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No dia 21 de Janeiro se comemora o Dia Nacional ao Combate à Intolerância Religiosa, uma data com o intuito de trazer reflexão em homenagem à mais conhecida como Mãe Gilda. A Ialorixá e fundadora do Ilê Asé Abassá, Gildásia dos Santos e Santos, teve sua casa e terreiro invadidos por pessoas de outra religião que se opunham em relação às suas crenças. Após sua morte por um infarto fulminante foi instituído pela Lei Federal n. 11.635 em Dezembro de 2007 a data comemorativa.
Diante desse contexto, é evidente que crimes de vandalismo e importunação religiosa continuam sendo atos frequentes dentro das religiões de matrizes africanas, mesmo tendo uma data comemorativa contra esses atos. Trazendo em pauta, não só os pensamentos ignorantes em relação às crenças, mas como também o racismo lamentavelmente enraizado dentro da sociedade.
“A intolerância religiosa é uma realidade na nossa sociedade, e é vista desde falas preconceituosas, como o famoso ‘chuta que é macumba’ ou associar a religião à ‘coisa do do diabo’; em olhares diferentes por usar uma guia, um adorno ou algo que remeta a religião” diz Pablo Morais, sacerdote dirigente da casa de terreiro Luz de Nzambi.
Racismo Estrutural
Em 13 de Maio de 1888, o Brasil oficializava o fim da escravidão no pais com a Lei Áurea, sancionada pela princesa Isabel, sendo assim o último país da América latina a abolir a escravatura. Porém, o ato não trouxe à população negra oportunidades de se inserir na sociedade na época e isso teve reflexo nos dias de hoje na desigualdade social.
“Ao falar da intolerância religiosa, do racismo religioso, estamos falando desse lugar de negação e demonização das religiões de matriz africana. Estamos falando da criminalização, marginalização e estigmas negativos sob seus adeptos.” diz Erika Santos, a cofundadora e diretora executiva da Coletiva Preta e criadora do Atelier Njinga Moda Afro.
Além disso, mesmo que ainda seja comentado de forma delicada dentro da sociedade brasileira, percebe-se que há certa mudança no comportamento e visão em relação à cultura, já que é evidente que atualmente a comunidade atingiu o interesse também de pessoas brancas.
E mesmo que essa diversidade de raça não seja um problema ao primeiro olhar, vira um questionamento quando pessoas pretas não são em sua maioria dentro dos terreiros.
“Quando a branquitude se apropria dos símbolos e da cultura de religiosidade africana enfrentamos uma grande dificuldade de mobilizar estruturas para a mudança de relações que não estejam pautadas nas práticas racistas. Precisamos valorizar as culturas e religiosidade de matriz africana numa perspectiva de valorização e reconhecimento da diversidade, da liberdade religiosa e da promoção dos direitos humanos” reforça Erika.
Importunação e Crime
Recentemente foi exposto nas redes sociais do X (antigo Twitter) e Instagram um vídeo onde um homem evangélico entra no terreiro e desafia o pai de santo e os filhos da casa, para que conseguissem fazer uma entidade incorporá-lo.
Vídeo
Casos assim acabam se tornando comuns dentro da comunidade, na qual Pablo explica mais sobre esse tipo de situação desconfortável e infame pela qual já passou.
“Recentemente passamos por uma série de ataques preconceituosos e de intolerância: pessoas passando na rua e nos xingando; nos instigando a ir para igreja mesmo vendo que estávamos arrumados para a gira; ameaças; pessoas atirando água contra a gente. Nesse caso tivemos que buscar apoio de autoridades policiais, da mídia e também da justiça, pois chegou num ponto no qual nos sentimos desprotegidos e em risco. Como ganhamos certa visibilidade na mídia, recebemos certos ataques do público em comentários e afins. Mas com isso, também conseguimos apoio de diversas formas, desde apoio vindo de outras casas até mesmo de advogados e políticos que se comoveram com a causa”.
O Código Penal Brasileiro Lei 2.848/1940, em seu artigo 208, determina que é crime “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. Por consequência, a pena para esses atos é de um ano ou multa, mas se houver ato de violência, a pena é aumentada.
“As denúncias de racismo religioso só aumentam a cada ano e a maioria dos agressores são de igrejas cristãs, mas é importante ressaltar que esse não é o único ataque, a violência é sistemática, precisamos apontar que vivemos numa sociedade racista que vê as religiões de matriz africana como inferior, como não religião, associada ao demônio” diz a criadora da marca Atelier Njinga Moda Afro.
E como dito pelo sacerdote dirigente da casa do terreiro, as mídias conseguem influenciar na opinião pública e ele reforça essa afirmação logo depois, ressaltando a força de distribuição de informação da cultura.
“As religiões de matriz africana não possuem um livro, assim como tem-se a Bíblia no Cristianismo, ou seja, só se sabe a vivência quem coloca o pé no chão de um terreiro e se disponibiliza a participar das funções e aprender, dessa forma, informações mal interpretadas e disseminadas a público podem sim influenciar de maneira negativa, por isso é necessário que se tenha uma visão bem crítica a respeito do que se encontra por aí na internet. Mas de certa maneira, tem sido um veículo bem importante para pessoas que trabalham com seriedade mostrar um pouco da abrangência das religiões de matriz africana e como elas contribuem na vida das pessoas”.
Com esses atos, torna-se um desafio as próprias comunidades saberem lidar com o cenário, tanto devido ao racismo quanto ao preconceito e perseguição. Porém, apesar dessas dificuldades, os terreiros vem se mostrando cada vez mais fortes perante os ataques.
Segundo Erika Santos, o fórum de religiões de matrizes africanas do estado de Goiás, que desde de 2016 vem desenvolvendo diversas rodas de conversa, oficinas e seminários para promover a luta por direitos, justiça social e de enfrentamento ao racismo religioso.
“Neste momento estamos desenvolvendo o projeto terreiro lugar de resistência defesa de direitos e de enfrentamento ao racismo religioso que tem o apoio do fundo brasil de direitos humanos. Em 25 de maio de 2024 em aparecida de Goiânia será realizado o segundo seminário do fórum de religiões de matriz africana do estado de Goiás onde se propõe reunir diversas lideranças e povos terreiro que atuam em ações e projetos de defesa do território, preservação da cultura e religião de matriz africana, defesa dos direitos, da liberdade religiosa e de enfrentamento ao racismo”