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Terreiro de candomblé em Aparecida de Goiânia completa 10 semanas de reconstrução após invasão e saqueamento em março de 2022.

Meses após a invasão (ainda não solucionada pelo poder público) ocorrida em março no terreiro de candomblé ketu Ilê Ogun Asé Abí Awó, a casa se reergue com fortalecimento de seus laços e de sua segurança. Agora, com cerca elétrica nos muros e paredes pintadas de branco onde há pouco estavam pichados insultos aos orixás e afirmações como “só o sangue de Jesus salva”; louças novas onde saqueadores de outra fé quebraram até o último prato e jogaram no lixo até o último grão de comida. E, com resistência e braços dados com toda a comunidade, o ilê mostrou seu asé – ou sua força, sua vitalidade e sua certeza em continuar em frente com a bênção de suas entidades sagradas. 

Num país fundado em bases coloniais de exploração e necropolítica, é uma consequência direta que somente 15 anos após a criação da lei federal nº 11.635/2007, que institui o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, casos de racismo religioso e violência direta aos povos de terreiro ainda estejam em seu ápice. Dados coletados pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) apontam que, só no ano de 2021, foram registradas 571 denúncias de violação à liberdade de crença. 

A branquitude brasileira possui uma dívida histórica irreparável. As tentativas de desagravo da desigualdade de raça e classe no país, intimamente ligadas, são recentes demais pra que se considerem consolidadas. Os esforços estão apenas começando e não alcançaram o nível mínimo de investimento social requerido, visto que, ainda hoje, 71,7% dos adolescentes e jovens que abandonam as escolas são socialmente racializados (Pnad Continua da Educação 2019)

Mas apesar de tardios, os resultados dos esforços seculares dos movimentos sociais têm chegado e devem ser reverenciados. A exemplo do Projeto de Lei 1279/22, em tramitação na Câmara dos Deputados, que procura instituir meios de proteção das comunidades e indivíduos de terreiro e conscientização da população geral. O PL, de autoria de Erika Kokay (PT-DF), atesta também a inviolabilidade dos territórios tradicionais de matriz africana, salvo mandado judicial (fonte: Agência Câmara de Notícias). A deputada justifica a necessidade de implementação da lei relembrando que o Brasil foi o país que mais recebeu e escravizou pessoas sequestradas em África, chegando a uma estimativa de 5 milhões de indivíduos até 1888. 

Ainda não caminhamos sequer os primeiros capítulos da luta antirracista no Brasil. Mas os movimentos sociais de povos de terreiro e comunidades tradicionais têm desenhado esse caminho há séculos, com instruções de organização política, experiência e paciência. Se o Estado ainda não acatou os gritos de ajuda e orientações de construção de um mundo melhor, é porque a ele interessa manter poucos corpos idênticos (brancos, ricos e poderosos) na mesma posição hierárquica que conhecemos desde a colonização. Porque uma mãe de santo num cargo político abalaria todas as estruturas sociais que nos regem. E o desastre dos poderosos é que os oprimidos tomem a autonomia de permanecerem vivos. 

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