- “Iolanda Paz: Uma visão multimidia no Jornalismo político internacional” - 2 de maio de 2025
Com uma carreira marcada pela versatilidade e pela paixão por contar histórias, Iolanda Paz é jornalista formada pela ECA-USP, com intercâmbio em comunicação audiovisual pela Universidad Carlos III de Madrid, na Espanha. Com a carreira focada em política e cultura, acumula mais de cinco anos de experiência em grandes redações brasileiras e internacionais. Atualmente, atua como repórter multimídia na Deutsche Welle, na Alemanha, onde produz vídeos para as redes sociais da DW Brasil, contribui como redatora para o site da emissora e participa da produção de podcasts. Iolanda também tem passagens marcantes pelo g1 — onde roteirizou, apresentou e editou vídeos, além de coordenar as entradas do “g1 em 1 minuto” na TV Globo — e pelo Estadão, onde atuou como repórter e editora de vídeo. Nesta entrevista, ela compartilha experiências da trajetória profissional e reflexões sobre a produção jornalística contemporânea.

Luiza Guimarães: O que te motivou a seguir carreira no jornalismo político e como essa experiência no G1 e no Estadão moldou seu olhar profissional?
Iolanda Paz: Eu sempre tive uma inquietação muito forte em relação à forma como as decisões políticas impactam a vida cotidiana das pessoas. Acho que esse incômodo foi o que me levou ao jornalismo político. Desde muito cedo, me interessei por entender o funcionamento do poder, as estruturas do Estado e, principalmente, como tudo isso chegava até quem vive à margem dessas decisões. No G1 e no Estadão, essa visão se aprofundou. No G1, por ser um portal muito voltado pro factual, aprendi a ser rápida, a apurar com rigor mesmo sob pressão, e a lidar com o imediatismo da notícia. Já no Estadão, o foco em política e economia me deu uma bagagem muito sólida para compreender cenários mais amplos, fazer leituras mais críticas e trabalhar com fontes de diferentes espectros ideológicos. Esses dois ambientes me moldaram muito, principalmente no sentido de responsabilidade com a informação e com a clareza na comunicação.
LG: Como a experiência multimídia (texto, vídeo, podcast, redes sociais) transformou sua abordagem como repórter?
IP: Trabalhar com diferentes linguagens me deu uma visão mais generosa da narrativa jornalística. Entendi que cada história pede um formato, uma cadência. Às vezes, o texto escrito é a melhor maneira de expor uma investigação mais densa. Outras vezes, um vídeo curto é o que vai alcançar quem precisa daquela informação. As redes sociais, por exemplo, trazem o desafio do engajamento imediato, mas também a oportunidade de democratizar a informação. Hoje, como repórter multimídia, eu penso a pauta já considerando como ela pode ser contada em diferentes plataformas. Isso me tornou mais estratégica e mais empática também.
LG: Como foi sua experiência com a transição do jornalismo brasileiro para o europeu, especialmente para uma emissora como a Deutsche Welle?
IP: A transição foi um choque cultural e profissional — no melhor sentido possível. A Deutsche Welle é uma emissora pública com um foco muito claro em cobrir o mundo com um olhar plural, e isso me atraiu profundamente. Mas chegar na Alemanha, com outra língua, outra lógica editorial, outro ritmo de produção, me tirou da zona de conforto. Aqui, a abordagem é mais reflexiva, menos imediatista. O tempo de apuração costuma ser maior, a checagem é ainda mais rigorosa. Isso exige uma adaptação, especialmente para quem vem de redações brasileiras que operam muitas vezes em ritmo frenético. Mas foi justamente nessa diferença que encontrei crescimento. A DW me ensinou a olhar o mundo com mais distância crítica e com mais escuta internacional.
LG: Quais formatos de notícia estão transformando o jornalismo atualmente?
IP: Sem dúvida, o jornalismo em vídeo para redes sociais — especialmente em plataformas como TikTok, Instagram e YouTube — está mudando o jogo. São formatos verticais, dinâmicos, com linguagem muito mais direta e visual. Também vejo uma valorização grande do vídeo explicativo, com gráficos, mapas e análises visuais que ajudam o público a entender temas complexos de forma mais acessível. E os podcasts com forte apelo investigativo ou narrativo seguem sendo uma tendência muito relevante. No audiovisual, a personalização da informação — com o repórter como um “guia” da notícia — tem se tornado uma ponte importante com a audiência.
LG: Como você equilibra profundidade jornalística com o formato ágil e visual exigido pelo jornalismo multimídia atual?
IP: O segredo está em planejar a pauta desde o início com esse equilíbrio em mente. Quando eu recebo ou desenvolvo uma pauta, já penso: como posso apresentar isso de maneira visual sem abrir mão da complexidade? Às vezes, uma boa linha do tempo visual ou um infográfico interativo resolvem mais do que um texto longo. Outras vezes, a solução está em dividir a informação em “camadas” — uma parte rápida e direta para as redes, e uma mais aprofundada para quem quiser se aprofundar. O desafio é sempre manter o rigor da apuração e o respeito pela inteligência do público, mesmo quando estamos operando em formatos mais curtos.
LG: Você acredita que o formato afeta a profundidade da análise política? Como manter a qualidade no conteúdo para diferentes plataformas?
IP: O formato, por si só, não é um inimigo da profundidade — o problema é quando o formato vira desculpa para superficialidade. É totalmente possível fazer análise política com profundidade num vídeo de dois minutos ou num carrossel de Instagram, desde que haja clareza de ideias, responsabilidade na escolha dos dados e precisão na linguagem. O que muda é a forma, não a essência. A chave está em pensar o conteúdo de maneira estratégica: qual é o objetivo? Para quem estou falando? O que essa pessoa precisa saber? E como eu posso despertar nela o desejo de saber mais?
LG: Como você lida com temas sensíveis como xenofobia, imigração e extrema-direita no contexto político alemão?
IP: Com respeito, escuta e apuração rigorosa. A Alemanha tem um passado e um presente que exigem muito cuidado ao tratar desses temas. A xenofobia, por exemplo, não é uma questão marginal, ela está presente em muitos discursos políticos atuais. Então, quando eu cubro algo relacionado à imigração ou à ascensão da extrema-direita, meu foco é humanizar os dados, dar voz às pessoas impactadas e sempre buscar o contexto histórico e social por trás das decisões políticas. Também aprendi a ouvir mais do que falar. Esses temas exigem sensibilidade, mas também firmeza ética.
LG: Quais são os principais desafios e oportunidades de fazer jornalismo político na Alemanha sendo estrangeira?
IP: O maior desafio é conquistar a confiança das fontes e do público — especialmente quando você está cobrindo temas delicados. Às vezes, há desconfiança sobre a “visão estrangeira” ou sobre o “lugar de fala”. Por outro lado, justamente por estar em uma posição externa, consigo olhar para o cenário político alemão com distanciamento crítico e trazer comparações que enriquecem a cobertura. Também há uma escuta muito aberta, na Deutsche Welle, para vozes de diferentes nacionalidades, o que me permite atuar com liberdade e originalidade. A oportunidade é justamente essa: oferecer um olhar que nem sempre está no centro da narrativa tradicional.
LG: Como você enxerga o papel da imprensa na cobertura da ascensão da extrema-direita na Europa e, especificamente, na Alemanha?
IP: A imprensa tem um papel fundamental e extremamente delicado. O primeiro desafio é não dar palco gratuito a discursos de ódio. O segundo é não cair na armadilha da “normalização” desses discursos em nome da imparcialidade. Cobrir a extrema-direita exige rigor factual, checagem incansável e, ao mesmo tempo, coragem editorial para chamar as coisas pelo nome. Na Alemanha, esse debate é ainda mais tenso por conta da história do país. A imprensa precisa ser firme na defesa da democracia, mas também honesta ao mostrar os fatores sociais e econômicos que alimentam esse crescimento. Ignorar ou simplificar o fenômeno não ajuda em nada.
LG: Qual foi a cobertura mais desafiadora ou transformadora da sua carreira — tanto no Brasil quanto na Alemanha?
IP: No Brasil, uma cobertura muito marcante foi durante as eleições de 2018, quando trabalhei na produção de conteúdo político para o Estadão. Foi um momento de polarização extrema, onde qualquer erro era usado como arma, e as redes sociais fervilhavam com desinformação. Senti na pele a pressão de fazer jornalismo responsável em meio a ataques e fake news. Já na Alemanha, uma cobertura que me marcou foi a de um protesto contra a deportação de famílias refugiadas, em Leipzig. Estar ali, escutando pessoas que fugiram da guerra e agora temiam perder o pouco que reconstruíram, me fez refletir sobre os limites da neutralidade. Foi um desses momentos em que o jornalismo não é só profissão, mas também compromisso humano.
LG: Por fim, quais conselhos você daria para os recém egressantes da faculdade de jornalismo que, assim como você, procuram atuar com cobertura internacional e multimídia?
IP: Meu primeiro conselho é: invistam em idiomas. O jornalismo internacional exige fluência — não só linguística, mas cultural. Segundo, não se apeguem a um único formato. Ser multimídia é, acima de tudo, saber contar histórias de maneiras diferentes. Aprenda a editar vídeo, roteirizar podcast, escrever para redes. Terceiro: leiam muito sobre o mundo. Leitura é uma das ferramentas mais poderosas do jornalista. E, por fim, não esperem que alguém lhes convide para começar. Criem seus próprios projetos, publiquem, experimentem. O caminho internacional é possível, mas exige iniciativa, preparo e, acima de tudo, coragem para sair da zona de conforto.