O jornalismo goiano por Jordevá Rosa

Com 34 anos de carreira jornalística, Jordevá Rosa conta detalhes sobre bastidores da TV e a influência disso em sua vida pessoal
nov 1, 2023 ,
Tempo de leitura: 9 min

O jornalista Jordevá Rosa, conhecido pela ancoragem do “Jornal do Meio-Dia” (principal jornal da TV Serra Dourada, afiliada do SBT em Goiás) concedeu uma entrevista sobre seus 34 anos de carreira televisiva. Falou sobre como foi trabalhar na direção de um jornal de amplo alcance, os projetos que fez, sua presença nas redes sociais. Além disso, contou bastidores do caso marcante das primeiras gêmeas siamesas a fazerem a cirurgia de separação no Estado de Goiás e sobre sua própria história de vida.

Imagem da entrevista com o jornalista Jordevá Rosa, feita pela estudante Andressa Bueno.

Jordevá contou seu gosto pela criação de projetos com uma certa “cara social” quando dirigia a equipe do “Jornal do Meio-Dia”, colocando uma linha editorial que convergia para essa preferência. Contou também sobre a experiência da transição do analógico para o digital.

“Me lembro que antes do digital nós criamos quadros, por exemplo o ‘Repórter Cidadão’ – em que as pessoas mandavam imagens que eram transmitidas ao vivo – e aquilo quando as redes sociais chegaram explodiu, porque aí as pessoas mandavam ainda mais. Nós criamos, por exemplo, o canal de YouTube, sendo a primeira emissora a criar um canal de jornalismo televisivo aqui em Goiás, o que acabou atingindo milhões de pessoas.”

Um desses projetos idealizados por ele, que tem certa notoriedade, é o clipe da romaria de Trindade. A música composta por um artista trindadense relata a ida do romeiro à cidade com o carro de boi. A cada ano desse projeto são convidados cantores sertanejos para a gravação, sem custos, e assim o artista representa o romeiro.

“E isso hoje é uma marca da “Romaria de Trindade”, tanto é que a TV Pai Eterno comprou os direitos da música e hoje ela dá continuidade nesse projeto criado em 2002. Para se ter uma ideia já gravaram Victor e Leo, Rio Negro e Solimões, Gian e Giovani, Sérgio Reis, Guilherme Santiago, Trio Parada Dura, Edson e Hudson, Amado Batista e muitos outros.”

Outros feito durante a direção jornalística do Jordevá foi a apresentação ao vivo do jornal diretamente de cidades do interior. Levando em conta que jornais televivos são feitos para estúdios, proporcionar esse contato com a população é considerado por ele um grande feito:

“Eu sempre tive essa ideia de diminuir a distância entre o apresentador e o telespectador, seja com a participação popular, seja por meio de projetos.”

Além disso, eles também desenvolveram uma das maiores campanhas de arrecadação de brinquedos para o Natal durante cerca de 10 anos. A partir das doações os brinquedos eram entregues para entidades filantrópicas.

Atualmente as redes sociais do jornalista também são canais de comunicação, utilizando seu Instagram como forma de propagar notícias que seus próprios seguidores lhe enviam. Entretanto, Jordevá também observa o perigo das fake news, principalmente nas redes sociais.

“O que acontece hoje é que muitas pessoas buscam informação num grupo de WhatsApp e até mesmo no Instagram – mesmo que o Instagram seja pessoal. E nessas redes as pessoas postam o que elas querem, nem sempre aquilo que é postado é verdade. O que se torna um desafio muito grande, não só para nós jornalistas, mas também para a democracia brasileira. Quando você percebe que as notícias falsas dominam parte das conversas, até do entendimento das pessoas, vamos dizer assim, você percebe que aquilo é errado.”

Quando perguntado sobre suas matérias mais relevantes, Jordevá acredita que as matérias mais importantes são as do dia a dia. Segundo ele, grandes coberturas são as referências de um jornalista, mas acontecem uma vez ou outra. Já as matérias do dia dia é o que fazem a diferença, de acordo com ele. Para além disso, ele conta que as grandes reportagens que fez foi ouvindo pessoas na rua.

Uma dessas grandes reportagens que ele fez escutando pessoas na rua foi o caso das gêmeas siamesas. Segundo Jordevá, um dia ele estava na rua e uma pessoa o abordou, falando que tinha um caso muito importante:

“Naquela época não se fazia nenhuma separação de gêmeas siamesas no centro-oeste, e aí eu falei assim: ‘Ah, estão coladas pela cabeça?’ Ela falou não. ‘Coladas pelo peito?’ Não. ‘Mas como elas são coladas?’ – Porquê gêmeos siameses são colados, né?- Aí dei um papel e falei ‘Desenha aqui’, ela desenhou um corpo, uma cabeça para cá, uma cabeça para lá.”

A partir disso, Jodevá e seu cinegrafista foram de carro à cidade natal das meninas, que era a poucas horas de Goiânia, para conversar com a família, que se encontrava muito resistente em falar sobre a situação.

“Aí eu tirei a gravata, o cinegrafista tirou o colete, deixou a câmera no carro e fomos conversar com eles, porque eles estavam muito resistentes. E assim nós conversamos com eles, falando ‘Imagina essas crianças crescendo com 18 anos. Como é que vocês vão carregar? Como elas vão dormir? Como é que vai transportar num carro? Como vão levar elas para o hospital?’. E eu falei assim: ‘Olha, não sei o que pode ser feito, mas podemos achar um especialista, perguntar se alguém pode dar uma luz’.”

Depois disso a família permitiu a exposição do caso e a matéria saiu como exclusiva no “Jornal do Meio-Dia”. Quando colocaram no ar, deixaram claro que se tivesse algum médico especialista que estivesse disposto em analisar a situação das meninas que aparecesse. E desse modo, o Dr. Zacharias Calil apareceu, fez uma preparação de vários meses para a separação.

A cirurgia demorou cerca de 14, 15 horas e com mais de 50 profissionais envolvidos. As crianças tinham três pernas, uma ficou com a direita, a outra com a esquerda e a que sobrou foi usada como enxerto. Infelizmente uma delas faleceu, a outra gêmea se chama Larissa e hoje já tem mais de 20 anos. Jordevá conta sobre o impacto disso na medicina goiana:

“Foi feito em um hospital público e cresceu tanto que se tornou referência até fora do país, com Discovery Channel tendo uma reportagem sobre isso. […] Então nós abrimos uma porta imensa, com o jornalismo, para um problema, que hoje, pessoas do Brasil inteiro procuram Goiás. Vale a ressalva que é um hospital público, tudo feito no hospital é sem custo nenhum, então esse foi um dos pontos que eu acho muito importante.”

Foto da cirurgia de separação das gêmeas siamesas com o Dr. Zacharias Calil. Créditos: Cristina Cabral/O Popular.

Mesmo com o vislumbre que essa e outras matérias geraram para Jordevá, o jornalista permaneceu no seio do jornalismo goiano. Quando perguntado sobre o motivo, ele explica que sua escolha foi familiar. Ele cuidava dos pais que eram dependentes dele para situações básicas como levar em hospitais e afins, o que o fez recusar propostas para jornais de âmbito nacional. Entretanto ele não sente que perdeu oportunidades:

“Às vezes me perguntam ‘Ah, por que você não foi para emissora x e tal?’ Acho que o que eu me propus a fazer eu consegui fazer onde eu estava, né? E onde eu estou, também estou conseguindo fazer e é isso. É aquilo que eu falei para você: onde estiver, faça bem feito, pense no jornalismo como um elo de você fazer com que as pessoas tenham seus direitos preservados, que elas conheçam o que elas realmente podem ou não fazer. Leve a informação para que essas pessoas tenham conhecimento.”

Para além, o jornalista conta, também, que veio de uma família humilde, seu pai era peão de roça, onde ele morou até seus 18 anos. Ele não tinha acesso à televisão e com isso nunca se imaginou na atual profissão.

“Eu ia estudar de bicicleta, andava 16 Km por dia de madrugada, aquele negócio todo porque eu sabia que eu tinha muitos sonhos. Sabia que para conseguir aquilo tinha que estudar, o único caminho era estudar, não tinha herança, não tinha nada. Assim eu fiz do estudo uma ferramenta para que eu pudesse ser um bom profissional. Independente de onde fosse né? E eu fiz Ciências Contábeis no começo, ia de ônibus para Anápolis, fiz durante dois meses, não era minha praia. Depois eu me preparei pra Direito. Eu defini que queria ser jornalista faltando pouco tempo para o vestibular. Aí eu fiz os dois cursos ao mesmo tempo. Terminei jornalismo e terminei direito, mas optei pelo jornalismo, e foi muito legal.”

Quando perguntado se pensa em escrever algum tipo de biografia, contando os bastidores nessa matéria relatados e sua própria história de vida, Jordevá diz que pretende escrever em forma de contos, de poucas páginas.

“Às vezes tem muita coisa que você consegue fazer e que as pessoas nem sempre sabem, mas que é fundamental no resultado final. Tem muita coisa engraçada também, tem muita coisa legal, coisas que a gente acaba fazendo e que depois com o tempo é esquecido. Eu não tenho tempo agora, mas eu vou ter tempo, né? Diminuir o ritmo um pouco, para que eu possa ter tempo de escrever e viajar mais.”

Jordevá ainda complementa:

“Tem muita gente que tem histórias e eu acho que isso deve ser contado, todo jornalista poderia trazer isso, não para divulgar só o trabalho dele, mas para que as pessoas pudessem ter conhecimento. Para que eles pudessem saber que, por exemplo, Goiás abriu as portas para cirurgia de separação de gêmeas siamesas por meio de uma reportagem, né? Então não foi porque eles começaram, porque queriam começar. Não, eles foram acionados e eu fiz reportagem jornalística, né? E assim uma série de outras coisas que tem no dia a dia que você precisa contar sobre bastidores.”

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