O jornalista Almir Costa, formado na Universidade Federal de Goiás em 1996, saiu do interior de Goiás para seguir uma admirável carreira no jornalismo em Goiânia. Além de ser conhecido por seu trabalho como repórter na TV Serra Dourada, também é assessor de imprensa e concursado na área de comunicação pelo estado. Nessa entrevista, ele compartilha aprendizados e experiências dos seus quase 30 anos de profissão.

Fotografia: Sophia Caetano
Qual foi sua maior motivação para escolher ser jornalista como profissão? E como foi o processo de se mudar do interior para a capital para estudar?
Eu vou começar ao contrário. Lá em Porangatu eu tinha essa aspiração de vir aqui para a Goiânia para poder trabalhar, estudar, continuar os estudos. Nas apresentações da escola eu tomava frente de tudo. Eu já tinha essa desinibição para poder fazer as coisas. Sempre fui um menino muito falador, entrão mesmo, por assim dizer. E aí eu achava que isso também poderia servir como algo que ao longo do tempo eu fui descobrindo que seria uma vocação, que seria a comunicação. Eu tinha uma facilidade muito grande de me comunicar com as pessoas, de me envolver nas coisas, não tinha nenhuma retração para poder apresentar diante das pessoas, para poder falar diante das pessoas. Eu acho que isso fez com que eu pensasse nessa questão.
E teve um episódio que foi interessante, que em 1987, eu ainda morava em Porangatu, o presidente da época, o presidente José Sarney, ele foi lá na cidade. E esse foi o acontecimento da cidade, eu era uma criança ainda, mas eu tive a oportunidade de ir para a rua e todas as equipes de televisão foram lá para a cidade para cobrir a visita do presidente, porque ele foi lá para poder lançar a obra da Ferrovia Norte-Sul. E quando eu vi os jornalistas e todos que foram fazer a cobertura da visita do presidente, isso me encantou muito, vendo os repórteres gravarem as passagens, vendo eles entrevistarem as autoridades. Era um menino que não entendia o que era aquilo, mas me encantou muito. E desde então eu fiquei com aquilo na cabeça, que eu queria fazer televisão, que eu queria ser jornalista, que queria ser um comunicador, porque eu achei muito bacana. Eu sempre gostei muito de jornal, sempre gostei muito de informação, de notícia, sempre me identifiquei muito com a língua portuguesa. É uma das matérias que eu mais gostava. Nisso fui afunilando e eu acho que foi me levando para o caminho da comunicação.
E aí eu vim para Goiânia, em 89, terminei o ensino médio aqui e comecei a prestar vestibular para comunicação. Foi quando eu passei na UFG, me formei e tem 29 anos que eu estou na televisão. E eu sempre quis a televisão. E foi bacana porque, quando eu estava no curso, eu fui fazer estágio na TV Serra Dourada. Lá eu passei pela produção, pela edição, e por último fui para a reportagem. E foi assim, aquela identificação total. E aí tinha uma vaga, quando eu já estava terminando o estágio, eu fui lá, conversei com o chefe na época, que era o Paulo Beringhs, e aí falei com ele da possibilidade de, quem sabe, eu ficar. Ele avaliou que a redação já tinha ido lá falar que ‘ó, o menino é bom tem futuro, contrata ele’. Ele até brincou, falou que eu poderia não ser um grande jornalista, mas eu era um grande lobista. E eu não entendi muito, mas depois ele me explicou, porque se todo mundo veio aqui pedir para te contratar numa redação difusa como é aqui, é sinal que eu acho que você dá conta de fazer o que você está querendo fazer. Então, eu vou te contratar. E eu estou lá há 29 anos. Essa é a história.
É muito importante que o interior receba essa atenção, porque se não tivesse tido essa situação na sua cidade, talvez você nem tivesse seguido carreira na área.
Eu acho que a coisa é a paixão e a curiosidade. Aliás, são coisas que motivam qualquer jornalista. Amor por aquilo que você faz e curiosidade.
O jornalista tem que estar sempre muito curioso, muito atento e querendo saber as coisas, querendo descobrir o que aconteceu, por que aconteceu, como aconteceu, quem é que está envolvido, quem é que fez, etc. Se você tiver isso no sangue, eu acho que já é meio caminho andado para você ser um bom jornalista.
Você já trabalhou em quais áreas do jornalismo? Qual delas você acredita ter se identificado mais e por quê?
Sou assessor de imprensa também, mas a minha identificação máxima é a televisão. Já fiz muito trabalho de impresso também. E acho que isso foi o mais importante para que eu continuasse na área de televisão. Além de trabalhar na TV Serra Dourada, eu sou concursado no Estado da Área de Comunicação, também trabalho numa assessoria de imprensa de um órgão importante, que é a Goinfra, que é a Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes. E lá a gente faz jornalismo impresso, que hoje é webjornalismo, jornalismo para as redes sociais, jornalismo para os veículos de imprensa sobre o que a agência realiza de obras lá e etc. Então, eu faço as duas coisas hoje, isso desde 2010.
Eu tive um tempo que eu trabalhei na rádio como chefe de jornalismo lá da Rádio Brasil Central, a RBC, depois fui para a Assembleia Legislativa, onde eu trabalhava na Agência de Notícias, que também é material para redes sociais, para sites, que é uma outra vertente diferente de televisão, o texto é diferente, o formato é diferente, tudo é diferente, mas eu faço as duas coisas.
Mas se me perguntar o que você prefere, eu prefiro televisão. O público, de uma forma geral, me abraçou, graças a Deus, são quase 3 décadas de trabalho, e eu não vi razão para poder mudar da área, porque cada vez mais eu fui me aprimorando, fui crescendo na profissão, fui sendo valorizado pela empresa na qual eu trabalho. Eu gosto mais do texto, eu gosto mais do contato com a pessoa, que é o agente da informação, o agente da notícia, e com essa coisa da identidade com a população, como telespectador. Então, eu me cristalizei, fui nesse segmento e é o que eu quero continuar até parar de trabalhar.
Quais são as maiores dificuldades que você já presenciou na sua carreira como jornalista? E quais são os maiores desafios que você enfrenta atualmente na sua área?
A vida de jornalista não é fácil, sabe? Porque você quase sempre, com a informação que você trabalha, você agrada ou desagrada alguém. E às vezes você desagrada quem é detentor do poder. Porque o jornalismo é o elo entre o poder público e a população. Infelizmente quase sempre o poder público é devedor de satisfação para a sociedade e não está fazendo aquilo que é obrigação, que é dever dele. E aí cabe ao jornalista fiscalizar e reportar isso. Dar vazão do que está acontecendo para a sociedade.
Outra desafio é, eu acho que as características da profissão. O jornalista é igual o médico, o policial, o bombeiro, o enfermeiro. Ele tem que trabalhar todo dia porque todo dia a sociedade apronta. Todo dia alguém acorda para poder fazer alguma coisa e você tem que contar a história dessa pessoa por alguma circunstância. Ou ela se envolveu num acidente, ou o político que fez alguma coisa errada. Alguém vai ter que aprontar alguma coisa para poder você reportar. Porque, como eu disse, você é o elo entre o que as pessoas estão fazendo, entre o que a sociedade faz e demanda, e o que o poder público tem obrigação de fazer e que você tem que reportar para essa sociedade. Você é muito exigido na profissão.
E outra seria uma dificuldade que vai mais de caso a caso, que é a remuneração da profissão, pelo que a gente exerce, pelo que a gente faz, eu acho que deveria ser melhor. Eu acho que isso também é uma coisa que deveria ser vista.
E outra dificuldade que a gente enfrenta hoje, é em relação à evolução dos meios de comunicação. A gente está passando por uma transformação violenta, com a chegada da internet, das chamadas grandes mídias, e o rádio, a televisão, o jornal impresso, eles foram emparedados pela internet, em função desse acesso que a população passou a ter aos meios de comunicação. O jornalismo profissional ficou sendo questionado por pessoas que nunca tiveram esse acesso à comunicação de massa e agora estão querendo, às vezes, até serem jornalistas, e não sabendo de técnica, não sabendo como lidar com isso, e, muitas vezes, contravertendo aquilo que deve ser a boa prática do jornalismo, que é você fazer checando a informação, ouvindo todos os lados e evitando aquilo que hoje é uma praga que a gente, da imprensa, tem que combater todo dia, 24 horas, que são as fake news, e que, para poder preservar o bom jornalismo, a gente tem que ir e combater essas mentiras.
E esse movimento é tão forte que a todo momento as pessoas nos chamam de tendenciosos, de antiéticos, de imprensa chamada imprensa marrom, de imprensa que não tem credibilidade, porque, na verdade, essas pessoas estão querendo fazer valer à vontade os interesses delas e não o que deve ser feito jornalisticamente falando, profissionalmente falando. Então, é por isso que eu acho que isso é um desafio, uma dificuldade muito grande hoje para quem é um profissional da área, formado e que tenta, obviamente, por obrigação e por dever, inclusive dever ético e dever profissional, faze-lo assim.
Ligada até a pergunta anterior, quais cuidados éticos você considera indispensáveis na cobertura de casos?
Se você é um jornalista e se você preserva esses conceitos éticos que a gente aprende na faculdade, e não só o que você aprende na faculdade, você como ser humano, como profissional, como ente social, você já tem que trazer isso ao longo da sua vida, isso você já tem que construir e já tem que ter desde muito cedo. Isso é uma coisa que a gente aprende com os pais em casa. Ética, apesar de ser uma filosofia, apesar de ser algo que parece que é distante demais da gente, mas não é. A ética, dependendo da criação, você já é um sujeito forjado desde muito pequeno na questão de respeitar o outro. Claro que isso depois você melhora muito mais quando você passa a estudar o conceito de ética e tudo mais. No jornalismo, eu acho que essa questão pessoal já te traz um pouco do que você vai ser como profissional.
É claro que uma coisa é o que você estuda na faculdade, outra coisa é quando você vai para o mercado de trabalho. Até porque a minha experiência foi o seguinte, você aprende na faculdade uma série de conceitos éticos. Quando você chega no mercado, você vai trabalhar numa empresa que você vai ser o espelho da ética do seu patrão. Não tem como ser diferente. Porque, infelizmente, no Brasil, praticamente todos os veículos de imprensa são empresas particulares, são empresas de comunicação. E aí vai depender muito de quem está por trás desse veículo de comunicação para o qual você trabalha. Esse dono ou essa dona tem ética? Que tipo de ética? O que ele defende ou ela defende? Qual o modelo ideológico de imprensa, de comunicação que essa pessoa pratica? Ela está ligada ideologicamente ou politicamente a algum segmento, seja político, religioso ou o que o valha? Porque isso vai fazer com que você, enquanto trabalhador desse veículo de comunicação, ser ou uma pessoa independente, neutra, você vai ter que se adequar para poder continuar. Porque tenha certeza de uma coisa, se você não se enquadrar num modelo de empresa de comunicação, dificilmente você vai ficar nela. E aqui não é uma prerrogativa do jornalismo, isso é em qualquer área de atuação. Até mesmo nas áreas técnicas, as áreas exatas, tudo hoje tem conceito, tudo hoje tem método, tudo hoje tem interesses. E não é só hoje, isso sempre foi assim.
Mas eu, graças a Deus, tenho três chefes. Ou seja, os modelos de ética que eu tenho para poder lidar são os de três pessoas e de três situações diferentes. Eu trabalho para a iniciativa privada, eu trabalho para o setor público e trabalho para uma entidade sindical. Então, assim, eu tenho esse espectro de visões da minha carreira profissional, da ética de uma entidade que defende os interesses da categoria, da ética de um serviço público que você tem que se adequar ao que é o modelo daquele que está no poder naquele momento.
Só que eu nunca tive que contrariar os meus conceitos éticos, sejam eles pessoais ou profissionais, para poder exercer a minha atividade. É claro que eu também, profissionalmente, eu sei avaliar qual que é o tipo de reportagem que eu vou fazer para aquela situação que a empresa me pediu. Mas eu nunca fugi, nunca deixei de fazer aquilo que é o correto, que é o jornalismo. Ou seja, que é fazer uma matéria com isenção, ouvindo a todos, colocando todos os lados, não inventando e não distorcendo nada do que é o fato ao qual me foi apresentado. Eu acho que isso, inclusive, foi o que me trouxe até aqui. Então, se você tem esses princípios, se você tem esse profissionalismo, eu acho que fica fácil de você lidar com a ética.
Na sua visão, qual seria o papel do jornalismo e do jornalista em tempos de polarização política?
Nessa polarização recente, política que nós estamos tendo, lamentavelmente, eu vi colegas que eu admirava, que eu tinha o maior apreço, pender para um dos lados ideológicos e, para mim, perder a referência. Perder toda aquela admiração profissional que você tinha pelo bom jornalismo que a pessoa fazia. Porque quando você pende para um lado ideologicamente, e aí não tem como você o desvincular profissionalmente dessa situação, você passa a contrariar a ética.
O jornalista tem que ser um pêndulo. E o jornalismo também, como atividade, ele é um pêndulo. E ele é um pêndulo que não pode pender para um lado e nem para o outro. Ele tem que ser um equilíbrio, ele tem como ser a deusa da justiça. Cega não vê nada. Você tem que ser o elo entre as partes e você reportar corretamente o que cada um dos lados disse ou você vai dizer de acordo com aquilo que você tem de evidências, de provas e de elementos para poder você fazer a sua reportagem.
Eu posso até opinar, e devo, inclusive, porque a gente é formado, a gente tem conhecimento, tem informação e a gente pode dizer opinativamente o que está certo e o que está errado. O que está certo com base em evidências, em provas, em fatos. Então eu posso, sim, ser contra o governo X que está fazendo algo que é errado. Errado por quê? Eu posso ser a favor e defender por quê? Isso é opinar jornalisticamente sem contrariedade nenhuma, ética, profissional. Porque aí você está fazendo bom jornalismo.
É acontecido muito ultimamente essa coisa de jornalistas virarem ideólogos políticos. E aí você, ou defender direita ou defender esquerda, acusar esquerda ou acusar direita, eu acho que o nosso papel não é esse. Eu acho que o nosso papel é de você analisar os fatos, ver quem está falando a verdade e quem está mentindo, e com base nos fatos, com base nas provas, você ir lá e denunciar ou apoiar. Aí sim, eu acho que aí é a boa prática jornalística.
Existe alguma matéria que te marcou pessoalmente, seja ela de maneira positiva ou negativa?
Ah, tem várias, várias me marcaram. Em quase 30 anos de profissão é muita coisa. Normalmente a gente faz três, quatro matérias por dia. Mas eu posso citar duas coisas que me marcaram muito, porque uma delas foi a cobertura da doença e morte do cantor Leandro em São Paulo. Eu fui para lá e fiquei dez dias trabalhando quase que 24 horas por dia, fazendo a cobertura disso lá. E foi um fato muito marcante, profissionalmente foi excelente, porque eu aprendi muito e desenvolvi modestamente um bom trabalho lá. E eu fiz até quando o corpo lá de São Paulo saiu aqui para Goiânia. Então assim, toda a trajetória de ir para lá e ficar esses dez dias fazendo essa cobertura lá, isso me marcou muito, porque foi uma comoção muito grande, foi em 1998 ainda, mas assim, marcou demais. Foi um episódio nacional, o país parou para poder acompanhar os últimos dias dele e quando ele morreu, o velório ainda foi lá na Assembleia Legislativa de São Paulo, o país parou para poder acompanhar isso. Então assim, era uma das duplas mais famosas da época, então isso me marcou muito.
Uma outra coisa que me marcou muito também foi, não só as matérias que eu fiz, mas principalmente a desocupação do Parque Oeste Industrial. Foi uma grande invasão aqui em Goiânia em fevereiro de 2005, que foi muito triste, muito difícil, porque eram milhares de famílias que foram expulsas pela polícia militar lá dessa área e eu estava numa área em que não tinha nenhum outro veículo de imprensa, a gente descobriu um lugar onde a polícia ia entrar com mais policiais e por onde iam sair mais pessoas e foi difícil demais acompanhar essas pessoas serem tiradas à força lá, debaixo de cacetete, cavalos, quase pisoteando as pessoas, policiais a pé também batendo nas pessoas, expulsando todo mundo da área. Durante umas três, quatro horas foi essa situação lá que eu registrei ao vivo e realmente foi muito traumático ver aquilo, foi uma das experiências muito difíceis.
Fora os outros casos todos aí de sofrimento de pessoas, os apelos, as grandes dificuldades, doenças, essas coisas, tudo isso marca demais a gente e é algo que a gente faz no dia a dia, o varejo da televisão é isso e eu já vivenciei muito essas histórias também.
O que você diria que nunca se aprende na faculdade, mas é essencial para quem quer ser jornalista de TV?
Eu acho que você não aprende na faculdade, é o que você vivencia no dia a dia. Até porque a faculdade só te dá o caminho. Ela te prepara para te colocar no mercado de trabalho. A partir do momento que você se forma e que você vai para o mercado de trabalho, aí é que você tem que lidar com o fazer jornalismo. Porque o fazer jornalismo, você não o faz sozinho, você só faz com fontes, com pessoas, com acontecimentos.
E às vezes até eu brinco assim, quando eu vejo que alguém vai fazer alguma coisa errada, ótimo, amanhã nós temos história para contar. Porque assim, a pessoa está sabendo o que está fazendo errado, sabe que não deve ser o certo, se o ladrão vai roubar, não é o correto, é crime. Mas para nós isso é importante porque amanhã nós não temos história para contar. O que aconteceu, como é que foi, quem se envolveu, o que a polícia fez… Você vai ter um fato para contar. Então assim, o jornalismo, o que você não aprende na faculdade, que você só vai descobrir depois, é a prática.
A prática é que te ensina, a prática é que te direciona, a prática é que dá para você a capacidade de você cada dia melhorar ou então até talvez você não querer fazer aquilo. E aí quando você sai da faculdade, você sai meio com o norte, depois quando você chega no mercado é que você vai saber. Se você vai querer fazer assessoria de imprensa, se você vai querer webjornalismo, se você vai querer rádio, se você vai querer televisão, se você vai querer futebol, se você vai querer… tem assim uma gama enorme de possibilidades para poder você atuar.
Mas é o mercado, a prática, a vivência que você não consegue na faculdade, porque faculdade é o estudo teórico do que você vai ser quando você for para a prática. Então a prática é que realmente te dá a noção do que você vai ser como profissional. E foi quando fui fazer estágio que eu descobri que eu não sabia quase nada da prática.