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O momento histórico que vivemos é marcado por uma sucessão de crises que se somam e tem potencial de se retroalimentar. A crise climática é a mais grave delas, já que se intensifica a partir da condução que os governos dão às outras ao mesmo tempo em que é geradora de novas crises. Pandemias, eventos climáticos extremos, elevação do custo de vida, crises migratórias, etc., são problemas que não podem ser enfrentados sem ter a dimensão ecológica no centro do debate. E os grandes vilões do clima, em escala global, já são bem conhecidos por todos: os combustíveis fósseis.
O Brasil se destaca nesse sentido como um país de matriz energética limpa, onde a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEEs) é a mudança do uso da terra (MUT), desmatamento e queimadas, principalmente, ao contrário das outras grandes potências globais. A MUT foi responsável por quase 50% das emissões totais em 2021, segundo nota técnica emitida pelo Observatório do Clima.
No entanto, um tema que ganhou destaque na vida política brasileira nos últimos meses foi a exploração de petróleo na Margem Equatorial (ou Foz do Rio Amazonas, nomenclatura rejeitada pelos apoiadores do projeto).
Apesar de não ter os combustíveis fósseis como maior fonte de emissão de GEEs, o Brasil é o nono maior produtor de petróleo do mundo, com uma produção diária de 3,6 milhões de barris por dia. Essa quantidade quase inimaginável de petróleo produzida diariamente apenas em um país ainda é pouco quando comparada à demanda mundial por esse combustível, prevista em 105,5 milhões de barris por dia, em 2025. A previsão ainda sugere que a demanda continuará crescendo até 2045, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
É com base nessas projeções que o governo brasileiro defende a continuidade e expansão da produção de petróleo no país, atrelando ao projeto da exploração da Margem Equatorial, ideias de progresso, crescimento econômico e desenvolvimento local.
Chama a atenção que a produção e o consumo de combustíveis fósseis está em completo descompasso com as metas de redução de emissões firmadas em 2015, com a assinatura do Acordo de Paris, além de ser um perigo para a manutenção das condições climáticas que permitem a sobrevivência na Terra.
A sociedade do petróleo é um modelo que criou as condições para seu próprio fim – ou será por meio da transição energética justa e urgente ou será pelo colapso do sistema climático e, por isso, da extinção de espécies mais suscetíveis às alterações do clima, como o homo sapiens. Um aumento de 2°C na temperatura da Terra já afetaria mais de 3 bilhões de humanos que vivem em lugares que atingiriam temperaturas superiores àquelas que o corpo humano pode aguentar. Parafraseando o intelectual italiano Antônio Gramsci, o velho tarda a morrer e o novo ainda luta para nascer.
De acordo com o cientista Carlos Nobre, um dos maiores nomes das ciências climáticas no Brasil, precisamos parar de explorar novos poços de petróleo, carvão e gás natural imediatamente para zerar as emissões até 2050, uma das metas estipuladas pelo acordo de 2015 e uma das condições objetivas necessárias para limitar o aquecimento do planeta em 2° celsius.
Além disso, considerando a trajetória do Brasil na emissão de GEEs, o Observatório do Clima concluiu que o país “falhou em usar a política nacional de clima como um instrumento para uma virada rumo a uma economia de baixo carbono”.
Apesar dos avisos dos cientistas e das negativas do Ibama, que, até o momento, não liberou a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, o governo segue pressionando pelo licenciamento do projeto, uma atitude irracional e que fere a autonomia da instituição, numa lógica de instrumentalização da ciência “para caber na sua estratégia política, em vez de construir uma estratégia política emancipadora cientificamente.”, como analisa a socióloga Sabrina Fernandes.
Aqueles que apoiam o projeto independente da urgência da descarbonização da economia e da substituição das energias fósseis, se apoiam em argumentos desenvolvimentistas e, supostamente, na defesa da soberania nacional (apesar de mais de 42% do capital total da Petrobras ser controlado por não-brasileiros).
Porém, isso demonstra, no melhor dos casos, um profundo desconhecimento do atual estágio das mudanças climáticas e, no pior dos casos, um profundo negacionismo. Não se pode entender o clima como algo de “hoje” ou de “aqui”. Quando se trata do sistema climático é sempre sobre uma temporalidade e uma espacialidade estendidas. Para Sabrina Fernandes, “A perpetuação da dependência dos combustíveis fósseis como forma de garantir a soberania hoje prejudica a soberania no futuro, quando as condições de transição serão mais difíceis, a policrise mais complexa e os recursos cada vez mais escassos”.
Os gases emitidos hoje permanecerão aquecendo a atmosfera pelas próximas centenas de anos, os poços perfurados hoje vão gerar lucros e alimentar processos altamente poluentes em 2029, bem como as medidas que podem ser adotadas hoje para reduzir as emissões de GEEs não irão conter o aquecimento do planeta imediatamente, mas vão nos dar mais tempo para evitar um colapso completo da civilização como a conhecemos.
Por tudo isso, a perfuração de poços de petróleo na Margem Equatorial (ou em qualquer outro lugar do planeta) devem ser entendidos como aquilo que de fato são: atraso, retrocesso e destruição. Fazer parecer que o petróleo é a salvação de todos os nossos problemas não passa de estratégia retórica para garantir que tudo continue como está, até que não seja mais possível garantir nenhuma continuidade. A elite acha que será salva por seus bunkers ou pela descoberta de um novo planeta Terra, até lá continuarão fazendo tudo para manter os lucros crescendo.
Mas a salvação para os 99% da população que não tem acesso a naves espaciais ou bunkers de luxo está na construção de um novo paradigma de sociedade pautado pela ecologia, pela justiça social e pelo bem comum acima de interesses individuais e da acumulação desmedida de capital.