A beleza também é Negra

Entrevista com empreendedora de loja de cosméticos para pele preta e cabelos crespos, ressalta o crescimento positivo desse comércio em Goiânia
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Geovanna Siqueira

Até os anos dois mil, a população feminina procurava profissionais e salões de beleza para se adequarem aos cabelos lisos e finos que os padrões da época e o preconceito racial ditavam. Porém, uma pesquisa de 2022, realizada pela Associação brasileira de salões de beleza (ABSB) em parceria com o Sebrae, aponta que nos últimos anos houve um aumento de 47% na busca por serviços para cabelos ondulados, cacheados e crespos nos salões de beleza. Ainda na pesquisa, 56% das mulheres possuem cabelos ondulados, cacheados ou crespos.

Mudanças como essa trouxeram oportunidades para salões de beleza especializados no processo de transição capilar, que consiste em interromper o uso de técnicas de alisamento químico para assumir a forma natural dos fios. A Mintel, fornecedora global e premiada de pesquisa de mercado, também registrou o percentual de penteados naturais para cabelos crespos ou cacheados. 20% das pessoas fazem o uso do relaxamento para manter os cachos soltos e controlar o frizz, por exemplo. As demais pessoas recorrem à penteados como afro curto, tranças naturais ou sintéticas e dreads.

O interesse das consumidoras em usar o cabelo natural impactou fortemente a indústria da beleza, que passou a fabricar e disponibilizar produtos específicos para cuidar da estrutura capilar dos fios com a curvatura. Junto com esse processo, a indústria da maquiagem também passou a demonstrar mudanças. Em 2020, pesquisas relacionadas a “maquiagem para pele negra” aumentaram em 60% comparado ao ano anterior, segundo levantamento do Google. Geralmente, é na esfera de produtos para o cabelo que vem a busca por diversidade, e hoje essa área conta com uma variedade grande de cremes para muitos tipos de curvatura. Mas, nos últimos anos a busca pela diversidade em cosméticos para a pele preta cresceu em torno de 15% anualmente.

Para conhecermos mais dessa mudança em Goiânia especificamente, o Lab Notícias conversou com Islália Cruz e Sousa, representante da linha de cosméticos de Goiânia, “Negra Rosa” e empreendedora da loja “Ôh! Nega” para conhecermos sobre esse mercado na capital.

Lab Notícias(LN):   Por que você decidiu abrir uma loja voltada apenas para peles pretas e cabelos cacheados?

Islália da Cruz: Então, surgiu da minha própria dificuldade de encontrar produtos que me atendessem. Atendessem o meu cabelo crespo, cacheado, que me desse uma definição sem necessidade de uma reaplicação futura e que me desse uma definição mais prolongada. Então, primeiro partiu da minha própria necessidade e depois eu percebi que essa dificuldade não era só minha. Então, eu comecei a fazer muitos cursos, principalmente na pandemia, cursos para entender mais dessa necessidade.

Lab Notícias(LN): Quando você se inseriu nesse mercado, já existiam outros comércios dessa especialidade em Goiânia?

Islália Cruz: Sim, já existiam salões especializados em cabelos crespos e cacheados, mas eu ainda sentia dificuldade de um atendimento mais personalizado. Porque normalmente, no salão nós fazemos um procedimento, uma hidratação, um corte e muitos dos salões já possuíam suas próprias linhas, de shampoo, condicionador, máscara de hidratação. Mas eu sentia falta de um tratamento ainda mais diferenciado. Ter uma consultoria, tanto capilar, tanto de maquiagem e cuidados com a pele negra, né? Fazemos teste de base para saber o seu tom, um teste em relação ao cabelo também, e é isso o que eu faço hoje.

Lab Notícias(LN): Como empreendedora, você enfrentou alguma dificuldade ou preconceito das pessoas quando abriu seu comércio?

Islália Cruz: Não, não tive nenhum preconceito. Na verdade, as clientes aderiram muito bem, gostam muito desse tratamento e, na verdade, eu não recebi nenhuma crítica ou preconceito. Na verdade, elogios, porque também sentiam falta desse contato, dessa forma de atendimento.

Lab Notícias(LN): Você percebe um crescimento ou diferença no mercado de Goiânia desde que você começou até os dias de hoje?

Islália Cruz: Sim, o crescimento é notável, não só no mercado de Goiânia, mas no mercado global. Hoje, se você vai no supermercado ou numa loja de cosméticos, de produtos capilares, você encontra uma seção voltada ali para um cabelo cacheado, crespo, ondulado ou uma maquiagem mais para uma pele negra. E isso anos atrás não era tão notável como hoje e a tendência é só aumentar.

Lab Notícias(LN):  Quais são as dificuldades que as clientes encontram que as fazem procurar salões especializados ou lojas de maquiagem e de produtos para cabelo como a sua?

Islália Cruz: Uma das maiores dificuldades que eu ouço é em relação a usar um produto que realmente vai dar o resultado esperado. As clientes estão cansadas de usar uma linha ou outra que não dão o resultado que elas esperam ou dão o resultado por pouco tempo. Então, a maior queixa é essa, e a segunda é de encontrar produtos realmente focados na pele negra. Por exemplo, nós temos um protetor solar que é translúcido, então ele é adaptável a qualquer tipo de pele, ao contrário de um protetor solar tradicional que é branco e você tem que ficar espalhando. São produtos específicos para um público específico e hoje o mercado tem visto que a pele negra, o cabelo crespo, cacheado, possui seus diferenciais. E cada dia mais esse olhar tem que ser abrangido, porque não tem como você achar que todo público vai ser igual. O corte do cabelo crespo é diferente, a maquiagem para uma pele morena, negra, é diferente. Então, ter esse olhar diferenciado e conseguirmos ver que realmente é necessário ter esse olhar é que faz a diferença, é que faz com que a cliente busque o diferencial e ela encontre.

Lab Notícias(LN): Você percebe o público masculino inserido nesse mercado também? Seja como consumidor ou como profissional.

Islália Cruz: Com certeza, em Goiânia, por exemplo, temos salões liderados por homens que trabalham com o cabelo crespo, cacheado. Eu tenho vários clientes que usam os produtos capilares, que gostam de cuidar dos cachos, que dê uma definição melhor ali para o dia a dia. Homens que usam os produtos de skincare, que tem um cuidado a mais com sua pele. Então, com certeza, os homens também estão inseridos nesse mercado.

Lab Notícias(LN): E qual a importância dessas variedades e especializações para o público preto?

Islália Cruz: A variedade, além de ser importante, contribui e muito para a autoestima. Eu volto a falar aqui do protetor solar, protetores com fator 70, fator 80, que são para peles mais sensíveis, que não podem ficar ali tão exposta ao sol, precisa de uma proteção maior. E para a pele negra, temos protetor com cor, mas a maioria são protetores brancos. E passando esse protetor numa pele negra, eu tenho que espalhar, espalhar, e às vezes até perco um pouco da potência do protetor porque eu tenho que espalhar até ele sumir na minha pele. Então, um protetor translúcido é um olhar diferente pra um público que necessita daquele serviço. O cabelo crespo não é ruim, a pele negra não é difícil de tratar, a questão é um olhar diferenciado para uma necessidade diferenciada. Assim como as pessoas que têm a pele muito branca, assim como as pessoas que têm uma pele acneida, o cabelo crespo não é melhor nem pior que um cabelo liso. São atendimentos diferenciados para a necessidade de cada um.

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