Artes no Campus: marginalização e apagamento de narrativas estudantis

Estudantes que promovem o fazer artístico no Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás, através de literatura, dança, desenho e música, relatam ausência da instituição para com divulgação e promoção de tais eventos.
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Andando pelo Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás, fui parada por um rapaz vendendo sua arte. Não em forma de objeto, mas arte através das palavras: um fanzine (junção de fã com magazine, revista em inglês). Ele estava vendendo elas por 6 reais, com um jargão que tirou a atenção.

Por qual motivo um estudante tem que vender sua arte por um valor tão irrisório? Por onde andam os artistas da Universidade? Eles são divulgados? O que é feito de forma artística em uma faculdade tão grande?

Para responder essas e outras perguntas Carlos Roberto, o escritor dos fanzines, concedeu uma entrevista. O que abriu portas para conhecer o mundo artístico da Universidade Federal de Goiás.

Carlos Roberto

Carlos tem 22 anos, cursa Letra Espanhol na Faculdade de Letras, na UFG. Já participou de saraus, declamações de poemas e eventos semelhantes em sua faculdade. Começou a produzir fanzines sem ter o conhecimento de esse gênero literário já era consagrado.

Ele faz a venda da sua arte mais para sua subsistência no campus. Fazendo o design de impressão no Canva, ele determina a identidade visual que suas escritas terão. Fez um acordo com o dono de uma copiadora do campus: ele faz a impressão de manhã e vende os fanzines, com o dinheiro ele almoça e depois paga as impressões.

Carlos percebeu que poderia vender sua arte, a escrita, tendo contato com outros artistas, mas que são da área da música, na Emac (Escola de Música e Artes Cênicas da UFG). Segundo ele, os músicos têm mais facilidade em vender a arte que produzem, pelo fato que essa derivação tem mais consumo popular, além de que tem muita demanda e pouca oferta de profissionais, formados ou não.

O processo de escrita do autor dos fanzines começou em 2018. A partir do ano de 2021, ele percebeu que seus textos tinham certa identidade, as metáforas eram montadas de um modo, as estrofes se organizavam de outra maneira e os versos se encaixavam de uma forma bem específica. E assim, ele começou a explorar e consolidar sua forma de escrita, aprimorando conforme o passar dos anos. Segundo ele, a escrita é uma parte indissociável dele mesmo.

Quando perguntado sobre suas inspirações, Carlos Roberto usa de seu jargão para explicar:

Isso aqui é uma narrativa do meu cotidiano, e o cotidiano é transformado em metáforas sobre emoções e sensações vividas no próprio cotidiano. É isso que eu digo na ideia de venda, na ideia de apresentar o que eu proponho no fanzine, mas talvez nem seja isso. Acho que o lance do cotidiano está ali, porque eu escrevo tudo no cotidiano, eu escrevo sobre fatos cotidianos, e eu tento me despessoalizar ao máximo da minha poesia, porque eu quero falar de uma forma que não seja para mim, evidentemente, mas que seja para outras pessoas, saca?

Carlos também relata que não recebe apoio da Universidade, considera que é muito cerceada a disseminação de eventos que promovam a integração dos cursos em prol de fazeres artísticos, ficando setorizados na FAV (Faculdade de Artes Visuais) e na Emac. O escritor acredita que a Universidade poderia promover eventos que tragam esse viés para o campus, indo além dos pilares de ensino, pesquisa e extensão, integrando a comunidade.

O lance da Universidade Pública para todas as pessoas terem acesso também tem muito a ver com o lance da interdisciplinaridade, porque não é só aqui que o saber é construído, não é só aqui que produto intelectual é construído. Pessoas têm vivências, tem existências, formas de saber, epistemologias próprias que não ocupam esse lugar. Então, também é um ponto de interdisciplinaridade e acho que seria muito interessante também trazer a galera de fora aqui para dentro.
Imagem: Arquivo pessoal. Imagem de capa do fanzine, 6º edição.
Imagem: Arquivo pessoal. Imagem da contracapa do fanzine, 6º edição.

Maria Clara Cardoso

Autora do livro “Salaminho Hamburguês”, a estudante de Letras Português da Universidade Federal de Goiás, de apenas 18 anos, Maria Clara Cardoso conta sobre o processo artístico árduo de se publicar uma obra literária.

Sendo seu livro um conjunto de poesias existencialistas sobre o dilema da passagem do fim do ensino médio para a tão sonhada faculdade, a escritora aborda questões da urbanidade de Goiânia, bem como a sertanização através da valorização do agronegócio.

Dentro do Campus Samanbaia, Maria Clara conseguiu vender seu livro, bem como fazer com que ele fosse abordado em uma matéria de núcleo livre na Faculdade de Letras, com a professora Tânia Rezende. Acredita que dentro seu livro foi bem recepcionado nesse nicho, por mais que não tenha se estendido para além dele.

Com a venda do livro, conseguiu uma quantidade de dinheiro que a ajuda a fazer pequenas coisas, mas não a um parâmetro de financiar sua sobrevivência. Como ele foi feito antes dela estar inscrita na Universidade, ela não teve obteve patrocínio, apoio ou participação com a instituição.

Quando questionada sobre se a Universidade deveria fazer a divulgação de eventos ou produtos artísticos feitos pelos universitários, a jovem escritora dá sua opinião:

Eu acho que existe muita arte, muito fazer artístico dos estudantes dentro da Universidade. Principalmente porque existem cursos aqui dentro que são voltados justamente para isso, tipo: Artes Visuais, Teatro, Música. E a Letras (Faculdade de Letras) também de certa maneira, porque tem muita gente que escreve, até quem não publica, quem não coloca isso no mundo, tem para si esse fazer. Então, tipo assim, eu acho que que você precisa levar mais um pouco mais a sério os estudantes e os artistas. Mesmo quem não está inserido dentro daquela coisa acadêmica sabe? Mesmo se o estudante não tá’ expondo de alguma maneira formal, as pichações, os lambis também são maneiras de arte sabe? […]Porque o artista ele já é tão fragilizado, marginalizado né? Eu sinto que a universidade é um lugar às vezes de refúgio para essas pessoas e de acolhimento.

Sobre o processo de editoração, Maria Clara conta que foi árduo e quase doloroso. Segundo ela, o tensionamento entre a veia artística e o vendível influencia em grande parte como ela irá trazer essa arte para o mundo material.

Imagem: Arquivo pessoal. Autora Maria Clara Carsoso no lançamento de seu livro “Salaminho Hamburguês”.

Elis Valadares Jacobson

Com 25 anos, a estudante de Letras Português na UFG, Elis Valadares é coautora de um livro que inclui vozes femininas goianas. Sendo a ideia para tal, advinda da própria Universidade, mas não explorado por ela, a escritora conta sobre o processo do fazer artístico, publicação e seus desdobramentos.

“Entre Páginas Goianas, Narrativas Femininas” é uma coleção de sete autoras, contando com a Elis, que foi convidada a participar desse projeto por uma colega que o estava organizando. Mesmo com a maioria das autoras sendo de dentro da universidade, o livro que foi lançado esse ano pela editora Sominia não obteve nenhuma divulgação ou apoio da instituição.

Sendo realizado o sonho da primeira publicação, a escritora conta sobre suas inspirações para seus textos que complementam a coletânea lançada:

Então, acho que começa pela questão do o que é ser artista né? Se a gente tá falando de arte no campus, não sei se agora que eu publiquei o livro eu sou uma artista. E antes de publicar ele? Eu não era? […] Eu sempre escrevi muito para mim, eu nunca tive pretensão editorial e eu nunca tive uma pretensão de publicar. Eu acho que a arte acontece de uma forma espontânea, muitas vezes como uma maneira de expressão ou uma fuga ou uma transferência. Eu recebi o convite da Aline porque ela sabia que eu escrevia e eu fiquei até um pouco constrangida e assustada porque eu nunca pensei em publicar nada. Mas as coisas que eu escrevia para mim tinha um feedback legal e ela teve acesso e falou ‘nossa por favor participe, porque com certeza vai ter algo para agregar’. Então eu reuni uma coletânea de coisas que eu já havia escrito, que são poemas, um microconto e uma espécie de uma narrativa. Não é um livro com enredo consolidado, é uma coletânea né? […] É uma coisa no estilo meu, um estilo livre meu.

Dentro do campus Elis não obteve retorno financeiro significativo, ele não chegou a ser vendido ou divulgado pela Universidade. Mesmo com alguns professores verificando a possibilidade de um evento de lançamento dentro da Faculdade de Letras, o fato nunca foi arquitetado de modo definitivo. O valor arrecadado com o lançamento do livro foi divido entre as autoras, sendo um retorno notável, mas não alto.

Sendo a maioria dos seus textos publicados feitos já na graduação, a autora conta que permeia elementos goianos, inclusive do próprio Campus Samambaia. Como o poema “Sala 21, Bloco Cora Coralina”, que recebe o nome da sala e do bloco que ela tinha aulas e que serviu de base para tal.

Quando requisitada sua opinião sobre a divulgação e promoção de eventos artísticos dentro do âmbito acadêmico, Elis fala:

A arte é algo que a vida não alcança. A gente vê isso ocorrendo a muito tempo e até hoje é meio difícil contar no dedo e dizer que que é arte. E por consequência, o artista bater no peito e se considerar artista. Eu acho que a arte é resistência e produção de cultura e expressão e ela ajuda e ela afeta e ela inspira. É algo muito poderoso que deveria ter mais espaço, mais visibilidade dentro do campus. […] Eu acho que a Reitoria em si, por ela própria, talvez, não pensaria nisso. Mas são ações que a gente pode enxergar que poderiam ser construídas das bases para levar a visibilidade. Por exemplo, CAs (Centros Acadêmicos) e os grupos de alunos poderiam se mobilizar, porque acredito que só através de uma pressão popular que talvez se abriria um espaço maior. Não acho que é a UFG seja totalmente excludente com as artes, mas eu acho que é uma coisa muito setorizada, colocando a arte no lugar x , dia x, de um curso x,  de uma proposta x. Existe uma pluralidade muito maior que não se enquadra tá no curso x ou num curso y, a arte vem do sujeito e a gente tem indivíduos em todos os lugares aqui neste momento fazendo arte.
Imagem: foto feita por Andressa Bueno. Livro de coautoria da escritora Elis Valadares Jacobson.

Maria Ranoutra

Estudante de Licenciatura em Dança na Universidade Federal de Goiás, Maria Ranoutra tem 25 anos, está no segundo período e é uma aluna trans que está promovendo um evento sobre linguagens cênicas no campus.

Juntamente com outros estudantes, Maria está arquitetando um projeto com a coordenação da Emac (Escola de Música e Artes Cênicas). Com a primeira proposta tendo sido aceita, o grupo no momento está fazendo alterações para que se adequem as normas da instituição, pois o evento irá acontecer no espaço em frente a escola.

Sobre o evento e sua participação com a faculdade, a estudante fala:

A Universidade tem que observar isso com um olhar mais de humanidade. Esse evento não é um projeto de extensão, não é um projeto escrito. Ele pode virar, por exemplo, mas eu não nem pensei nessa ideia por ser um circuito de linguagens cênicas sendo apresentadas ao mesmo tempo, mas dentro de uma conjuntura oficial, que seria o evento. A ideia é que o evento durasse um dia mesmo, que as pessoas tivessem a oportunidade de estar em vários lugares e assistindo vários tipos de apresentações. Eu acredito que pela EMAC ter um espaço onde que tem linguagens cênicas envolvidas, não teremos tanto receio para fazer as apresentações.

Maria conta também que cerca de 4 ou 5 anos atrás aconteciam eventos com esse intuito dentro da Universidade chamados “Integradas Culturais”, em que toda a comunidade acadêmica se empenhava para realizá-los. Entretanto, devido a alguns atos criminosos, segundo a discente, os eventos foram encerrados pelo fato de se tornarem perigosos até para os próprios estudantes.

A entrevistada cita que um caminho para a integração artísticas dos estudantes seria a proposta da criação de uma página de comunidades de estudantes, em que eles teriam total autonomia para se organizarem. Segundo Maria, o requerimento para mudanças é necessário, pois elas podem nem serem sentidas pelos estudantes que estão na Universidade no momento, mas pelos próximos que irão ingressar.

Para além, a discente também fala sobre o coletivo Xica Manicongo, que aborda a visibilidade Trans e Travesti no campus. Com eventos que trazem reflexão e arte, o coletivo tem cerca de 7 anos e trabalha por políticas públicas de reconhecimento e permanência no espaço acadêmico.

Lambes e pichações

É fato que o Campus Samambaia é repleto de incursões artísticas visuais com lambes e pichações em vários prédios da Universidade. Para além de apenas expressões artísticas, esses formatos trazem reflexões, representatividade e tiram o âmbito formal requerido pelo meio acadêmico. Não consegui entrevistar algum representante dessas manifestações, mas trago aqui algumas fotos que tirei delas.

Imagem: foto feita por Andressa Bueno. Lambis no Pátio das Humanidades no Campus Samambaia da UFG.
Imagem: foto tirada por Andressa Bueno. Pichações feitas no Pátio das Humanidades no Campus Samambaia da UFG.
Imagem: foto feita por Andressa Bueno. Lambi colado na lateral da Biblioteca Central no Campus Samambaia.
Imagem: foto feita por Andressa Bueno. Beco com pichações na lateral da Faculdade de Artes Visuais da UFG.
Imagem: foto tirada por Andressa Bueno. Colagem/Lambi na lateral da Biblioteca Central do Campus Samambaia.

Resposta Institucional

Quando procurada sobre Projetos Extencionistas que poderiam viabilizar o fazer artístico de alunos para alunos ou comunidade, a PRAE (Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da Universidade Federal de Goiás) relatou que não há nenhum projeto em andamento ou aberto com esse viés. Dentro do projeto Saudavelmente existe a participação de musicoterapia e arteterapia, porém, nada idealizado em si por estudantes.

Já a Secretaria de Comunicação (Secom) da UFG quando questionada sobre a divulgação dos eventos informou que os estudantes, assim como a comunidade universitária no geral, podem a solicitar no Portal UFG através do envio de um e-mail para o jornalismo.secom@ufg.br, ou no redes.secom@ufg.br . Nesse site são publicados eventos que a UFG realiza ou apoia, notícias e editais. Os eventos são publicados em uma seção própria, apresentando m calendário especificando suas datas.

A Secom também relata que:

A Secom UFG recebe diariamente pelo e-mail jornalismo.secom@ufg.br solicitações de publicação de eventos, dentre outras sugestões de pauta, de toda a comunidade acadêmica. Sempre recebemos e publicamos materiais que recebemos dos agentes de comunicação da Emac, bem como de todas as unidades acadêmicas. Um outro caminho é buscar os agentes de comunicação que administram os sites e redes sociais das respectivas unidades acadêmicas para que também divulguem os eventos dos estudantes.

Muitas das peças de divulgação de eventos culturais, acadêmicos e/ou científicos são produzidos, sob demanda, pela Diretoria de Publicidade Institucional da Secom UFG. Outros braços da Secom UFG que divulgam eventos e produzem notícias com a temática cultural são o Jornal UFG (www.jornal.ufg.br) e a Rádio Universitária UFG (radiojornalismo@ufg.br, radioproducao@ufg.br). Há ainda a TV UFG (producao@tvufg.org.br), vinculada à Fundação de Rádio e Televisão Educativa e Cultural (Fundação RTVE), que recebe sugestões de pauta da comunidade. 

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