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Foto em destaque: ANESP
No período de 2019 a 2022, os ataques à imprensa cresceram de forma frenética em território brasileiro: o número de casos registrados aumentaram 328%. O ano de 2022 foi marcado por ser o mais violento para a imprensa desde 2019. Ele acumulou 557 alertas em seus 365 dias.
Apesar de 2022 ganhar pela quantidade, 2023 se destaca pela intensidade. Foram identificados 109 ataques, apenas entre os meses de janeiro e maio. Pela primeira vez, o número de episódios com ameaças graves, violência física e destruição de equipamentos ultrapassaram, em 46,8%, os casos de violência verbal contra jornalistas.
Veja no gráfico a seguir as formas de agressão contra a imprensa mais comuns durante os primeiros meses de 2023:
As informações apresentadas foram retiradas do novo relatório “Silenciando o mensageiro: os impactos da violência política contra jornalistas no Brasil”, publicado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). O objetivo do monitoramento é tornar visível as causas e consequências da violência contra jornalistas, meios de comunicação e imprensa de modo amplo no Brasil.
Além dos dados: a visão dos profissionais
Com base nos dados divulgados pela pesquisa, tornou-se evidente que, nos últimos quatro anos, a polarização e a radicalização do cenário político motivaram os ataques aos profissionais de jornalismo. Além disso, afetaram seriamente a liberdade de imprensa.
Em entrevista ao Lab Notícias, Michel Gomes, repórter do G1 Goiás, fala sobre a influência da política nos ataques à sua profissão. “ Eu acredito que a política se tornou sim uma das principais motivações por trás dos ataques à Imprensa. Porque a partir do momento que um líder político, ou a pessoa eleita, incentiva os ataques e descredibiliza o trabalho dos jornalistas, os seguidores que acreditam nos seus ideais acabam fazendo o mesmo.”
Além disso, a repórter da TV PUC, Mariana Jardim, possui a mesma linha de raciocínio do seu colega de profissão. “ Eu acredito que o período que o presidente Bolsonaro estava à frente do país influenciou muito a forma que as pessoas enxergam o jornalismo. Aquele momento foi quando ele mais incitou o ódio à imprensa, principalmente aos profissionais da Globo.”
A invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro
O número de agressões graves a jornalistas cresceu 34,2% entre 1º de janeiro e 15 de maio de 2023, em comparação com o mesmo período do ano anterior. De acordo com o relatório da Abraji, o responsável por esse aumento foi a invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro, tendo em vista que 15,5% dos casos registrados nos primeiros quatro meses e meio do ano aconteceram nesse dia.
Janeiro acumulou 41,3% dos 109 casos do ano. O número de agressões se manteve relativamente estável entre fevereiro (16,5%) e março (17,4%) e seguiu caindo desde então.
No contexto da invasão foram registrados 17 episódios de ataques, com 18 vítimas. Todos se enquadram na categoria “Agressões e ataques”.
Além disso, é possível perceber a influência do cenário político devido a distribuição geográfica, considerando o grande número de alertas no Distrito Federal. Apesar do Sudoeste ser a região com mais número de casos, de janeiro a maio, a capital do Brasil registrou a maior quantidade, com 24 casos, e logo em seguida veio São Paulo, com 19 casos.
De acordo com Michel Gomes, a influência da política está direcionada, principalmente, ao ex-líder político, seus apoiadores e outras pessoas influentes na política, que incentivaram esse tipo de situação. “Em certos momentos, alguns candidatos postaram fotos e reportagens de jornalistas específicos, incentivando o ataque a essas pessoas.”
Segundo o profissional, esse clima foi instigado por muitos anos, o que ocasionou esse aumento. “Não só naquela época, porque hoje em dia ainda temos muitos políticos que incentivam esse tipo de situação, que descredibilizam o nosso trabalho, ao ponto de pedirmos uma informação e a pessoa te atacar ou te desmerecer.”
A violência online e de gênero no jornalismo
A internet sempre foi um meio de propagar ataques e discursos de ódio. Na opinião do jornalista Michel Gomes, “As redes sociais são a principal arma que eles têm para instigar esses ataques.”
No entanto, apesar de 33% das agressões estarem relacionadas à internet, os ataques passaram a ser realizados cada vez mais no mundo real. Do total de 109 casos registrados até 15 de maio, apenas 36 deles estavam relacionados com a internet.
“Eu vejo que o alcance enorme que as redes sociais possuem hoje em dia possibilitou que os políticos as usem justamente para incentivar esse tipo de ataque. Eles distorcem informações, distorcem notícias e tiram trechos de fora de contexto para incentivar uma perseguição a profissionais. Às vezes corta um trecho de uma reportagem para tirar aquilo do contexto e fazer com que o repórter seja atacado”, expõe o profissional.
Um ponto que merece atenção é a definição das principais vítimas dos ataques ocorridos na internet. Do total de ataques on-line em 2023, 25% apresentaram traços de violência de gênero. Tais episódios envolveram casos de machismo, misoginia, homofobia, transfobia e assédio sexual on-line. Em 44% dos casos, ao menos uma mulher cisgênero estava envolvida, enquanto homens foram alvos em 25% dos episódios.
Segundo o monitoramento Violência de Gênero contra Jornalistas, 62,7% dos casos de ataques contra mulheres jornalistas ou de violência de gênero ocorreram no contexto da cobertura política
A repórter da TV PUC, Mariana Jardim, já trabalhou com assessoria política, e relatou um pouco da sua experiência. A profissional conta que hoje em dia a política não influencia tanto no seu trabalho, tendo em vista que não trabalha para um veículo tão grande. Todavia, na época em que trabalhava com assessoria política era um assunto que impactava diretamente a sua vida.
“Eu já ouvi xingamentos, insultos e ameaças.”: relatos de jornalistas
Em entrevista realizada pelo Lab Notícias, João Victor Guedes, repórter da TV Anhanguera, e dono da empresa Boomerang Comunicação, relatou as dificuldades que enfrentou como profissional nos últimos anos.
“O Brasil viveu uma situação bem particular e problemática no sentido político, social, econômico, cultura e de cidadania, principalmente nos últimos quatro anos. Nesse período a informação virou inimiga, visto que não eram aceitas opiniões contrárias às suas e ao seu modo de trabalho”, afirma o jornalista.
João Victor também compartilhou algumas experiências traumáticas que precisou lidar. “Eu já ouvi xingamentos, insultos e ameaças, mas isso faz parte da nossa profissão: se a gente está incomodando, é porque o nosso trabalho está sendo feito.”
Já Michel Gomes reforça a dificuldade em encontrar e conversar com fontes que falem com ele, que dê informações importantes e de relevância. “De um tempo para cá, depois de vários fatores, principalmente na política, a profissão do jornalista acabou sendo dificultada de alguma forma. As pessoas acabam desacreditando no nosso trabalho, porque não confiam e não concordam com o veículo que você atua.”
Além disso, ele conta que já foi tratado de forma desrespeitosa por outras fontes, principalmente nos comentários das matérias que publica. “Esse jornalista não sabe escrever, esse jornalista é de tal partido.”
Confira o relatório completo da Abraji: “Silenciando o mensageiro: os impactos da violência política contra jornalistas no Brasil”