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Au pairs se tratam de jovens que viajam para outro país, no intuito de morar com uma host family e fornecer cuidados infantis e ajuda doméstica em troca de hospedagem, alimentação, uma pequena mesada e, sobretudo, intercâmbio cultural. Embora haja homens no programa, eles são uma minoria. O termo “au pair” é oriundo do francês, significando “em par” ou “igual”, de modo a implicar a relação entre a intercambista e a sua família hospedeira, que deve ser baseada no respeito mútuo e na troca de experiências entre culturas distintas. Nas últimas décadas, o interesse e a busca por esse tipo de intercâmbio sofreu um aumento exponencial, devido a sua acessibilidade e relativo baixo custo.

Os requisitos para se tornar uma au pair podem variar dependendo do país de destino e do programa específico. No entanto, as exigências mais comuns revolvem ao redor da idade, que deve obrigatoriamente ser entre 18 e 30 anos – embora alguns programas possam permitir que as au pairs tenham até 35 anos –, no mínimo ensino médio completo, experiência comprovada com o cuidado de crianças, conhecimento razoável do idioma, cartas de referências, exames médicos e seguro de saúde.

Fonte: Wikimedia Commons.

Assim, ser uma au pair pode ser uma jornada enriquecedora, mas também apresentar uma série de desafios. Primeiramente, há a adaptação ao se mudar para um país estrangeiro, com idioma, clima, costumes e um modo de vida diferentes daqueles de sua terra natal. Além disso, possíveis conflitos com as famílias hospedeiras e saudades de casa podem impactar na experiência do programa. Lívia Hildebrand, que trabalha há quase dois anos como au pair nos Estados Unidos, sentiu bem isso na pele: “Como eu sempre morei com os meus pais, foi muito chocante para mim perceber a falta que eu sentia da minha família, não só deles, mas também dos meus amigos. Porque você chega num país em que não conhece ninguém, e é literalmente um começo do zero, por mais que você saiba que tem uma data de término.”

Também há a questão que as condições de trabalho e de vida de uma au pair podem variar amplamente de uma família para outra, podendo haver desconforto com as circunstâncias proporcionadas pelos hosts ou problemas com a carga de trabalho excessiva. Esse foi o caso de Andressa Girardi, youtuber que conta e compartilha dicas sobre as suas vivências como au pair no seu canal Andronieta. Em um dos seus vídeos, ao relatar sobre o rematch pelo qual passou com sua primeira família anfitriã, Girardi expõe que um dos motivos – embora não o único – para essa decisão foi o desrespeito das 45 horas semanais previstas em contrato: “O que mais me irritava era chegar no meu horário off, […] irem no meu quarto me incomodar para eu fazer uma atividade a mais, uma ou meia hora a mais de trabalho. E era sempre.”

Rematch seria um termo usado para se referir à situação em que uma au pair e sua família hospedeira atual decidem encerrar o acordo antes do término do contrato, geralmente devido a diferenças irreconciliáveis ​​ou conflitos. Isso pode ocorrer porque as expectativas de uma das partes não foram cumpridas, ou houve desacordo em relação a responsabilidades, horas de trabalho, tarefas ou outros fatores. Nesse caso, a au pair e a família hospedeira têm a opção de participar do programa de rematch, que é uma ferramenta fornecida pelas agências para ajudar o intercambista a encontrar uma nova família hospedeira em um curto período de tempo, geralmente duas semanas, e não ter que retornar para o país de origem antes da época prevista.

Lívia Hildebrand. Fonte: Arquivo pessoal.

Para Andressa, esse período foi ainda mais longo, com o seu rematch estendendo-se durante dois meses devido às dificuldades para encontrar uma nova casa, tempo em que ela teve que continuar com a mesma host family. “Eu fiquei oito meses nessa família, aguentando bastante coisa. E eu acho que não deveria ficar tudo isso, analisando meu ponto de vista hoje. Eu aguentei muito, […] esperando dar chance para as coisas melhorarem, mas nada mudava, só piorava e eu só sofria. Quase enlouqueci, e foi a primeira vez na minha vida que tive crise de ansiedade. É uma coisa muito séria, e por isso compartilho a minha experiência do rematch, porque eu acho que foi um processo difícil, longo e dolorido, mas que valeu a pena.”

É importante então destacar que nem todas as agências de au pair oferecem a opção de rematch, e os termos e condições podem variar. Além disso, o processo deixa os intercambistas especialmente à mercê da boa vontade da família anfitriã, com relatos frequentes de expulsão, que gera a necessidade de se hospedar temporariamente com amigos, em um hotel ou em outra acomodação alternativa, dependendo do que tiver sido acordado com a agência. Lívia também vivenciou um rematch complicado, até encontrar uma família que atendesse aos seus requisitos. 

Falando sobre isso, Hildebrand é clara ao afirmar que: “É preciso ter a coragem de falar, de alinhar todas as expectativas para evitar que você tenha experiências negativas assim ao máximo. Porque eu esperava que fosse uma coisa, e chegando lá vi que era outra. E ainda assim eu passei 7 meses com eles, tentando fazer funcionar e infelizmente não deu certo. Mas agora a minha experiência está sendo mais positiva no geral, mesmo que com a primeira família tenha ficado uma má impressão muito grande.” E assim como Hildebrand, Girard também afirma que mesmo que a experiência no começo não tenha sido boa, “agora está muito melhor, mas a rotina hoje é completamente diferente”. 

Fonte: Wikimedia Commons.

Em sua tese de mestrado de Estudos Culturais publicada em 2019, “Au pairs brasileiras e suas rotas desviantes: história oral e vidas móveis”, Amanda Mousinho mapeou, através de questionários e uma extensa pesquisa, o perfil e as principais motivações das jovens mulheres brasileiras que viajam para os Estados Unidos para se tornarem au pairs. Dentre as 378 respondentes, 263 (69,67%) se declararam brancas, enquanto 89 se declararam pardas. Em seguida, seis mulheres se declararam pretas; cinco, amarelas; e duas, indígenas. Treze mulheres preferiram não opinar. Ainda segundo essa pesquisa, a maioria embarca para o exterior aos 24 anos, a maior parte oriunda de estados do Sudeste como São Paulo e Rio de Janeiro.

Dentre os motivos mais comuns para esse intercâmbio cultural, apesar das situações privilegiadas em que grande parte dessas mulheres vivem aqui no Brasil, estariam o desejo de aprimorar as habilidades na língua inglesa (64,6%) e viajar (18,5%). Motivações como vontade de morar permanentemente nos Estados Unidos (10,1%) e juntar dinheiro (1,3%) também surgem, em menor quantidade. Mousinho então expõe que, muitas vezes, a atividade de au pair é o início de um processo de migração. Das 378 brasileiras que participaram do intercâmbio e responderam os questionários, 97 continuaram a residir nos Estados Unidos após o fim dos seus contratos, sejam pela obtenção do green card, alteração do status do visto para turista ou estudante, ou ilegalmente.

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