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A maternidade pode ser um dos maiores desafios enfrentados por mulheres que buscam cursar uma graduação. A ideia de que a mulher precisa ser uma super heroína e a falta de uma rede de apoio torna difícil equilibrar a vida universitária com as demandas e responsabilidades de criar e cuidar de um filho.

“A universidade historicamente não foi pensada como um espaço para ser ocupado por mulheres. O modelo patriarcal, machista e misógino da sociedade se repete nas instituições de ensino superior e quando pensamos em mulheres mães, a exclusão se intensifica. A maior dificuldade é ocupar um espaço que não foi criado e ainda não é pensado para ser ocupado por nós, mulheres mães. Somos invisibilizadas conscientemente pelas pessoas que ocupam os espaços de poder e que poderiam criar políticas públicas efetivas para a construção de um ambiente realmente igualitário”, afirma Vanessa Clemente Cardoso, doutora em história, pesquisadora do GT de Mulheres Cientistas e Maternidades Plurais da UFG.

Tempo e saúde mental

Fazer uma jornada dupla como mãe e estudante – às vezes tripla, unindo tudo isso a uma rotina de trabalho – junto aos prazos de entrega de artigos e trabalhos pode causar um desgaste psicológico imenso, tornando o objetivo de concluir a graduação mais complicado.

“Querendo ou não, por mais que a gente sonhe em estar naquele curso, o nosso filho é sempre a primeira opção, é sempre a prioridade, né? Então o curso vem depois e aí por conta disso, às vezes a gente fica com medo de não conseguir. Isso traz uma carga psicológica muito grande, por exemplo em alguns dias da semana tenho que sair da aula antes do horário porque tenho que correr para pegar minha filha na escola ou chego atrasada, porque o meu marido não chegou do trabalho ainda e não tenho com quem deixá-la, às vezes eu levo ela para faculdade comigo e isso faz com que a minha atenção na aula fique dividida e ainda tem a questão dela que às vezes fica cansada por estar na faculdade. Tudo isso gera uma carga psicológica”, relata Francisca de Souza, discente de jornalismo. (Você pode ler essa entrevista na íntegra clicando aqui)

Vanessa explica que não existe nenhum projeto específico pensando a saúde mental de mulheres mães universitárias que promova atendimento psicológico gratuito focado em mães. Muitas mulheres abandonaram seus cursos, pois não conseguem suportar a ausência de rede de apoio e de políticas públicas.

“O discurso de ódio, o assédio, a falta de acessibilidade e de compreensão sobre as diversas realidades maternas dentro do ambiente acadêmico acabam por expulsar mulheres mães desses espaços. Infelizmente não temos dados quantitativos e qualitativos dentro das universidades brasileiras capazes de nos dar uma real noção sobre como está a saúde mental das mães brasileiras. O que é possível vislumbrar por meio de conversas em eventos, nas redes sociais e em ações do nosso dia a dia, é um número enorme de mães que estão esgotadas e desamparadas pelo Estado”, informa Vanessa Clemente.

Apoio institucional e comunidade

A maioria das universidades está despreparada para receber alunas que são mães, tanto na questão de espaço físico quanto em apoio para a permanência dessas mulheres em seus cursos. Usando a UFG como exemplo, não existem fraldários, nem vagas dentro de projetos como o CEPAE destinado a alunos, projetos como a Bolsa Canguru que garantem auxílio financeiro para mães só aceitam crianças até cinco anos de idade.

‘O suporte que eu tenho da universidade é a minha bolsa permanência que eu consegui no ano de 2021, não é por eu ser mãe, eu consegui por ser aluna de baixa renda. Me ajuda demais, porque sem essa bolsa eu não sei se ainda estaria no curso agora porque teria que estar trabalhando. Um exemplo disso é que eu ainda não fui atrás de um estágio, porque eu não tenho tempo. Eu não tenho como dar atenção para minha filha estudar e fazer um estágio, isso para mim no momento é impossível”, relata Francisca de Souza.

Falando na comunidade, temos uma zona cinza: não existe nada que garanta a essas mulheres uma compreensão maior com relação a prazos, faltas ou atrasos além da consciência do docente, que pode ou não estar disposto a ajudar.

“Eu já reprovei numa disciplina que fiz todas as atividades e tinha nota. Eu chegava atrasada todo dia de 10 a 15 minutos, porque tinha que levar minha filha na escola antes de ir para faculdade, a professora sabia disso e ainda assim ela jogou meus atrasos nas faltas que eu tinha e eu reprovei. Foi uma das coisas que mais me atingiu, eu ia para essas aulas correndo, fazia o máximo para chegar o mais cedo possível, fazer as atividades, participar das aulas e fui reprovada, porque não tinha como chegar às 8 horas em ponto”, relata Francisca de Souza.

Nem toda a comunidade acadêmica é compreensiva. Vanessa informa que a universidade está inserida em um contexto de um país constituído no patriarcado. Que é normalizada a falta de compreensão. É preciso que toda a comunidade acadêmica compreenda que mães precisam de prazos diferenciados, há múltiplas maternidades e elas devem ser consideradas.

“A realidade de uma mãe periférica, indígena, quilombola, negra é diferente da realidade de uma mãe branca. Assim como devemos pensar naquela mãe que não tem nenhum tipo de rede de apoio. A universidade desconhece a sua própria comunidade acadêmica. Quantas mães temos na UFG? Quantas mães indígenas temos na UFG? Quantas mães negras temos na UFG? Quantas mães atípicas temos na UFG? Quantas mães sofreram assédio? Quantas mães pediram aumento de prazo na defesa ou conclusão do curso porque o filho(a) estava doente? Quantas mães foram obrigadas a desistir do curso por não encontrarem uma estrutura física, psicológica e emocional para permanecer? Quantas mães não conseguiram acessar a pós-graduação? Quantas mães ocupam cargos de poder na UFG? Não sabemos!”, critica Vanessa Clemente.

“Eu acho uma falha imensa porque nós estamos numa universidade que prega muito a inclusão, a mudança da cara dos alunos, sair daquele perfil de alunos brancos, classe média, de 20 anos. Não só por eu ser mãe, mas também, como uma aluna cotista, uma aluna negra, os outros alunos também encontram barreiras, é como se dissessem ‘eu quero que você venha mas eu não quero mudar para que você permaneça aqui’”, opina Francisca de Souza.

O que pode ser feito?

“Precisamos de uma mudança profunda e estrutural. O primeiro passo é conhecer a comunidade acadêmica, conhecer as mães que compõem a comunidade acadêmica e escutar. Precisamos de políticas públicas para que as mães não fiquem à revelia de interpretações de departamentos, mas que seus direitos sejam garantidos por lei. Precisamos de cursos para conscientizar todo o corpo universitário. Precisamos debater, criar estrutura, aumentar as vagas nas creches, ampliar os prazos, ter uma ouvidoria dedicada para questões que envolvam denúncia de assédio, precisamos de editais diferenciados, mudança na forma de avaliação da CAPES… A lista é extensa, necessária e urgente.” Vanessa Clemente.

Lutando contra a estrutura atual, a comunidade se organiza tentando ser ouvida pelas autoridades responsáveis. Um exemplo disso é o coletivo de mães da UFG criado por estudantes em 2018 e o GT Mulheres na Ciência e Maternidades Plurais, que já realizou cursos para a formação de novos profissionais, realiza pesquisas que estão disponíveis gratuitamente para serem lidas no site e foi responsável por uma série de lives oficiais no canal da UFG no Youtube conversando sobre maternidades plurais em 2021. Você pode conhecer mais sobre o GT clicando aqui.

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