e porque encontrei o que realmente queria fazer.

Até então, eu só tinha experiências da faculdade, de fazer uma reportagem ou outra, sem vivência no jornalismo diário. Então, a televisão era um outro ritmo, mas esse ritmo eu fui adquirindo nos seis meses em que fiquei nessa emissora, que era afiliada da TV Record na época, até, no futuro, chegar à Globo.

E como você lida com a pressão de se apresentar ao vivo?

Eu adoro, né? A gente não tem rotina. Acho legal a adrenalina fazer parte do nosso dia a dia — acho que ela move muito o jornalista, mantém ele atento ao que está dizendo, mais envolvido com a notícia. Esse tipo de pressão faz parte de quem trabalha com televisão.

Isso já recai sobre a gente a partir do momento em que escolhemos a profissão. Ter essa noção do compromisso que assumimos ao contar uma história que envolve outras pessoas, em um veículo de massa — como, por exemplo, a TV Globo —, é uma responsabilidade imensa. Essa pressão, eu trago para mim, assim como levo outras pressões da vida também.

Com a crescente propagação de fake news e a ascensão das redes sociais, você acha que a credibilidade dos jornalistas é mais questionada hoje? Como você lida com a responsabilidade de informar em meio a esse contexto?

Eu acho até que ela está sendo bem recuperada. Houve uma época, de 2013 a 2020, em que, muito por conta da situação política que vivemos, ocorreu uma descredibilização do jornalismo — algo que começou até um pouco antes da onda das fake news.

As fake news, eu acho que são um desafio para todas as redações hoje. Muitas vezes, deixamos de produzir reportagens que poderiam ser edificantes, que poderiam acrescentar muito, para ficar desvendando fake news e desmistificando o que chega até nós.

As pessoas nos mandam muitas coisas e cobram que façamos uma apuração. E ok, esse é um trabalho para o jornalista fazer mesmo. E é por isso que eu acredito que a credibilidade começou a se recuperar em relação às fake news.

Vou te dar um exemplo pessoal: eu recebia muitas dessas notícias de pessoas que começaram a cair em fake news, em golpes, e passaram a me perguntar: “Érica, isso é verdade? Posso repostar isso?”
Isso me deu um certo alívio, e percebi que isso estava acontecendo no jornalismo como um todo.

O próprio portal G1 criou um quadro, o Fato ou Fake, que é dedicado exclusivamente a isso. Então, percebemos um movimento do jornalismo tentando recuperar essa credibilidade que, de fato, foi abalada.

Esse cenário ainda existe, e acho que é uma realidade nossa — uma realidade perigosa que a internet trouxe para todos —, mas que passou a fazer parte da rotina do jornalista lidar com esse tipo de notícia. E, nesse aspecto, acho que já conseguimos reagir.

Eu estudei para isso, então eu vou apurar. Isso devolve a confiança do público a um veículo oficial, a um profissional que estudou e que está investigando para trazer o que realmente aconteceu — ou não. Por isso, acredito que esse movimento de recuperação tem ocorrido muito em função do próprio trabalho da imprensa e dos veículos de comunicação.

Como apresentadora, você passou e ainda passa por uma exposição muito grande. Como foi pra você conciliar a sua imagem como figura pública com a sua vida pessoal?

Eu me dou muito bem com o público e recebo muitos retornos positivos sobre o meu posicionamento. Acho que sou muito próxima do que sou na vida pessoal, mesmo dentro do jornal, e isso me traz a credibilidade que tanto busco.

Nós nos aproximamos muito do telespectador, apesar da parede de vidro da TV nos separar. Quando as pessoas me encontram na rua, elas me abordam com frequência — seja para elogiar o trabalho, seja para sugerir pautas — e eu sempre estive preparada para escutá-las, desde a época em que atuava na reportagem externa.

Os estudantes de comunicação e os jornalistas gostam de falar, né? E a gente ouve pouco. Hoje em dia, escuta-se pouco as pessoas. Sempre fui muito de ouvir os outros, e acho que isso me aproxima ainda mais do telespectador.

Existe cobrança, e também existe a pressão estética. Esses padrões vêm sendo deixados de lado aos poucos, mas eu sou de uma época em que existia um manual que me obrigava a ter um tipo específico de cabelo, vestir certo tipo de roupa e me comportar de determinada forma.

Hoje, consigo lidar muito bem com isso, mas estabelecendo uma liberdade na minha vida pessoal — essa foi uma escolha que eu fiz. Tenho alguns colegas que não gostam dessa invasão, dessa falta de privacidade. Confesso que, em alguns momentos, também sinto isso, mas acredito que faz parte da nossa profissão.

Encaro tudo com muita naturalidade. Recebo todas as pessoas, escuto todas as pessoas, porque, para mim, nem sempre elas entendem como foi o meu dia, se estou bem ou mal. Já apresentei jornal no fim de um relacionamento, após perder minha mãe, depois de receber um diagnóstico de câncer de mama… Mas encaro a prática da profissão como o momento de me concentrar e entregar a notícia de uma forma que o público me respeite — e que eu também respeite a notícia que estou veiculando.

Passei a focar muito mais nas pessoas que reconhecem o meu trabalho, que entendem o serviço que estou prestando e que percebem que aquela reportagem que acabei de anunciar teve alguma utilidade para elas.

Tento humanizar ao máximo a linguagem que uso. Estamos com um projeto agora no jornal em que, toda sexta-feira, vamos para a rua apresentar algum bairro, ouvindo o telespectador. As pessoas sentem uma necessidade de estar ali do meu lado, de pegar, de tocar, de abraçar, de tirar foto, de ver como o jornal é feito. Elas têm esse acesso ao vivo toda sexta-feira. E eu fico ali, abraço, tiro foto, converso. Acho que é um momento muito bacana, que aproxima muita gente. É sobre essa busca constante da televisão — principalmente — de estar cada vez mais próxima do telespectador.

Nos seus mais de 26 anos de carreira na TV, você já deve ter se deparado com diversas vivências impactantes dentro do jornalismo. Tem alguma experiência em específico que você acha que marcou a sua trajetória profissional?

Tem muitas, né? A gente vive para contar histórias. Mas tem uma especial que eu gosto de contar até hoje. Ela é antiga, mas acho que sempre vale como exemplo para qualquer jornalista ou mesmo para qualquer espectador.

Fizemos uma campanha no jornal daqui, o Papai Noel dos Correios, em que crianças escreviam cartinhas e pessoas adotavam essas cartinhas, comprando presentes para elas. Teve uma vez em que eu perguntei, ao vivo, para um repórter como estava o andamento desse projeto. As crianças pediam coisas bem simples: material escolar, carrinhos… brinquedos que muitas nem tinham. Uma dessas crianças me chamou atenção quando o repórter falou comigo. Ela havia pedido um par de tênis — nunca tinha calçado um, porque havia nascido com o pé torto.

Uma médica assistiu ao jornal, ligou para a nossa redação e se ofereceu para acompanhar e tratar o caso da criança, embora acreditasse que seria uma recuperação difícil, já que a cirurgia de correção normalmente é feita quando o bebê ainda é recém-nascido. Colocamos a médica em contato com a família da criança, que se chamava Pedro, e assim foi. Passamos a acompanhar a trajetória do Pedrinho na tentativa de recuperar o pezinho, de conseguir realmente andar direitinho e calçar o tênis.

Quando a TV fez 50 anos, procuramos 50 pessoas que tiveram suas vidas modificadas por reportagens nossas, e eu sugeri revisitarmos a história do Pedrinho. O Pedro já era um adolescente de 14 anos, e até então eu tinha perdido o contato físico com ele. A mãe dele às vezes ligava para a redação — porque a gente acaba criando um vínculo com as famílias.

Outra repórter fez essa nova reportagem, e eu me lembro de ter me emocionado muito quando a vi pronta. Eu não tinha me dado conta do quanto eu havia mudado e do quanto nosso trabalho havia transformado não só a vida de uma criança, mas também de uma família inteira.

Sempre cito essa reportagem como exemplo, porque acho que ela envolve o jornalismo, o ser humano e o telespectador — e é aí que acredito que a gente cumpre nossa função: entregar informação para transformar a vida das pessoas, prestando um serviço para a comunidade de forma geral. Essa, eu acredito, é a nossa grande missão. Não é à toa que o nome da nossa atividade é comunicação social.

Esse tipo de experiência deve ser muito gratificante, porque envolve uma mobilização social derivada do seu trabalho jornalístico, mas como área, a gente sabe que o jornalismo ainda enfrenta alguns obstáculos. Qual você acha que é o maior desafio do jornalismo hoje em dia?

Olha, eu vejo uma experiência que é de uma geração. Percebo que as pessoas andam muito rasas e superficiais, e acho que isso se deve muito à internet. Sinto muito esse reflexo na redação, especialmente entre quem está chegando agora — algo que vem, inclusive, de uma formação de base, sabe? Acho que a superficialidade está dominando as pessoas de uma forma que elas não param para pensar, e isso tem refletido muito na consciência do ser humano.

Então, eu sempre tento ver pelo lado humano esse futuro que tanto me preocupa — um futuro em que a tecnologia, que deveria auxiliar, tem sido usada de uma maneira que está deixando tudo um pouco embaçado. Essa é uma grande preocupação para mim. É um desafio diário tentar surpreender as pessoas, encontrar uma linguagem que seja de fácil acesso e, ao mesmo tempo, respeitar quem tem uma formação sólida, para que o leitor e o espectador consigam processar a comunicação e entender qual é a mensagem que estamos passando.

Estamos vivendo tempos muito sombrios em relação a isso, mas ainda tenho esperança. Acho que, daqui a pouco, isso pode mudar. Esse meu discurso pode ser outro — e é isso que eu espero, e é isso que eu busco a cada dia, fazendo a minha parte: ensinando, trocando ideias, fazendo o que for possível para que essa formação seja sólida, coerente, sabe? Que seja, de fato, um objetivo de quem escolheu esse curso e merece ter acesso a esse tipo de ensino.

E com esse grande fluxo de informações na internet hoje em dia, como você enxerga o futuro do telejornalismo?

Olha, eu sempre falo que o modelo de televisão que faço hoje já sinto que está ultrapassado pela internet. Isso é um fato: no horário em que entro no ar, a internet já divulgou a maioria das informações que eu ainda irei apresentar. Então, a forma como vamos continuar essa notícia é o nosso desafio.

A TV precisa se reinventar o tempo todo, e nós, jornalistas, também precisamos nos reinventar — seja na linguagem, na forma de se comunicar, de processar a mensagem, de abordar o telespectador, de criar pautas ou de entregar as notícias de maneira que surpreendam e sejam mais atrativas. Mas isso muda em uma velocidade absurda. Acho que essa é uma transformação que minha geração viveu: a passagem do analógico para o digital.

A tecnologia avança em um ritmo aceleradíssimo, e acredito que o telejornalismo precisa acompanhar esse ritmo. Só que nós somos apenas seres humanos. Por isso, vamos acompanhando junto com a tecnologia para que o público possa consumir informação com credibilidade e de forma correta.

Mas a gente tem que acelerar. Temos que estar ali o tempo todo. A internet nos pauta muito, pela própria velocidade, mas não podemos perder a essência do jornalista — que é farejar, observar, perceber. Acho que o contato olho no olho, o saber escutar, precisa estar presente, porque isso faz parte da essência do jornalismo, assim como as disciplinas básicas: a sociologia, a formação humana, que considero fundamentais e que, infelizmente, algumas universidades estão tirando da grade e indo direto para a prática.

Quando vamos apurar uma reportagem, precisamos dessa base de conhecimento para escrever um bom texto, para nos envolver e compreender o outro. E essa formação humana, de forma geral, tem deixado muito a desejar.

Nessa velocidade toda, acabamos nos atropelando — atropelando os outros, atropelando a própria notícia. Mas, mesmo assim, precisamos acompanhar. É inerente, né. A obrigação de informar está sempre ali.

Você tem algum conselho para os ingressantes do curso de Jornalismo?

É o saber ouvir, sempre. A gente já gosta de falar, já gosta de ler, de escrever, mas eu acho que precisamos ouvir mais, porque quando ouvimos, passamos a nos colocar no lugar do outro, a nos envolver na história. Com esse exercício da escuta, humanizamos mais.

Então, eu sempre coloco essas duas questões: saber ouvir e tentar humanizar, se colocando sempre no lugar do outro, para que o texto jornalístico seja diferente.

No jornalismo, eu lidei e lido até hoje com histórias de pessoas que estão muito fora da minha bolha, e entendi que precisava entrar na bolha dessas pessoas sempre, até hoje. Eu não sabia o que era sacolejar em um ônibus que não dava conta de subir um morro em uma rua esburacada, até o dia em que entrei em um ônibus e fiz essa viagem junto com essas pessoas. O meu texto mudou, o meu enfoque de reportagem mudou, as minhas entrevistas mudaram, porque senti exatamente o que aquelas pessoas sentiram.

Enquanto eu não entrei, o meu texto não mudou, porque, até então, ele era um texto de quem estava olhando de fora. Eu vou dormir, minha cama vai estar quentinha, o meu carro me espera na garagem para eu ir trabalhar, não vou ter que pegar ônibus. Então, eu acho que isso humaniza muito.

Quando a gente se coloca no lugar do outro, e para isso precisamos escutar essas pessoas, vamos mudar nosso texto, mudar nosso olhar. Eu acho que o olhar do jornalista precisa ser muito humanizado nesse sentido.

Então, é o escutar e ter esse olhar mais humano para tudo o que está acontecendo à nossa volta. Nós nos tornamos pessoas e profissionais melhores por causa disso, não tenha a menor dúvida.

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