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O futebol feminino vem evoluindo cada dia mais, tanto no Brasil como no mundo. Recordes de público na Europa e na América do Sul. Recorde de premiações. Aumento na sua popularidade e na igualdade de gênero no gosto pelo esporte em geral, visto a pesquisa da Uol em parceria com a Mind Miners, que mostra homens (51%) e  mulheres (49%) dividem o interesse por futebol.

Hoje (11),  a Copa do Mundo feminina que ocorre na Austrália e Nova Zelândia, já está nas quartas de final da competição. A seleção brasileira foi desclassificada na fase de grupos, mas o apoio dos homens e das mulheres parece que nunca foi tão forte.

Imagem por: Lance!

O IBOPE Repucom divulgou a quantidade de interessados na Copa, através  da pesquisa Sponsorlink, e constatou que, o volume de brasileiros que se declaram fãs de Copa do Mundo Feminina é de 56,4 milhões de pessoas conectadas, ou seja, 48% do universo brasileiro de internautas. Para se comparar, o Kantar Ibope divulgou que em 2021, somente 34% dos fãs de futebol acompanham futebol feminino.

2021Interessados ​​em Futebol (%)Interessados somente ​​em Futebol Masculino (%)Interessados ​​em Futebol Feminino (%)
      N°                      100%                          66%                      34%
Dados: Kantar Ibope

Além disso, o Kantar Ibope mostra que 68% dos brasileiros são fãs de futebol e que as mulheres representam 44% da base de fãs de futebol no país. (COLOCAR CONCLUSÃO?) COM FALA E NÃO DADOS

Por: Kantar Ibope

Milena Oliveira, jogadora do Vila Nova, discorre sobre a evolução do esporte e destaca a força das mulheres que vem aumentando no futebol: 

“Acho que melhorou muito em comparação ao que era, hoje está tendo uma crescente enorme no futebol feminino, principalmente com categorias de base. Infelizmente o Brasil foi eliminado na copa do mundo, mas as mulheres vem se impondo cada vez mais e ganhando muito espaço, independente do preconceito e do machismo”.
Foto via Instagram: @edivaircusttodio27

Entretanto, a misoginia, o machismo e o preconceito com atletas, jornalistas e qualquer mulher que esteja no ramo do esporte, não saíram de cena. Além dos desafios enfrentados no esporte, como desigualdade salarial, falta de estrutura dos clubes, pouco investimento, entre outros, o futebol feminio ainda sofre com a histórica resistência popular. 

Além da violência e preconceito contra mulher nos estádios, o que vem prevalecendo nessa resistência, é a constante base de comentários misóginos e preconceituosos relacionados ao futebol feminio e às mulheres ligadas a ele, nas redes sociais e nas plataformas de transmissão, visto que as competições ganham força a cada ano. 

Podemos citar um caso de destaque esse ano, no qual, durante a transmissão  da Copa Do Mundo, a Cazé TV, teve que desativar o chat por comentários misóginos. Há também inúmeros ataques sexistas a comentaristas e narradoras, como foi o caso de Ana Thaís Matos da Globo e SporTV, durante a Copa do Mundo masculina de 2022; da narradora Renata Silveira, também da emissora carioca; e da narradora da ESPN Luciana Mariano

Renata Silveira sobre críticas após narração na Copa: ‘Não é sobre meu trabalho, é por ser mulher” Veja a declaração:

Video por: Splash

Jogadora Sub-20 do Vila Nova, conhecida como Japa, comenta sobre as importunações nas redes e os estímulos causados por elas:

 “Esse discursos de ódio nas redes sociais tem a intenção de inferiorizar e atacar as mulheres que jogam futebol, na cabeça de algumas pessoas o futebol é um esporte que foi criado só para ‘homem’. Esses comentários como: mulher deve lavar louça, lugar de mulher é na cozinha e etc, só dão mais motivação para nós mulheres continuarmos lutando por mais valorização no futebol feminino”.
Foto: Reprodução Via Instagram

A professora Ma. Simone Gomes Firmino, pesquisadora em Ensino de Ciências e Biologia com ênfase em Gênero e Sexualidade, doutoranda em Educação em Ciências, destaca os segmentos dessas importunações:

“Acredito que a principal consequência seja o desestímulo, o desânimo e os próprios traumas psicológicos causados pelo discurso de ódio e pela exposição negativa”.

Ela relembra o caso em que o narrador Galvão Bueno foi acusado de menosprezar a comentarista Ana Thaís Matos na transmissão da Copa do Mundo de 2022.

“Na cobertura feita pela rede Globo da copa do mundo masculina do ano passado no Qatar; ocorreu situação em que Galvão Bueno foi misógino com a comentarista Ana Thais Matos, não dando respostas aos seus comentários, direcionando o bate-papo apenas com os comentaristas homens, e mais ainda, não aceitando os comentários feitos pela jornalista e comentarista”.

Torcedora de arquibancada, Vanessa Egla Rocha do Nascimento, Jurista, Mestre em Segurança Pública pela Universidade Federal do Pará, discorre sobre as diversas adversidades enfrentadas por jogadoras de futebol, torcedoras, narradoras, influenciadoras, repórteres, jornalistas e demais mulheres profissionais do futebol:

“Elas enfrentam desde dificuldades estruturais de estádios mais antigos, que ainda não contam com espaços para mulheres, por exemplo (banheiro feminino no setor de imprensa, um vestiário feminino para as team-leaders, vestiário feminino para árbitras), até ataques virtuais de grupos misóginos ou movidos pelo senso comum.”

Ela esclarce que não somente os grupos organizados masculinistas que cometem misoginia, e nem sempre os ataques são deliberados e conscientes.

 “ Por vezes, comentários como “a voz de narradora mulher é chata” ou “futebol feminino é sem graça”, por exemplo, que parecem normais, na verdade estão impregnados de machismo, porque o machismo é estrutural. Então a luta é muito mais ampla e profunda. Tudo passa por uma mudança estrutural na política e na educação, mas as lutas diárias e constantes são necessárias na mudança deste cenário”. Concluiu a Jurista.

Visto as inúmeras importunações, preconceitos, agressões, como pode-se explicar a origem de tais ações? E o que explica e influencia as mesmas? 

CAUSAS E RAÍZES

Imagem por: El País

Simone desenvolve as bases desses comportamentos de misoginia e ofensivos no ramo do futebol:

“A origem está nesta formação social e cultural patriarcal, onde a mulher é vista como sendo inferior e menos importante do que o homem. A atitude e o comportamento machista vem dessa historicidade de hegemonia do patriarcado em que ao homem é dado o poder de decisão e à mulher resta o papel de submissão e de inferioridade.”

Ela destaca as gerações dos indivíduos que praticam esses comportamentos, evidenciando que uma geração influencia a outra, principalmente aquelas mais conservadoras que não dão espaço para as mudanças e transformações sociais:

“Por exemplo, a chance de um pai apaixonado por futebol e conservador (misógino) influenciar seus filhos é bem grande; ou seja, para esse pai futebol é coisa de homem, e caso tenha filha jamais apoiaria a paixão pelo futebol e menos ainda a prática de futebol dessa filha.”

 Simone observa que existe um movimento de transformação social em andamento em nossa sociedade, não apenas no futebol, mas, também em outros aspectos sociais; e que por se tratar de um processo é importante o apoio à valorização das pautas femininas, tanto no esporte futebol quanto em outras áreas da sociedade.

A jurista Vanessa Egla também esclarece as possíveis causas da persistência do preconceito contra a mulher no desporto:

É impossível falar dessa onda de misoginia contra o futebol feminino no Brasil sem mencionar o atual momento político de extremismo que o país tem enfrentado. O futebol feminino, assim como os direitos sociais das mulheres e minorias se modificam conforme os diversos contextos políticos da história.”

Pode-se relacionar a declaração da Jurista com o levantamento exclusivo do Monitor da Violência, que mostra um aumento de 5% nos casos de feminicídio em comparação com o ano de 2021. O levantamento também mostra que durante o ano, uma mulher morria a cada 6 horas

“O mundo tem lutado contra o ressurgimento da extrema direita e, recentemente, o Brasil enfrentou e derrotou a extrema direita nas urnas. Esses grupos são marcados pelo conservadorismo, pelo pragmatismo e pelo ataque às minorias e movimentos sociais.” Completou Vanessa.

Simone também analisa as bases da manutenção da misoginia no futebol brasileiro, avaliando essa manutenção como um reflexo da formação social patriarcal e da não valorização da cultura esportiva que temos enraizado em nosso país. Destaca a própria constituição e institucionalização do futebol sendo pensado, gerido, dirigido, fiscalizado e jogado exclusivamente por homens.

“Contudo, mesmo que com o passar do tempo o futebol tenha evoluído, se desenvolvido e se popularizado como o esporte mais visto e querido pelos brasileiros, ainda hoje é perceptível os resquícios das raízes conservadoras e misóginas, o que torna a realidade do futebol feminino um grande desafio de superação para as praticantes dessa modalidade.” Conclui a professora.

OBSTÁCULOS E HOSTILIDADES

O futebol sempre foi dominado, administrado por homens e, até pouco tempo atrás, praticado apenas por homens, com preconceitos, discriminações e exclusões, que continuam até hoje.

Imagem por: Getty Images

 A jovem Japa, atleta do Vila Nova, também descreve os principais desafios enfrentados no futebol:

“São tantas coisas… Entre elas a falta de apoio no futebol, falta de investimento, estrutura, além dos preconceitos que vem crescendo cada vez mais. O futebol feminino em vários lugares é banalizado, até porque há tempos atrás o futebol feminino era proibido”.

Até o começo dos anos 1980, as mulheres eram proibidas de jogar futebol no Brasil. Proibidas por lei. Isso porque no governo Getúlio Vargas um decreto de 1945 proibiu as mulheres de praticarem esportes considerados “incompatíveis com as condições de sua natureza”, o futebol dentre eles. A proibição ficou rigorosa durante a ditadura militar, com a resolução do Conselho Nacional de Desportos de 1965. Somente em 1979 as normas foram revogadas e as mulheres tiverem seus direitos devolvidos,

Simone também comenta sobre os obstáculos sofridos ao longo da evolução do desporto:

”Existe uma constância desse discurso misógino ao longo do processo de popularização da modalidade esportiva futebol. Isso significa dizer que durante esse processo de popularização houve uma disparidade, na qual o futebol masculino se popularizou mundo afora, enquanto que o futebol feminino sequer existia. “ A proibição durou por mais de 40 anos; o que a meu ver impediu o futebol feminino de se popularizar e de evoluir, seja tecnicamente ou enquanto modalidade esportiva em si.” Completou Simone

Vanessa destaca como se agravou a proibição do futebol feminino durante a ditadura militar no Brasil:

“Em 1965, com o governo militar, a proibição foi mantida e ainda mais detalhada. A razão era a incompatibilidade com as condições da natureza da mulher. Contudo, as proibições nunca conseguiram, de fato, travar a prática de esporte pelas mulheres, que resistiam às Leis e Decretos, embora, sem dúvida, eles tenham sido um grande empecilho à sua profissionalização”.

A misoginia no esporte, é algo que abrange o mundo todo, e há homens que possuem ações claramente misóginas. Um estudo realizado no Reino Unido e  liderado pela cientista Stacey Pope, da Universidade Durham, apresentou que homens com atitudes abertamente misóginas no que diz respeito ao futebol feminino ainda são a maioria com 68% em relação aos homens de atitudes progressistas e de que não cometem por vergonha. 24% por cento são contrários a atitudes sexistas e 8% têm medo de praticá-las. A pesquisa ouviu 1.950 homens fãs de futebol, recrutados em fóruns de torcedores do Reino Unido.  

Japa, conta momentos em que foi hostilizada por ser jogadora de futebol:

“Eu já fui xingada, humilhada, tentaram me atacar, já me jogaram utensílios quando eu estava dentro de campo… É triste saber que uma mulher tem que ter medo de fazer o que gosta por pessoas hipócritas”.

“Desde criança sempre gostei muito de esportes, especialmente, futebol. Na escola sempre queria jogar bola com os meninos, até porque das turmas que fiz parte, sempre fui a única menina a gostar de futebol. Havia uma rejeição mais por parte das colegas mulheres do que dos colegas homens. O fato é que sempre fui questionada por gostar de futebol, por jogar futebol na infância e adolescência e na vida adulta por discutir futebol”. Também relatou a professora Simone.

Milena Oliveira retrata a falta de apoio e as ofensas contra ela, além de mostrar a persistência das mulheres no esporte:

“Minha mãe foi a única que me apoiou e esteve comigo em todos os momentos, na verdade ouvia coisas do tipo: você não vai pra lugar nenhum com futebol ‘isso é coisa pra menino “não vale a pena” “você é Maria macho” “moleque macho” enfim, se eu for falar todas as críticas não construtivas eu não pararia. Mas faz parte, apenas não desistir e persistir no meu sonho, com muita fé, foco e perseverança”.

COMBATE E RESPOSTAS

Por Amadeus Pamplona

Em 2023, já temos medidas que combatem de frente a misoginia no esporte mais famoso do mundo. É o caso da Lei 9.622, que foi sancionada no Estado do Pará em junho de 2022. Com o objetivo de combater a importunação sexual nos estádios do Pará, a lei prevê a criação de campanha permanente contra essas adversidades.

Imagem por: Free Pick

A atleta Milena, não deixa de evidenciar a importância  de combater a misoginia no futebol, e da valorização do esporte femininio:

“Os clubes deveriam olhar mais para o futebol feminino, mesmo com essa crescente, ainda é muito carente tanto de estrutura (em alguns clubes) como de atenção também. Algumas equipes têm muito descaso, apenas colocam por obrigação e não dão a devida atenção”.

Simone comenta os desafios e deveres para combater a propagação de discursos de ódio contra o futebol feminino:

“O que se pode observar nesse processo de popularização do futebol feminino é que estamos na direção certa, mas ainda há muitos desafios a serem superados, pois, esta superação depende da coletividade. E para haver repressão efetiva à misoginia é preciso antes haver a conscientização coletiva, social e cultural de que o homem não é melhor que a mulher; haver a mudança do comportamento social sobre os papéis de gênero na sociedade, entre outras transformações.” 

Simone, enaltece os avanços e as barreiras ultrapassadas, tanto na própria popularização quanto na estrutura dos times e da seleção feminina, mas, reforça que a repressão da misoginia no esporte está para além das quatro linhas do campo de futebol:

O discurso de ódio deve ser combatido diariamente e esse combate deve ser direcionado a qualquer tipo de preconceito e discriminação; no entanto, na esfera do futebol feminino aumentar sua popularidade, o investimento social, cultural e profissional, contribuiria para a diminuição dessa rejeição e do discurso de ódio.”  Completou Simone.

Ela reforça que há um longo caminho nesse enfrentamento, e destaca que o apoio e a defesa do futebol feminino dependem da militância diária dos movimentos sociais específicos a essa causa, mas também de toda a população brasileira.

Vanessa analisa o processo de combate à misoginia no futebol, desenvolvendo como o machismo está arraigado na sociedade e só é combatido com muita conscientização, campanhas, esclarecimentos, rodas de conversa e movimentações políticas. “A luta é permanente”, disse a jurista.

Ela finaliza dizendo que há muito o que pode ser feito para enfrentar discursos de ódio contra o futebol feminino, principalmente nas redes sociais, que é preciso começar por uma legislação mais rigorosa contra crimes virtuais.

É preciso começar por uma legislação mais rigorosa contra crimes virtuais. É grande o número de pessoas que se esconde atrás de uma tela para cometer crimes.” 

“Mas é também preciso que avancemos nas discussões referentes a investimento no futebol feminino (por parte do poder público e privado), equiparação salarial, legislação e visibilidade por parte dos meios de comunicação. É possível avançar por um futebol feminino forte!
ção.’’ Encerrou a Jurista.

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