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Quando foi a última vez que você foi ao teatro? Semana retrasada? Alguns meses atrás? Talvez tenha sido em um passeio na época de escola ou, quem sabe, até mesmo nunca. A falta de incentivo da população goiana para frequentar o teatro é apenas uma das dificuldades da produção teatral na cena local, mas é certamente uma das mais frustrantes. Em Goiás, a maior parte do público das apresentações teatrais costuma ser de amigos ou parentes prestigiando um conhecido que está sob a luz dos holofotes, representando nos palcos. Mas por que isso ocorre? 

Interior de teatro, com todas as cadeiras vazias.

Segundo o secretário Municipal de Cultura de Goiânia, Zander Fábio, no período de um ano e sete meses desde que ele foi convidado pelo prefeito da cidade, Rogério Cruz, para assumir a pasta, já foram aplicados cerca de R$ 8 milhões na área da cultura através do remanescente da Lei Aldir Blanc e da Lei de Incentivo Municipal à Cultura. 

Apesar disso, os teatros continuam vazios quando são apresentadas peças locais – diferente de quando Goiânia recebe apresentações de produções nacionais, que trazem grandes nomes das novelas apresentadas na televisão. A partir disso, podemos observar que a questão do teatro em Goiás, além de dinheiro, também exige transformar a mentalidade da população.

Para Almir de Amorim — ator, diretor, dramaturgo e professor de teatro —, um dos argumentos principais é este: o incentivo não deve vir só na forma financeira, é preciso que a educação e a conscientização sobre a importância da arte e da cultura seja uma constância para todas as pessoas, das mais variadas idades e origens. 

Amorim complementa dizendo que é preciso aumentar o verdadeiro incentivo cultural ao teatro para que ele receba a devida valorização por todas as pessoas, como acontece em outras atividades no meio social. “Nossa sociedade deve atenção mais que especial a essa arte milenar, ciência humana de peculiar definição. Isso é um mínimo a ser feito para o desenvolvimento e manutenção de público de teatro.”

Confira aqui a entrevista completa com Almir de Amorim e Luzia Mello

DIFICULDADES

“O que nós queríamos mesmo é que tivéssemos uma plateia, que nós pudéssemos sobreviver de teatro através das bilheterias, mas infelizmente não é possível”, declarou Luzia Mello, atriz, diretora, produtora e professora de teatro. Ela ainda diz que apesar de alguns locais, como o Teatro Goiânia Ouro e o Centro Cultural da UFG, não cobrarem a pauta do espetáculo, eles não permitem que seja cobrada bilheteria. 

A proibição de cobrar bilheteria afeta imensamente as produções teatrais de Goiânia pois, para que um espetáculo aconteça, não é apenas o dinheiro da pauta que é necessário: é preciso arcar com cenários, técnicos, trilha sonora, iluminação, figurino, além de muitos outros custos, o que exige um desdobramento gigante para conseguir pagar todas as necessidades da produção – sem falar no necessário para sobreviver no dia a dia.

Além de tudo isso, o público dos espetáculos locais costuma ser majoritariamente formado por pessoas já ligadas ao teatro ou de conhecidos dos atores e, no caso desses últimos, é comum que eles não assistam produções teatrais se não para prestigiar um amigo ou parente, conforme a atriz Luzia Mello. Assim, a parcela da população que é frequentadora constante de teatro acaba sendo muito baixa. 

No geral, o que vemos é o público goiano enchendo os teatros quando a peça é uma produção de nível nacional e global (aquelas que trazem os atores das novelas), mas deixando de lado quando é uma produção goiana – produções essas que não perdem em nada para aquelas que vêm de outros lugares, como defende o secretário municipal de cultura de Goiânia, Zander Fábio. “A paixão pelo teatro é tão grande que a gente tenta sobreviver dessa arte sem nenhum apoio, sem plateia, com pouco amparo do governo, e é uma dificuldade enorme”, diz Luzia Mello.

A falta de proximidade da população goiana com o teatro também afeta aqueles que desejam iniciar uma carreira nessa área, ou até mesmo na cultura em geral. “No início minha família não entendia, pois sou engenheira formada e estava largando a primeira profissão que tinha pra me dedicar a arte”, conta a atriz, cantora e dubladora Geórgia Rassi, sobre a reação de sua família quando ela decidiu entrar no ramo cultural. “Enquanto achavam que era ‘hobby’ estava tudo bem, até que viram que era coisa séria”. 

Durante certo tempo, Rassi chegou a se sentir sozinha e sem apoio, mas encontrou no teatro e na arte pessoas que a entendiam e apoiavam. Ela relata que essa base de apoio diminuiu o fardo de não ser uma pessoa ‘dentro da caixinha’. Atualmente, a família de Geórgia aceita e apoia sua carreira, mas o número de outras pessoas que precisam passar pela mesma situação ainda é grande. 

Luzia Mello também passou por uma experiência semelhante, mas diz que, apesar de tudo, os motivos para se alegrar e não desistir são mais fortes do que as provações. “Na minha adolescência, quando eu disse para a família que eu realmente queria ser atriz, eu tive uma barreira muito grande; mas hoje eu tenho uma escola, a Casa do Teatro, e é gratificante ver os pais levarem os filhos para fazer aula de teatro, incentivando, assistindo, vibrando”, relata Mello. “Eu vejo que está valendo a pena toda a minha luta”.

PERCEPÇÃO

Geórgia Rassi diz que o relacionamento da população de Goiás com o teatro até o presente é muito distante. Para ela, a população goiana ainda tem a cabeça muito fechada em relação a artes ou formas menos tradicionais – que não entram no padrão da sociedade – de se levar a vida e o trabalho. “Para outras cidades, [teatro] é trabalho, como todos os outros. Para os goianos, é só lazer, e não deve ser levado a sério.” 

Essa visão sobre teatro também fez com que Almir de Amorim tivesse que se reinventar como artista, para poder viver atuando na área que tanto ama. “[Isso me afetou] de todas as formas, desde a valorização do trabalho do artista como merecedor de remuneração, até aquilo que diferencia um artista culturalmente formado de uma imagem fabricada para consumismo”, diz o ator e diretor. “Essa falta geral me fez, junto com a necessidade de manutenção, improvisar-me como educador artístico.”

LUTA

Quanto ao que pode ser feito para melhorar a situação, a atriz Luzia Mello destaca o papel que a TV aberta poderia ter. “Hoje nós temos as redes sociais que nos ajudam bastante na divulgação, mas eu acredito que se a TV aberta nos desse espaço para divulgar nossos espetáculos, através de chamadas ou entrevistas, nós teríamos chance de ter um público maior”. Infelizmente, essa plataforma dá mais destaque aos atores de nível nacional, que já são famosos através das novelas, ela lamenta.

O secretário municipal de cultura de Goiânia, Zander Fábio, diz que o governo de Goiás tem lutado para trazer as leis federais. “Nós tivemos vários programas esse ano, mas o mais importante é a inserção de artistas que ainda não tem o seu nome bem divulgado, e nós queremos que esses artistas participem dessas leis de incentivo e possam fomentar a cultura”. No entanto, ainda há muito o que melhorar. 

Para Geórgia Rassi, o incentivo do governo à cultura é mínimo, o que faz com que velhos preconceitos continuem vigentes e não permitam ao público entender e explorar todas as facetas do teatro e da arte em si. É preciso melhorar o sistema de ensino e, dentro disso, inserir o teatro na educação desde cedo, para criar adultos que respeitam, apreciam e apoiam essa arte tão especial.

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